terça-feira, 30 de dezembro de 2008

NOVO ANO...NOVOS TEMPOS

Segundo Freud, todos temos uma “compulsão repetitiva”, ou seja, estamos condenados a repetir eternamente nossas experiências, sejam boas ou dolorosas. Alguns de nós conseguem se aperceber do fato, como a atriz Liv Ullmann que, ao se dar conta de que estava repetindo os mesmos erros, a mesma lição de vida, dizia: “Lá vou eu outra vez”.
As festas de fim de ano se aproximam e, lá vamos nós outra vez...prometendo a nós mesmos que no próximo ano, tudo será diferente. No fundo, temos uma certa sensação de já haver visto esse filme, mas acreditamos (uma vez mais) que, desta vez, mudaremos o canal a tempo de nos atualizarmos.
A história mostra - e o Brasil acaba de dar provas suficientes disso - que podemos, sim, mudar. Mas, não basta detectar, prometer, acreditar. Há que agir. Sair do comodismo narcísico, do medo das transformações e agir construtivamente, pois não nascemos prontos e acabados. Somos arquitetos de nós mesmos, seres livres para construir a si próprios e ao mundo do qual somos parte integrante, queiramos ou não.
Acredito – e procuro agir nesse sentido -, que a razão está com Jean Paul Sartre, quando diz que estamos condenados a ser livres, ainda que reconheça que a liberdade é restrita, pois envolve sempre a liberdade do outro. De um outro – seja ele quem for, que, graças a Deus, impõe parâmetros ao nosso egoísmo. De um outro, seja nosso irmão, filho, amigo, pai, esposa, que precisa de nós tanto quanto, desesperadamente, precisamos deles, pois é na existência do outro que encontramos nossa própria humanidade.
Que as festas de fim de ano, desta vez, não se resumam a um consumismo repetitivamente alienado, mas que nos possam trazer, a todos, maior conscientização sobre seu verdadeiro sentido.
Natal, como um renascimento da virtude da compaixão por nossos irmãos na Terra que, ao compartilhar dores e alegrias, mitiga aquelas, aumenta estas. Ano Novo, como uma possibilidade de recomeçar, de reconstruir e de “crescer junto”, tornando mais digna e mais feliz esta incrível experiência que é viver.

* Publ. in “Revista do Ypiranga” nº 118, nov/dez/2002, pág.7.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Quem és Tu?

Qual

O Teu nome,

Tu que te escondes

Dentro de mim?

Qual

A distância

Da Tua luz,

Tu que iluminas

O meu caminho?

Qual

A tua cor,

Tu que animas

O meu viver?

Qual

O caráter

Da tua essência,

Tu que formaste

O que eu sou?

Diz-me afinal, quem Tu és.

Diz-me, por Deus, quem eu sou.

Não-violência

A Mídia, nossos amigos e familiares, nos bombardeiam diariamente com problemas relacionados à miséria crescente, ao abandono de menores, ao abuso sexual, à corrupção, à guerra, à discriminação, às drogas, o que se resume numa palavra que vocês conhecem melhor do que eu: VIOLÊNCIA! A toda hora assistimos, ouvimos, vemos e convivemos, pensamos e até sonhamos com violência, o que no caso da polícia chega ao limite do insuportável, sendo essa profissão considerada pelos especialistas como uma das mais estressantes do mundo.
Estamos tão impregnados de violência, tão prevenidos contra ela, que ao menor gesto do outro, revidamos com alguma forma de agressão, seja verbal, gestual ou física, e, assim, vamos contribuindo sem perceber, para aumentar numa proporção alarmante o conflito social.
Nossa proposta é inverter essa situação enquanto há tempo, desfraldando a bandeira da NÃO-VIOLÊNCIA. Se todos sabemos que violência gera violência, claro está que não-violência só pode gerar não-violência, porque desarma o adversário, que esperava uma reação agressiva.
Esta idéia, desenvolvida por Mahatma Gandhi, foi praticada por milhões de indianos na primeira metade do século, levando a Índia a conseguir libertar-se da violenta dominação inglesa sem pegar em armas. Vejam a força da não-violência.
Embora ele tenha morrido há mais de 50 anos, a proposta de Gandhi se torna atual, não apenas porque estamos atravessando uma crise, mas porque também estamos submetidos a uma espécie de dominação - tão assustadora quanto aquela -, a do poder econômico.
Para Gandhi, não-violência, que também pode ser entendida como paz ou mesmo amor no seu sentido mais elevado, é a tradução da expressão ahimsa que, literalmente, quer dizer “não-dano”, ou seja, não causar dano a nenhum ser vivente. Portanto, não é unicamente não matar, mas é também não causar sofrimento, nem alimentar pensamentos e palavras que aumentem os desejos de vingança, ódio ou inimizade, de que o mundo já está saturado.
Em suma, não ser violento não significa abandonar covardemente o posto ou o cumprimento do dever, mas agir na medida justa da necessidade, sem reagir a provocações irresponsáveis e sem usar de violência fútil, inútil e desnecessária.
A não-violência foi concebida por Gandhi como uma força mais ativa, mais efetiva e “infinitamente mais potente do que as armas inventadas pelo homem”, porque não gera, como estas, um círculo vicioso de medo, ódio e ressentimento.
Sempre que agimos de forma agressiva,, mais cedo ou mais tarde, temos enfrentar as consequências de nosso ato. Portanto, não valeria a pena ser violento, nem que fosse tão-somente por puro egoísmo. Um momento de reflexão antes de agir, pode literalmente transformar nossas vidas, mas essa capacidade só se adquire com a prática diária, que deve começar nas situações mais simples, para que se torne um hábito.
Estamos tão condicionados a reagir instantaneamente a pretensas provocações e a agir impensadamente, sem considerar os sentimentos e as emoções do outro, que esquecemos a importância dos pequenos gestos de atenção.
Nos sentimos injustiçados, sem perceber a nossa participação na injustiça generalizada. Participação é palavra-chave e tem que ser assumida com responsabilidade. Queiramos ou não, direta ou indiretamente, participamos desse caos globalizado, seja por omissão, seja por extrapolar nossa função, nossa competência, enfim, nossa missão.
Fazer apenas nossa parte, reconhecendo que cada um de nós tem direitos e obrigações, sentimentos bons e ruins, enfim, limites e qualidades que devem ser respeitados, é contribuir para uma sociedade mais harmônica e justa.
Não basta reconhecer que todos temos um lado negativo, se o colocarmos para fora de forma agressiva. Temos que aprender a transformar essa energia, usando-a positivamente, na construção de um futuro mais digno e menos sofrido para nossas crianças e, porque não, para usufruir uma velhice mais saudável e tranqüila, entre pessoas que não nos desprezem por nosso passado violento.
Ser justo é reconhecer no outro um ser humano que sofre e erra, como nós, e que, muitas vezes, por não ter tido acesso a um emprego ou à instrução, por não ter recebido afeto ou orientação familiar, ou até mesmo por falta de alimentação e ambiente adequados ao desenvolvimento inteligente e responsável da personalidade, torna-se desajustado.
Devo lembrar ainda uma vez que, praticar a não-violência não significa “bancar o bobo”, deixar de cumprir o dever ou fugir acovardado, mas, ao contrário, é demonstrar grandeza e humanidade, usando, quando necessário, nossa autoridade responsável e não um autoritarismo pernicioso.
Portanto, participar é dar de si para uma sociedade mais justa, não é retribuir na mesma moeda contra adversários que não tiveram as mesmas oportunidades que nós, mas ter a coragem e a grandiosidade de possibilitar-lhes agora, dentro de nossa competência, uma chance de reabilitação e de dignidade.

