terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Histórico de Suzete Carvalho

H I S T Ó R I C O

Sempre acreditei no diálogo, embora muitas vezes tenha me sentido, literalmente, amordaçada ou deparado com ouvidos moucos, nas andanças do cotidiano. Andanças que me conduziram por caminhos diversos, ora alegres, ora dolorosos, ora iluminados, ora obscuros, tanto quanto os de meus amigos e de meus desafetos, que os tive também, assim como você, que agora convido a navegar comigo por esses meandros.

Carrego no sangue um cuidado pelo outro seja ele quem for, uma certa paixão na busca de soluções para o sofrimento humano, mas minhas inquietudes vão além. Abrangem a experiência humana como um todo - do cotidiano ao Cosmos, das dores da alma aos prazeres da vida, do relacionamento conosco mesmos, com o outro e com o divino em nós aos clamores sociais e ecológicos –, preocupações que, de certa forma, deixei decantando enquanto lutava pela sobrevivência.

Bicho-de-livro que sempre fui, já aos dez anos devorava informações aleatoriamente, à falta de orientação intelectual. Um episódio dessa época ficou na minha memória: passando uns dias em casa de minha tia, descobri um nicho glorioso atrás da estante, que me permitia sentar ‘comodamente’ encostada na parede, com um livro (‘dos adultos’) sobre o joelho. Certo dia, envolvida com Jean Paul Sartre, esqueci a proibição de invadir a estante de ‘gente grande’ e me acheguei à escada que levava ao segundo andar do sobrado, gritando a plenos pulmões: “Madrinha, o que é pros-ti-tu-ta?”. A resposta veio rápida: - “Menina, pelo Amor de Deus, o que você está lendo desta vez? Dá já isso aqui”.

A partir daí passei a ter um livro “bem bobo” de plantão e quando alguém se aproximava, por via das dúvidas eu sentava em cima do livro que acreditava proibido, às vezes até mesmo um clássico, e voltava a ler o livro “próprio” para minha idade. Isso me levou a cultivar, até hoje, o interesse por diversas leituras simultâneas, principalmente de assuntos que à primeira vista soam antagônicos. Descobrir relações entre temas aparentemente diversos tem me levado a insigths inefáveis.

Feliz ou infelizmente, também comecei a trabalhar muito cedo. Dos onze aos dezessete anos de idade, a par de ajudar (muito) nos afazeres domésticos e cuidar (pouco) de minha irmã mais nova, colaborava (pouquíssimo) com o orçamento familiar fazendo manicure para as amigas e vizinhas, alfabetizando adultos à noite, vendendo roupas e bijuterias nos fins de semana e preparando crianças para o exame de Admissão ao Ginásio, entre outras agendas. – “Dá p’ra me incluir na sua agenda, filhinha?”, meu pai perguntava quando precisava de alguma coisa. Talvez por isso até hoje eu tenha “mania de agenda”. Nesse ínterim, cursei o ginásio e a Escola Normal (atual Magistério).

Também casei cedo – aos dezoito anos, com João Baptista Carvalho, o grande companheiro que me atura há mais de meio século -, e o sonho de cursar uma Faculdade ficou transferido para onze anos mais tarde. Quando estava terminando o curso de Direito, engravidei de minha única filha, Daniela, nascida dezesseis anos após o casamento. Formada, parei o mundo por dois anos para gozar das delícias da maternidade, entre esculturas com massinha, histórias infantis, alguma produção poética e filosofia Yoga.

Catorze anos mais tarde tive uma experiência interior durante uma meditação, que eu chamaria de ‘expansão de consciência’, que mudou a minha vida e que um dia ainda encontrarei coragem para descrever. Logo após pedi aposentadoria no serviço público, onde havia lutado pela Classe, inclusive como Presidente da Associação dos Servidores da Justiça do Trabalho e Redatora do Jornal O Meirinho em Roteiro e somente então tive oportunidade de me envolver realmente com a vida acadêmica (embora seja avessa ao academicismo), quando cursei Especialização em Filosofia e Teoria Geral do Direito e Mestrado em Direito do Trabalho na USP.

Desde então, lecionei Legislação Social e Direito do Trabalho em várias Faculdades de Administração e Direito, fiz Conferências e defendi teses em inúmeros Congressos e Seminários de Direito do Trabalho e de Servidores Públicos, publiquei artigos em suplementos, jornais de classe e de Congressos e em revistas técnicas, dentre as quais a Revista LTr; a Justitia, do Ministério Público de São Paulo; a Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; a IGT, do Instituto Goiano de Direito do Trabalho e a Synthesis do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com a qual colaborei durante vinte anos.

Algumas dessas publicações me granjearam citações em Dissertações e Teses de pós-graduação ou mesmo em notas de rodapé e indicações bibliográficas de livros e de cursos de Direito