*Edição de palestra ministrada em 1988, para a Polícia Militar.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

JAULA

Meu corpo é uma jaula.

Gaiola encaixada, incrustada

Num imenso parque... zoológico.

Sou provida de potentes asas coloridas

Que se anulam e se encolhem doloridas

Ao trombarem com as grades que me cercam.

Visitantes a sorrir se acercam,

Farsantes com ar simpático,

Num processo automático

De deslumbramento ante o brilho

Das luzes que irradio.

Eu retribuo. Sorrio.

Sou provida de antenas imensas mas invisíveis,

Que captam o tom apático, tão próprio e sintomático

Dos irmãos mais insensíveis.

Alguns, menos ariscos, em ousado gesto de altruísmo,

Estendem as mãos às minhas “penas”,

Mas a seguir, assustados, as recolhem apressados,

Talvez por pressentir minhas antenas.

Às vezes, quase chego a ser feliz,

Pois sou muito bem “tratada”.

Chego mesmo a ser mimada!

E pasmem, sou invejada

Pelos irmãos prisioneiros.

Leões cegos; animais bisbilhoteiros.

Mas quando a noite desce

E a paz se instala,

Eu clamo ao Infinito.

Não mais grades, tratadores, visitantes,

Não mais farsantes.

Inefável percepção...

De uma outra dimensão.

*Publ. na Página Poética do Jornal "O Meirinho em Roteiro", agosto/1982 (pág.13).

Viagem ao Planeta Azul

Há pouco mais de seis décadas, Sued Providentia, um Grande Agente de Viagens, estava oferecendo um interessante pacote turístico, denominado “Viagem à Dimensão do Tempo”. A primeira parte da tournée sairia de graça, inclusive dando direito a compras “no cartão de crédito” e a dois dedicados guias, familiarizados com a língua local.

As vagas para a nave que nos transportaria já estavam quase esgotadas, devido ao interesse despertado pela excepcional possibilidade de serem visitados os cinco continentes do Planeta Azul, em condições especiais, já que estaríamos dispensados do pagamento da parcela inicial (entrada) e até mesmo de levar bagagem.

Entusiasmada, tratei logo de fazer minha reserva. O embarque foi muito animado, uma verdadeira corrida para encontrar o lugar mais propício, mas a falta de gravidade no interior da nave foi um tanto assustadora, parecendo que estávamos dentro de enormes bolhas d’água. A chegada não deixou de ser triunfal, embora o túnel que ligava a nave ao salão de recepção fosse escuro e escorregadio. O contraste com as luzes feéricas do salão chocou minhas vistas sensíveis que se retraíram durante um longo período.

Calorosamente recebida, porém, fui superando paulatinamente o trauma inicial e o pasmo causado pelo gigantismo e poder dos guias, especialmente a partir do momento em que percebi que havia incontáveis outros viajantes do meu próprio tamanho, que confiavam plenamente em seus respectivos guias e aproveitavam a viagem sem qualquer preocupação.

Marinheira de primeira viagem, tratei de acumular bagagem, comprando tudo que me ofereciam, atenta a cada novidade desse continente encantado em que passeei durante cerca de treze anos, nos quais aprendi mais sobre o Planeta Azul do que durante todo o restante da excursão.

Empolgada com tanto conhecimento novo, senti-me dona de meu próprio nariz quando aportamos no segundo continente. Decidida a libertar-me dos guias, que insistiam em direcionar a viagem, rebelei-me e passei a elaborar minha própria programação, incursionando por lugares que não constavam dos “opcionais” oferecidos pela Agência, apesar de haver sido alertada dos riscos que correm os turistas em terras estranhas.

Incólume, graças aos cuidados paternais do Sr. Providentia, Agente experiente que tudo previa, acabei embarcando sem maiores problemas para o terceiro continente, onde comecei a perceber que teria que me desfazer de parte da bagagem acumulada, pois essa etapa da viagem seria muito cansativa.

A azáfama foi tanta, que mal me apercebi de que já transcorrera mais da metade da excursão, quando finalmente resolvi despachar grande parte do conteúdo da bagagem que já começava a pesar sobre meus ombros, diretamente para a nave que me transportaria de volta ao lar quando a viagem chegasse ao fim.

Como que num piscar de olhos, cheguei ao quarto continente sentindo-me realizada com a experiência adquirida, mas um tanto frustrada com as oportunidades perdidas. Uma certa nostalgia começou a tomar conta de mim, mas galhardamente eu a relegava ao ostracismo, insistindo em manter o mesmo ritmo de aventuras que dominava a primeira metade da viagem. Quase meio século de insuspeitadas novidades se haviam escoado rapidamente.

Mas a sabedoria do Grande Agente tudo previra e a surpresa final ainda me estava reservada no último estágio. Sob o manto da tranqüilidade, o quinto continente me ofereceu a oportunidade ímpar de doar a novos guias parte dos conhecimentos adquiridos. Animar meus companheiros de viagem, já cansados pelo esforço despendido, foi outra forma de amortizar prazerosamente a dívida contraída.

Mas meu interesse pelo Planeta continua tão intenso quanto no início da viagem, especialmente pela diversidade de seus habitantes, sua coragem, criatividade, alegria e beleza.O desamor de alguns já não me desanima, pois sei, por experiência própria, que o Sr. Providentia está atento para fazer deste, um Planeta digno de ser visitado. Sei que a excursão não tardará a terminar e – honestamente – já sinto uma certa saudade do antigo lar que me espera acolhedor.

Mas valeu a pena e estou certa de que a viagem de volta será menos assustadora, portanto, não nos entristeçamos com despedidas precoces - o Natal se aproxima e ainda há tempo para presentear. Quando a missão estiver totalmente cumprida, só restará comemorar e aguardar a chegada da nave, mas enquanto o prazo do contrato não se esgotar de todo, participarei alegremente da programação oficial de espera, até porque ainda há muito a fazer e conhecer neste continente.

Quanto aos preparativos para o embarque, não há com que nos preocuparmos, pois Sued sempre providencia antecipadamente a presença de experientes guias para orientar os viajantes quando chega a hora do retorno.

Publ. in Revista do Ypiranga nº 123, pág.5.


A arte de pensar

Todos acreditamos sermos livres para pensar, mas será que sabemos ou podemos usar essa liberdade?

Para encontrar a resposta, devemos lembrar que são as nossas emoções, sentimentos e condicionamentos que geram e alimentam os nossos pensamentos. Devemos ainda ter em mente que mantemos uma relação de interdependência com o meio cultural que nos cerca, cuja influência determina constantes modificações em nossa estrutura.

Além disso, nossa inserção numa determinada tradição cultural faz com que sejamos herdeiros de alguns fortes elementos nela contidos, sempre realimentados por aqueles que estão interessados na manutenção de algum status, como o poder político, econômico ou religioso.

Alguns desses elementos, mantidos na cultura ocidental desde os gregos são, por exemplo, o patriarcalismo, o individualismo, a abordagem compartimentada das questões, etc. Esse modo de ver o mundo baseado na lógica aristotélica é muito reducionista, pois tende a excluir tudo e todos que não se enquadrem no padrão mental puramente racional, seqüencial e dualista.

A noção que ele nos dá dos fenômenos, é a de que eles se enfileiram um atrás do outro, produtos que seriam de uma causalidade única e imediata, sem levar em consideração as circunstâncias de sua produção e os incontáveis elementos que se combinam.

Esse modo de pensar nos apresenta um mundo de verdades inquestionáveis, onde o argumento da autoridade deve sempre prevalecer. Assim, ou você acredita e obedece, ou está excluído. É o mundo do ‘sim ou não’, ‘certo ou errado’, ‘rico ou pobre’, ‘forte ou fraco’, onde a razão é soberana e as saídas criativas - que podem levar em conta a infinita gama de possibilidades entre esses extremos de dualidade -, são consideradas "irracionais" e, portanto, abortadas.

Nesse sistema linear de pensamento, a educação é apresentada em blocos separados de conhecimento, que parecem não manter nenhuma relação entre si. As disciplinas não se comunicam, orgulhando-se de uma pretensa autonomia que acaba por isolá-las da realidade, que tem na diversidade de saberes e visões a sua grande riqueza.

O mundo não é "isto ou aquilo", mas "isto e aquilo". Há um inter-relacionamento dinâmico-circular entre todos os seres e coisas, formando uma rede de interconexões que não pode ser fragmentada, porque perde seus pontos de referência. É o que está acontecendo com o mundo globalizado que, fragmentando o econômico e o social, perdeu seus valores éticos, gerando a crise que estamos atravessando.

Esse processo é o mesmo em todos os sistemas, inclusive o humano, em que as partes (os sub-sistemas) se relacionam entre si para o bom andamento do todo, que depende da harmonia entre elas, caso contrário, entrará em crise.

Mas o fato é que toda crise é necessária e muito bendita, ao contrário do que imaginamos, pois é uma oportunidade de transformação que nos permite usar novos referenciais. Se estivermos atentos, podemos perceber seus sintomas antes que se agrave - seja uma crise física ou psicológica, individual ou coletiva -, e reequilibrar o organismo ou a situação paulatinamente, até que se encontre a justa medida.

A vida nada mais do que uma imensa teia de relacionamentos entre todas as coisas, os seres e saberes, ensinamento que remonta a antiquíssimas visões de mundo, repetitivamente divulgadas por sábios e santos de muitos lugares e épocas. Essas concepções milenares vêm sendo agora resgatadas e atualizadas à luz das mais recentes descobertas científicas, por estudiosos de vários ramos do conhecimento, que se interconectam transdisciplinarmente.

A essa múltipla conexão de vários elementos entre si e com o todo, eu chamaria de transconexão, ou seja, o estabelecimento de ligações com o maior número possível de pessoas, disciplinas ou quaisquer outros elementos necessários ao conhecimento, fazendo-os dialogarem entre si.

Para isso, faz-se necessário que as pessoas envolvidas usem sua visão sistêmica, capacidade intuitiva, disponibilidade para se reciclar, auto-estima e segurança, deixando de lado seus condicionamentos e pressupostos. Há que usar nossas potencialidades, para que possamos abrir-nos para o novo.

Humildade, tolerância, compaixão, solidariedade, e outros alimentos do espírito, um pouco em desuso devido à competitividade desenfreada e predatória que hoje campeia, poderiam também ser resgatadas com toda a força de seus significados, como um processo de cura pessoal e social, de superação da crise e de liberdade mental.

O importante é perceber aqui que, embora tenhamos sido fortemente influenciados por uma tradição cultural excludente e fragmentadora, nossos pensamentos não têm que, necessariamente, se submeter ao mero raciocínio lógico-linear, que nos foi apresentado como única possibilidade mental "normal".

A propósito, a busca ansiosa (ou neurótica) pela normalidade, que se traduz por um medo fóbico de transgressão às verdades autorizadas, tem criado gerações de "normóticos" do saber e do poder, que impedem toda criatividade inovadora.

Ao defrontar-se com os paradoxos naturais de que a vida e o homem são pródigos, as neuroses transformam-se na esquizofrenia coletiva que aí está a deformar ainda mais a realidade. Estou convicta de que esse quadro pode ser revertido e também de que as armadilhas que o pensamento padronizado e repetitivo coloca em nosso caminho, podem ser facilmente detectadas e desarmadas.

O mundo não é um "dado", mas um "construto", ou seja, algo que tem que ser construído cotidianamente, com os elementos de que dispusermos. Nessa engenharia, o pensamento é o grande arquiteto e com ele podemos embarcar em sempre renovada e maravilhosa aventura, se ao raciocínio lógico agregarmos nossa imaginação criadora, nossos sonhos e insights, nossa inteligência emocional e experiências de vida, a par de uma visão transdisciplinar dos vários ramos da ciência.

É necessária coragem (agir com o coração) para evitar padrões de comportamento discriminatórios, moralistas, conformistas; não ter medo de inovar ou ser diferente; jogar fora as catalogações, o script repetitivo e estressante e ousar encarar nossas limitações e potencialidades, como formas de pensar criativamente.

Saber rir espontaneamente, inclusive de nós mesmos, sem precisar lançar mão de piadas preconceituosas ou vulgares, utilizando outras formas de irreverência sutil e inteligente contra as verdades absolutas e seus "donos" prepotentes, são maneiras saudáveis de propugnar pela liberdade de pensamento e de expressão.

* Edição de Palestra realizada em 31/10/2000 para estudantes de Nutrição.

O Belo



O conceito de ‘belo’, em princípio, é cultural e não universal, pois - como de resto, os conceitos em geral -, está diretamente relacionado às crenças e conhecimentos dominantes num determinado tempo e/ou num determinado espaço. Melhor dizendo, geralmente somos levados a aceitar ou rejeitar as expressões humanas de acordo com a ideologia que perpassa cada sociedade.

Assim é que, apesar do esforço atual por ‘posturas politicamente corretas’, que tentam abafar preconceitos, a arte africana, por exemplo, ainda é considerada primitiva e praticamente desconhecida no Ocidente, que padece de um inexplicável ‘branqueamento cultural’. A propósito, o black is beautiful é uma noção que quase sempre se restringe aos movimentos de conscientização cultural promovidos por militantes afrodescendentes.

A noção da beleza, portanto, é muito abrangente e tem a ver com tudo o que a vista alcança. É uma questão sensorial infelizmente ‘represada’ pelo raciocínio, que contrapõe o feio ao belo, o rico ao pobre, o certo ao errado. E, numa cultura de mercado, como a nossa, tem a ver também com o que nos é impingido como um valor a ser alcançado, mas que interessa realmente tão-somente ao Poder Econômico. Nesse sentido a beleza negra é hoje decantada na exata medida em que se apresenta como um novo filão no mercado consumidor.

Para a cultura helênica, o máximo parâmetro de beleza se concentrava no efebo, em que pese a importância da divindade feminina – haja vista o mito de Demeter/Perséfone.-. Mas, a literatura grega gira em torno do ‘homem jovem cidadão’ cuja beleza interior e exterior é ressaltada, em detrimento da mulher, praticamente invisível naquela sociedade. Essa ambigüidade – que contrapõe o mito feminino à realidade patriarcal – foi-se tornando mais evidente a partir dos pré-socráticos e se consolidou no raciocínio aristotélico, a partir do qual a lógica se cristalizou, subestimando a mitologia.

Embora sejamos herdeiros dessa tradição cultural, o culto ao físico (masculino) tão caro aos helênicos hoje se aplica tanto a homens como a mulheres, numa ditadura da beleza que se impõe a ambos. Aos homens é impingida a necessidade de sentirem-se ‘sempre’ jovens, a qualquer preço, seja na vaidade de serem vistos como ‘sarados’, ou pela união com belas mulheres, com idade para serem suas filhas, mesmo que para alcançar esse objetivo vejam desfeitas longas uniões anteriores. A beleza está compreendida na juventude ou mesmo na capacidade de atraí-la.

Às mulheres é imposta a ditadura da magreza, que gera deturpações como a anorexia, e também da ‘eterna juventude’ que a indústria cosmética alimenta com a cumplicidade da mídia falada e escrita, em submissão ao Poder Econômico que chega a deturpar a própria ética médica, com desnecessárias cirurgias plásticas, que vão da lipoaspiração a perigosos implantes.

Mas, talvez se possa falar num consenso (ainda que relativo, como tudo na vida) sobre o belo, que se dá na admiração pelas incríveis paisagens engendradas pela natureza - da qual somos parte integrante -, ou suas mais artísticas representações. Admirá-las nos deixa inebriados - numa inefável sensação de prazer e paz, amor e união com o Todo -. Praias paradisíacas, montanhas enigmáticas, rios caudalosos ou regatos cantantes, assim como rostos sublimes, se aliam às flores, à fauna, e ao próprio cosmos para nos encantar.

Infelizmente, o homem moderno está muito ‘eletro-tecnicamente ocupado’ para contemplar as estrelas como sugeria o poeta. A propósito, a poesia engajada também quebrou, de certa forma, o encanto da beleza pura, das palavras extasiantes, não obstante sua eventual ‘beleza sociológica’, o que demonstra a relatividade e abrangência do conceito.

A licença poética, que permite o jogo de palavras, com suas conotações metafóricas, ainda é, quando bem utilizada, um fator de êxtase intelectual, uma forma sutil de cultivo ao belo. A boa música é outro fator de reencantamento da vida, um pouco relegada hoje, pois a criatividade atual muitas vezes se resume a mero ruído, às vezes acompanhado por gritos e letras extremamente vulgares.

O fato é que pintores, dramaturgos, escultores, poetas, compositores se imortalizam em obras que enlevam geração após geração, porque dizem diretamente à alma, num tempo em que (quase) tudo é descartável e a criatividade se nivela às necessidades primárias. A arte, que parece ter nascido com o próprio homem, tem sido a forma mais decantada do belo, inclusive em suas formas surrealistas, enigmáticas ou até mesmo escatológicas.

Mas, por deslumbrante que seja, a arte é mera representação da vida, esta sim revestida da mais profunda e enigmática beleza que o ser humano pode contemplar. Saber vivê-la em sua plenitude, com dignidade e Amor, reencantando o mundo, é a mais nobre forma de expressão do Belo que se pode conceber.

*Resumo de palestra ministrada em curso de Introdução à Filosofia.

O Olhar

Sempre fui muito sensível ao olhar, como se esse sentido tivesse o condão de desnudar quem olha, revelando suas mais secretas emoções, sentimentos, paixões e compaixões. Às vezes me constranjo ao detectar um olhar perscrutador que avalia despudoradamente a pessoa observada, mesmo que a vítima não seja eu.

Apaixonado, encantador, fingido, assustado, irado, perplexo, envergonhado, pecaminoso ou prepotente, o fato é que, ao menos num primeiro momento, o olhar não consegue dissimular as mais íntimas intenções do observador, razão pela qual acredito poder afirmar que nós somos o olhar, às vezes divino (iluminado), às vezes demoníaco.

Reveladores, os olhos propõem relações pessoais de amor ou de ódio, de medo e suspeição, de autoridade e de submissão, de desejo e rejeição, de prazer e desprazer. Em suma, de inclusão e exclusão. Daí que olhar é poder, é controle. Poder de sedução, de encantamento, de proteção, mas também de dominação, de vigilância, de terror.

Os olhos são nossas lentes bio-psicológicas de contato com a realidade e se não forem corretamente prescritas pela ética e ajustadas pelo meio-ambiente, tanto nos podem cegar quanto nos tornar estrábicos e desviar nosso foco de atenção para os pontos fracos de nossos semelhantes.

Esse é um dos sentidos possíveis para o tema adotado para um livro ainda inédito – O Olhar da Caprichosa -, expressão que retirei dos interessantes estudos de Marilena Chauí sobre esse assunto. E foi por sua importância que a usei para intitular esse meu Ensaio Transdisciplinar, que aborda Inveja, Preconceito e fenômenos afins como culpa e ressentimento.

Não por outras razões falo a respeito neste blog, que mais não é que uma tentativa de olhar o mundo com olhos de ver e desnudá-lo aos leitores numa perspectiva poético-literária que busca interação com os leitores.

Mas não se pode esquecer que ética e discernimento se impõem, inclusive ao olhar. Olhar o outro com ética significa deixá-lo revelar-se por si mesmo, na medida de suas necessidades e de seu desejo, sem julgá-lo; olhar o mundo com discernimento requer que nos despojemos, no mínimo dos preconceitos e outros condicionamentos culturais que se sobrepõem à nossa compreensão da realidade.

Talvez por isso Nilton Bonder, em sua Cabala da Inveja tenha dedicado todo um item ao tema, sob o titulo Sabendo Enxergar, onde propõe que procuremos enxergar em função de nós mesmos, para somente então enxergar os outros em relação a nós. Segundo o rabino, a ira dificulta nossa capacidade de ver e respirar, por isso nossos olhos se contraem e nossas narinas se expandem, como se necessitássemos do ar para poder enxergar de maneira mais clara.

Mas não são somente a ira e o preconceito que se interpõem entre o que vê e o que é visto. Sentimentos dolorosos como a culpa e o ressentimento, o despeito e a indiferença, entre tantas outras doenças que atacam nossa alma, deturpam nossa visão psico-física e conseqüentemente nossa postura ante o mundo, retirando-lhe a graça e o encantamento.

Detectar essas dores, investigar suas motivações, reconhecer-nos como seres complexos e ambivalentes, porém, dotados de uma excepcional capacidade para a resiliência, ou dito de outra forma, de uma grandiosa potencialidade para a superação, é um trabalho difícil, mas altamente compensador, porque desfaz medos e equívocos, qualificando os relacionamentos.

Variados são os caminhos que podem levar ao reencantamento do mundo, mas a meu ver a busca do auto-conhecimento é o mais eficiente. Quem conhece a si próprio, suas fraquezas e grandezas, seus defeitos e qualidades, passa a ver o outro, seja ele quem for, com mais brandura e compaixão, sem expectativas e cobranças.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um corpo na praia


O azul-verde do mar, em toda sua pujança, a atraía inexoravelmente. Foi entrando lentamente, olhos fixos na imensidão. O sol a pino lançava chispas ao céu, que se refletiam sobre as águas transparentes, obnubilando-lhe visão e mente, já um tanto deformadas pelo sofrimento.
Risadas soltas, brincadeiras e correrias absorviam a atenção dos freqüentadores da badalada Praia da Paixão, onde a cerveja estupidamente gelada disputava primazia com a frieza humana, na alienação instituída.
A primeira onda alcançou-a aérea, a cismar, e não teve dificuldade em fazê-la perder o pé. A segunda, derrubou-a com violência. Tentou firmar-se, mas o chão parecia escapulir dançando.
Fabinho foi o único a pressentir a tragédia. Desconsolado com a indiferença dos adultos, criava castelos imaginários, ocupando-se em baldear incontáveis carregamentos de areia em seu inseparável brinquedo de plástico, presente do pai: “Que é pra você lembrar do papai, quando estiver na praia com a louca da sua mãe”.
Já havia vislumbrado a mulher, diferente no vestido esvoaçante e colorido como um arco-íris, admirando-se com a inusitada incursão dentro d’água, em trajes de rainha. – “Ih, será que essa é a Iemanjá?”.
Tentou afastar o pensamento, pois a mãe o proibira de acreditar nas histórias da Glorinha. – “Aquela analfabeta, vou ter uma conversinha com ela”, dissera Marina, num daqueles momentos de mau-humor cada vez mais freqüentes, ao saber que a babá o deliciava com histórias de terreiro.
Mas aquela visão era muito real. Fabinho assustou-se: - “Meu Deus, acho que a Iemanjá está se afogando!” E correu: “Manhêêê...”.
Rodolfo distraía a platéia improvisada, com uma de suas eternas piadas preconceituosas, tentando envolver Marina com um indisfarçável olhar lascivo que não parecia desagradá-la de todo, em sua perceptível carência afetiva. - “Espera um pouco, menino. Não vê que os adultos estão conversando?”
Fabinho não parava de bater os pés, impaciente. – “Acho que ele precisa fazer xixi”, obtemperou Solange, complementando com um quase inaudível: “E eu também. ‘Êta’ cara engraçado, esse Rodolfo”.
O menino explodiu em choro: - “Manhê, a Iemanjá...”. A mãe perdeu a paciência: - “Você não aprende mesmo, né? Vá procurar seu avô e só volte aqui com a cara lavada e a bexiga vazia”. E voltando-se para Rodolfo: - “Desculpa, querido, onde estávamos mesmo?”
- “Não se preocupe, criança atrapalha mesmo. Tenho um filho dessa idade, lembra?” - “Puxa, tinha me esquecido, como é que ele vai? Ainda está com a mãe?” E ele: - “Deixa pra lá, que eu não acabei de contar a piada”.
O avô abriu os braços, solícito: - “O que aconteceu, meu amor?”. Fabinho, mais tranqüilo, procurou explicar o que havia visto, com a clareza que seus seis anos permitiam.
Seu Antonio, que conhecia bem a filha e sempre acreditava no neto, prontificou-se a procurar pistas sobre o inaudito acontecimento, sem antes deixar de se certificar se o neto não precisava mesmo ir ao banheiro.
Inspecionaram a orla, sem constatar nada de anormal.
O salva-vidas, preocupado com o atraso do colega que deveria rendê-lo, não tirava os olhos de Cleuza, com medo de perdê-la de vista uma vez mais. Incrível, ela possuía o dom de desaparecer sempre que ele se livrava do trabalho.
E agora, esse velho “pentelho”, com uma história absurda. Imagine, acreditar num menino idiota, que mal saíra dos cueiros! - “Qual é, vovô? Pensa que não conheço meu trabalho? Em praia minha, ninguém se afoga.” E abriu um sorriso na direção em que deveria estar a mulata que, como sempre, havia “misteriosamente” sumido, uma vez mais. - “Maldito velho!”, resmungou.
Mas avô e neto não ouviram a imprecação, pois já haviam se afastado na direção de Marina que, por sua vez, não foi menos grosseira: - “Já vi que hoje não é meu dia!”.
Seu Antonio olhou para a filha e para Rodolfo, com olhar de entendido, o que a deixou ainda mais possessa: - “Tá legal, vocês conseguiram, vamos embora”, falou grosseiramente. Mudando de tom, dirigiu-se aos amigos: - “Espero vocês hoje à noite, hein?”.
A família acordou mais tarde do que de hábito, cansada pela longa e barulhenta noite que, regada a uísque e gargalhadas, registrara sua marca em cada um.
Marina, ainda sonolenta, tentava se livrar da eterna enxaqueca, escondendo-se atrás de imensos óculos escuros. Tarde da noite, quando ela acabara de deitar, exausta, Fabinho acordara chorando, assustado com um terrível pesadelo, no qual Iemanjá lhe aparecera morta e desfigurada.
Seu Antonio, por sua vez, vagara pela casa durante boa parte da madrugada. – “Deita de uma vez, pai, parece um fantasma”. – “Vou deitar de uma vez, sim, filha, e não me acorde de manhã, que eu não vou à praia”.
Aliviada porque o pai ia ficar em casa, Marina anteviu uma manhã mais agradável com os amigos e sugeriu: “Fabinho, você também não quer ficar descansando hoje, enquanto eu vou um pouquinho à praia?”.
“Não, mãe, eu quero ir pra ver se a Iemanjá volta linda igual ontem, assim eu esqueço do sonho”. – “Então voa, que eu já estou indo”.
O sol estava incandescente e as pessoas um tanto agitadas. Antes mesmo de localizar a turma, mãe e filho notaram um agrupamento de pessoas à beira d’água.
Aproximaram-se ansiosos, com desagradável premonição.
O salva-vidas gesticulava, pedindo que as pessoas se afastassem. Fabinho enveredou por entre as pernas dos freqüentadores, olhos arregalados de horror ao notar o inconfundível arco-íris a embrulhar o corpo disforme.
- “Manhê, é a Iemanjá. Ela engordou, mas é ela. Eu avisei, eu falei pra esse moço.”
- “Tira esse menino daqui, dona. Criança não pode ver essas coisas, que fica chocada e desanda a dizer besteiras.”
Rodolfo veio em sua direção e enlaçou-a: - “Vou levá-la para casa, você está muito nervosa”. Fabinho disparou na frente: - “Eu quero contar pro meu avô. Só ele me entende”.
Mas seu Antonio já não podia ouví-lo. Fora se encontrar com Iemanjá.
- “Eu mereço!”, choramingava Marina, apoiando-se no solícito acompanhante. – “Você cuida de tudo pra mim, querido?”. – “Desculpa, minha flor, mas é melhor você ligar p’ro seu marido, que hoje é dia de eu ir buscar meu filho. Você entende, não é?

A Violência simbólica como fator de perda de auto-estima e de direitos dos servidores públicos*



Há muitos anos venho participando de Congressos e Seminários sobre servidores públicos e confesso que me sinto bastante frustrada com os resultados - se é que existem – dessa luta dolorosa por aceitação e dignidade que a classe tanto tem feito por merecer. Estava meditando sobre as possíveis causas dessa impotência, quando me caiu em mãos um artigo em que se relatava interessante experiência americana sobre a atenção.

Trata-se mais ou menos do seguinte: Num estádio fechado, foram reunidas duas equipes de jogadores. Uma, usava uniformes totalmente brancos e portava uma bola branca; a outra usava roupa totalmente preta, e portava uma bola preta. Ambas foram reunidas em um grande círculo, em que as cores se revezavam: um branco, um preto, um banco, um preto, e assim por diante.

Foi explicado aos participantes que o jogo consistiria em fazer simultaneamente passes -sempre para a própria equipe. A platéia também foi dividida em dois grupos: a um foi explicado que deveriam contar o número de passes da equipe branca; ao outro foi sugerido que contassem o número de jogadas da equipe preta.

Pois bem, a certa altura do jogo, sem que ninguém anunciasse, adentrou no estádio um grande gorila - claro que era um homem disfarçado de gorila - que foi até o centro do círculo e fez muitas micagens, inclusive batendo ameaçadoramente as mãos no próprio peito. A seguir, retirou-se, sem que o jogo sofresse interrupção.

Ao final do jogo, foi perguntado à platéia e aos próprios jogadores, o que haviam achado da participação do gorila e ... pasmem: a maioria respondeu: "Que gorila?". Acreditem, a maior parte dos expectadores não havia sequer visto o enorme animal e os que notaram sua presença desviaram os olhos para não perder a contagem!

Meditando sobre essa experiência - que não é apenas uma parábola, é um fato real - tive um insight: Nós não vemos o ‘gorila’! Somos tão submissos àquilo que nos mandam fazer, que simplesmente não enxergamos, não temos consciência do que está acontecendo ao nosso redor, da violência que está em jogo, no jogo do poder.

Isso é o que acontece com a violência simbólica, uma forma sutil, mas, nefasta, de manipulação, que há muito tempo vem sendo utilizada pelos detentores do poder e que consiste na afirmação de algo, como realidade insofismável, que embora não contendo bases sólidas, serve para desviar a atenção popular do arbítrio cometido.

Dessa forma, as questões verdadeiras, estas muito mais sérias, não se tornam motivo de conflito e acabam sendo legitimadas pelo consenso das massas e até pelas próprias vítimas que não enxergam a arbitrariedade embutida e até participam do processo, quer por comodismo, quer por desconhecer sua própria força.

Assim, a ignorância dos problemas estruturais, facilita a eleição de culpados, aliviando a consciência da ralé política e social. Num esforço mal intencionado de personificar o mal, projetam-se todas as mazelas e desmandos sobre alguns "bodes expiatórios", dentre os quais os servidores públicos.

Essa imagem distorcida da realidade que se chama ideologia ou consciência falsa incita a ralé, entendida como aqueles que se deixam levar por ideologias inconseqüentes, a participar de um populismo histérico, insuflado por aqueles que se beneficiam da situação, os ‘fazedores de ralé’ ou, melhor dizendo, os exploradores da ignorância e da submissão popular.

O senso comum é formado por idéias estereotipadas que nos são sistematicamente transmitidas e não passam pelo crivo da consciência, de tal forma que estigmatizamos outros grupos, sem perceber o quanto somos também estigmatizados.

Assim, por exemplo, todos os servidores públicos são vagabundos, corruptos, marajás; todos os aposentados são inúteis; todas as crianças de rua são viciadas e perigosas; todos os pobres são incompetentes. Vocês conhecem outros exemplos de preconceito, principalmente os alimentados por piadas e arremedos grosseiros cotidianamente repetidos contra grupos ‘ditos’ minoritários, como as mulheres, os negros, os judeus, os homossexuais, os portadores de deficiências, etc.
A fórmula utilizada no caso dos servidores públicos é a de colocá-los em oposição aos trabalhadores que "pagam impostos para sustentar a ineficiente máquina administrativa", como se os servidores não fossem também contribuintes e nem mesmo trabalhadores, sendo ‘sustentados’ pelos ‘cidadãos de bem’ (!?).
Põe-se ênfase na ineficiência, ocultando-se as principais razões pelas quais as Instituições Públicas não conseguem dar conta dos problemas que lhe são afetos. São desconsiderados fatores determinantes, como falta de material e de condições mínimas de trabalho e perda de direitos como o de reajuste dos já baixíssimos salários da esmagadora maioria, alimentando a baixa-estima generalizada e degradando a força de trabalho.
O fato é que fazemos parte de uma complexa rede social, que sofre os efeitos de uma cultura competitiva, preconceituosa e dualista que separa os seres humanos em bons ou maus, certos ou errados, vencedores ou fracassados, sem perceber que não somos "isto ou aquilo", mas "isto e aquilo". Tudo isso faz com que perpetuemos a discriminação, seja contra ou a nosso favor. E quanto mais discriminarmos, mais seremos discriminados.

Talvez devêssemos começar a refletir sobre nossa verdadeira participação na perpetuação de uma cultura que faz da arbitrariedade e da discriminação o jogo do contente, no qual nada mais somos do que cidadãos capengas, meras peças que se deixam ingenuamente manipular.

* Edição de palestra realizada no III Seminário Nacional de Servidores Públicos – AFPESP – Guarujá – 25/08/2001.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Querubim


O pequeno abandonado

Voa, descalço.

Em seu encalço

Três gigantes bem calçados,

Bem armados.

Seu crime tem nome:

Carência, fome.

E no furto de um pão,

Dá-se a grande confusão:

-"Pega ladrão."

Mas ele tem a vantagem

Das pernas ágeis. Dos

Pés calejados, que não reagem

À rudeza, dureza do

Asfalto. E das asas invisíveis

Que um querubim

lhe emprestou.

É lépido, intrépido,

Pois nada tem a perder.

Dribla o trânsito intenso

Pensa que o mundo é imenso

Para o esconder.

E os gigantes frustrados,

Suados e estafados

Desistem da luta, enfim,

Mal podendo imaginar

Que os cansou um querubim...


* Publ. in Revista Thot nº 78, março, contra-capa.

Dona Nena



Minha neta de cinco anos tem uma amiga imaginária. Quando percebe que estou muito ocupada para lhe dar atenção, informa do alto de sua sabedoria. – “Enquanto você acaba seu trabalho eu vou brincando com minha amiga, tá?”. Dia desses, notando que eu estava filosofando com meus botões, saiu-se com esta: - “Vó, você está falando com sua amiga secreta?”. – Encantada, respondi: “Estou sim, Amanda.” - “E como é o nome dela? “ - “Dona Nena”. – “Onde ela mora, vó?” – “No céu”. – “E onde ela morava antes?” “Aqui no Ipiranga, ora!” – “Ah, bom, então está explicado.”


Pois bem, alguns amigos e conhecidos da região eventualmente me procuram com sugestões de temas a serem abordados, tanto de interesse mais geral, como sobre assuntos diretamente ligados ao clube. Já que não posso citá-los nominalmente em minhas crônicas, até por falta de espaço, resolvi adotar a estratégia de minha neta e debitar à conta de Dona Nena as observações, sugestões e conselhos recebidos.

Assim, torno-a co-partícipe de nossas preocupações atuais, que se agigantam a ponto de incluir a própria sobrevivência do planeta, ameaçado por nosso descaso pela natureza. E isto não é mera imaginação, nem é uma questão a ser solucionada apenas pelas autoridades. É um problema real a ser enfrentado de imediato por todos aqueles que esperam que seus filhos e netos continuem a comemorar a primavera, e que exige ações individuais efetivas para reverter os danos ao meio-ambiente e as situações climáticas calamitosas que se avizinham.

Dona Nena me alerta de que nossa responsabilidade é pessoal e que não há mais tempo a ser perdido com críticas e reclamações. Se amarmos realmente nossos filhos, há que agir imediatamente, passar a reciclar todos os materiais descartáveis que utilizamos, ensinar nossas crianças a economizar água e energia não renovável, plantar árvores, enfim, procurar conhecer com urgência todas as demais formas de conservação da natureza.

A bem da verdade, devo confessar que minha conselheira não é exatamente uma personagem imaginária e sim uma dona de casa ipiranguista nascida na década de vinte e falecida no final dos anos oitenta. Quando criança, eu adorava ouvi-la falar das histórias que ela vivera ou ouvira de sua mãe, dos lampiões de gás e máquinas a vapor, dos veículos com tração animal, da liberdade que as crianças tinham para brincar nas ruas de terra batida e de outras histórias do final do século dezenove e começo do século passado, antes que a pressa tecnológica agilizasse o massacre do planeta.

Trago essas lembranças à guisa de apresentação de uma alma pura e interessada nos destinos do bairro, do qual o CAY é um dos ícones, sem pretender dar-lhe maior cunho nostálgico. Promovendo-a a conselheira de meus escritos, pretendo homenagear todas as mulheres, especialmente as nossas associadas, heroínas de um cotidiano bem mais complexo do que aquele em que viveu Dona Nena.

* Publ. in Revista do Ypiranga, jul/set/2008, pág.5.

*Atualizada em maio de 2010, foi publ. também no Jornal Gazeta do Ipiranga, em 21/05/2010, pág. A-10, sob título "Amiga Imaginária".

Fórum Literário

Nos últimos anos tenho escrito um incontável número de crônicas, poesias, contos, artigos e ensaios, publicados ou não, sobre os mais variados temas que dizem respeito à experiência humana. O Blog pretende agora apresentá-los paulatinamente aos internautas, não somente como um entretenimento literário ou um reforço cultural, mas visando uma troca de idéias e experiências, informações e conhecimentos.

Questões ambientais e sociais, condicionamentos bio-psico-culturais e sofrimentos do cotidiano como discriminação, violência, miséria, inveja, ressentimento, culpa, exclusão, medo – entre tantas outras – dizem respeito a todos e a cada um de nós, queiramos ou não, portanto, alguns desses temas serão lançados ao blog por meio de crônicas, poesias ou outras formas literárias, à guisa de provocação ao debate, às sugestões e opiniões dos leitores.

O Fórum literário está aberto a todos, sem distinções de quaisquer espécies. Sejam muito bem vindos.

A que vem


Durante anos alimentei o sonho de fundar uma Casa de Estudos Transdisciplinares, onde o conhecimento fosse semeado com ética e transparência, mas principalmente sem dogmatismos ou preconceitos de qualquer espécie, um plantio cuja colheita dependeria da livre consciência e do livre pensar de cada um. Seu nome seria Elêusis*, simbolizando a sacralização dessa semeadura cultural.

As vicissitudes do cotidiano se encarregaram de me levar por outros caminhos e o sonho ficou decantando para aflorar novamente agora, ancorado numa nova realidade: a Internet. Meu blog se oferece como a Casa cujas portas se abrem ao diálogo sobre temas cujo aprofundamento possa trazer maior sentido e dignidade à experiência humana.

Acheguem-se e fiquem à vontade. A casa é sua.


*Antiga cidade grega, próxima a Atenas, Elêusis, com o significado de O Lugar da Feliz Chegada, tornou-se célebre em virtude dos rituais secretos – Os Mistérios eleusinos - ali realizados em honra a Demeter, deusa-mãe a quem se atribuía a proteção da agricultura e da fertilidade, numa celebração dos ciclos da vida, nos quais se incluem a própria morte e o renascimento.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Histórico de Suzete Carvalho

H I S T Ó R I C O

Sempre acreditei no diálogo, embora muitas vezes tenha me sentido, literalmente, amordaçada ou deparado com ouvidos moucos, nas andanças do cotidiano. Andanças que me conduziram por caminhos diversos, ora alegres, ora dolorosos, ora iluminados, ora obscuros, tanto quanto os de meus amigos e de meus desafetos, que os tive também, assim como você, que agora convido a navegar comigo por esses meandros.

Carrego no sangue um cuidado pelo outro seja ele quem for, uma certa paixão na busca de soluções para o sofrimento humano, mas minhas inquietudes vão além. Abrangem a experiência humana como um todo - do cotidiano ao Cosmos, das dores da alma aos prazeres da vida, do relacionamento conosco mesmos, com o outro e com o divino em nós aos clamores sociais e ecológicos –, preocupações que, de certa forma, deixei decantando enquanto lutava pela sobrevivência.

Bicho-de-livro que sempre fui, já aos dez anos devorava informações aleatoriamente, à falta de orientação intelectual. Um episódio dessa época ficou na minha memória: passando uns dias em casa de minha tia, descobri um nicho glorioso atrás da estante, que me permitia sentar ‘comodamente’ encostada na parede, com um livro (‘dos adultos’) sobre o joelho. Certo dia, envolvida com Jean Paul Sartre, esqueci a proibição de invadir a estante de ‘gente grande’ e me acheguei à escada que levava ao segundo andar do sobrado, gritando a plenos pulmões: “Madrinha, o que é pros-ti-tu-ta?”. A resposta veio rápida: - “Menina, pelo Amor de Deus, o que você está lendo desta vez? Dá já isso aqui”.

A partir daí passei a ter um livro “bem bobo” de plantão e quando alguém se aproximava, por via das dúvidas eu sentava em cima do livro que acreditava proibido, às vezes até mesmo um clássico, e voltava a ler o livro “próprio” para minha idade. Isso me levou a cultivar, até hoje, o interesse por diversas leituras simultâneas, principalmente de assuntos que à primeira vista soam antagônicos. Descobrir relações entre temas aparentemente diversos tem me levado a insigths inefáveis.

Feliz ou infelizmente, também comecei a trabalhar muito cedo. Dos onze aos dezessete anos de idade, a par de ajudar (muito) nos afazeres domésticos e cuidar (pouco) de minha irmã mais nova, colaborava (pouquíssimo) com o orçamento familiar fazendo manicure para as amigas e vizinhas, alfabetizando adultos à noite, vendendo roupas e bijuterias nos fins de semana e preparando crianças para o exame de Admissão ao Ginásio, entre outras agendas. – “Dá p’ra me incluir na sua agenda, filhinha?”, meu pai perguntava quando precisava de alguma coisa. Talvez por isso até hoje eu tenha “mania de agenda”. Nesse ínterim, cursei o ginásio e a Escola Normal (atual Magistério).

Também casei cedo – aos dezoito anos, com João Baptista Carvalho, o grande companheiro que me atura há mais de meio século -, e o sonho de cursar uma Faculdade ficou transferido para onze anos mais tarde. Quando estava terminando o curso de Direito, engravidei de minha única filha, Daniela, nascida dezesseis anos após o casamento. Formada, parei o mundo por dois anos para gozar das delícias da maternidade, entre esculturas com massinha, histórias infantis, alguma produção poética e filosofia Yoga.

Catorze anos mais tarde tive uma experiência interior durante uma meditação, que eu chamaria de ‘expansão de consciência’, que mudou a minha vida e que um dia ainda encontrarei coragem para descrever. Logo após pedi aposentadoria no serviço público, onde havia lutado pela Classe, inclusive como Presidente da Associação dos Servidores da Justiça do Trabalho e Redatora do Jornal O Meirinho em Roteiro e somente então tive oportunidade de me envolver realmente com a vida acadêmica (embora seja avessa ao academicismo), quando cursei Especialização em Filosofia e Teoria Geral do Direito e Mestrado em Direito do Trabalho na USP.

Desde então, lecionei Legislação Social e Direito do Trabalho em várias Faculdades de Administração e Direito, fiz Conferências e defendi teses em inúmeros Congressos e Seminários de Direito do Trabalho e de Servidores Públicos, publiquei artigos em suplementos, jornais de classe e de Congressos e em revistas técnicas, dentre as quais a Revista LTr; a Justitia, do Ministério Público de São Paulo; a Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; a IGT, do Instituto Goiano de Direito do Trabalho e a Synthesis do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com a qual colaborei durante vinte anos.

Algumas dessas publicações me granjearam citações em Dissertações e Teses de pós-graduação ou mesmo em notas de rodapé e indicações bibliográficas de livros e de cursos de Direito, como o Curso de Direito de Trabalho da Fadusp cujas indicações de leitura integro com a Dissertação de Mestrado A Interpretação Jurídica e as perspectivas do Direito do Trabalho.

Paralelamente, freqüentei vários cursos, palestras, oficinas e seminários sobre filosofia, psicologia e religiões orientais que fizeram desabrochar minha vocação espiritual inata. Viajei então à Índia, onde tive oportunidade de praticar meditação no Ashram Shri Aurobindo. De volta ao Brasil, ministrei vários cursos de Introdução às Práticas Meditativas, a maioria dos quais num Centro Acadêmico e Filosófico, cuja equipe multidisciplinar de Professores integrei por mais de uma década.

A Teoria da Complexidade, a Metafísica Budista e até alguns princípios da Física Quântica vieram equacionar minhas inquietudes bio-psico-sociais e espirituais, no reconhecimento de que todas as coisas, seres e saberes estão interconectados. Simultaneamente, exercitei a arte do diálogo proferindo palestras seguidas de debates em associações de classe, faculdades, clubes, hospitais, escolas de polícia militar e civil e outras escolas técnicas, organizações não governamentais, repartições públicas e grupos religiosos de várias cidades, bem como em sedes regionais de entidades nacionais e internacionais, como por exemplo o Rotary Club do Ipiranga e a loja AMORC da Lapa, sempre sobre temas relacionados com as dores que a alma sente ou abordando possibilidades para a superação do sofrimento humano.

Paralelamente transformei os roteiros de algumas dessas palestras e as experiências delas advindas em Ensaios que foram publicados pela Revista Thot - da Editora Palas Athena, cujo Conselho Editorial integrei durante alguns anos -, sob os seguintes títulos, pela ordem: Educação em Direitos Humanos e Cidadania; Consciência Linear e Relações Humanas; Mahatma Gandhi e a Polícia Militar do Estado de São Paulo; Submissão, A Arte de Pensar; Violência e Cidadania: Um Diálogo Impossível;, Ressentimento; Preconceito: Uma Arma Mortífera; Por que Gandhi Hoje? e Inveja. (Revistas nºs 66, 68, 70, 72 e 75 a 80, respectivamente).

Eventualmente, esse trabalho gerou interesse da mídia falada e escrita, o que me valeu entrevistas, reportagens e citações em artigos, publicados por revistas e jornais como a Revista Uma, a Planeta, a Bons Fluidos, A Tribuna de Santos, a Gazeta do Ipiranga, o Jornal Ypiranga News, dentre outras. Por outro lado, um dos trabalhos que mais preencheram meu coração ocorreu em 2002, quando tive oportunidade de idealizar e realizar o evento Atletas pela Paz, que mobilizou milhares de associados do Clube Atlético Ypiranga, principalmente jovens atletas que desfilaram pelas ruas do bairro com uma faixa ostentando a frase A Paz pede Passagem, acompanhados por batedores do DETRAN.

O evento foi aberto com um encontro ecumênico em que várias religiões se fizeram representar e se desenrolou durante todo o dia 1º de maio nas dependências do clube, sendo encerrado no deck da piscina com uma revoada de pombos. Com o apoio das Distritais da OAB e Associação Comercial, de empresários e artistas da Região, além da participação de Corais e de personalidades como a Monja Coen que conseguiu envolver o enorme público que lotava o Salão Nobre – inclusive centenas de crianças -, numa suave meditação, o acontecimento demonstrou a possibilidade do diálogo entre as gerações, a natureza, a arte, os esportes, as religiões, as culturas, reafirmando o inter-relacionamento entre tudo e todos.

O caráter voluntário do evento e a participação maciça dos associados, além da confecção, num único dia, de mil tsurus pela paz e da cobertura unânime da mídia da região, demonstram a sensibilização da sociedade pelo tema.A única razão que me move a inscrevê-lo e descrevê-lo aqui é o sonho de ver perpetuada a palavra PAZ nas bocas, nas mentes e nos corações de um número cada vez maior de pessoas. Entoá-la como um mantra talvez pudesse fazê-la atravessar a espessa aura dos locais onde se cultiva a violência, revertendo esse quadro desalentador.

Das poucas homenagens que recebi por essa atuação em frentes culturais, uma das que mais me emocionaram foi a aposição de meu nome, em 2008, na Biblioteca do Clube Atlético Ypiranga, espaço cultural cuja idealização e criação em 2002, após vários meses de trabalho intenso, inclusive com a arrecadação de 2.000 livros num único dia, me “renderam” uma parada cardíaca.

Divido essa homenagem com os generosos doadores, associados, diretores e funcionários do clube, em especial o saudoso Carlos Milincovis e sua esposa Sandra, a bibliotecária Tereza Guimarães, Adilson Cassiolato, Catão Montez, Eduardo Solsona da Silva, Zuza e sua equipe e outros, sem cuja colaboração esse sonho de cultura, como tantos outros, ainda estaria aprisionado em meu coração e minha mente. Ofereço-a como legado e incentivo a meus netos Rafael, Amanda e Melissa.

Enfim, pouco resta a dizer no momento. Claro está que o trabalho de uma vida não se esgota nesse elenco, mas o importante, eu espero, é que esta apresentação talvez possa servir para que nos conheçamos um pouco, eu e o leitor que se dispuser a enveredar por uma troca de idéias e ideais, já que lhe cabe o direito inalienável à interpretação dos textos, dando-lhes nova vida e eventualmente novos caminhos.

Atualmente, a par das leituras e da meditação, retomo amadurecida pelo tempo e pelo sofrimento as coisas simples do cotidiano, que me revelam sincronicidades e insights insuspeitados, seja em mera caminhada pelas redondezas ou numa brincadeira com os netos, e é principalmente nas poesias e crônicas que concretizo a inspiração. Por outro lado, cidadania, ética, educação, inclusão e meio-ambiente são algumas das questões que, sei pela experiência vivida, continuarão a me atormentar se não puder enfrentá-las da única maneira que conheço: ouvindo o outro, por suas falas e seus escritos, ou seja, dialogando, pesquisando e, por fim, escrevendo. Essa a razão do Blog.

Suzete Carvalho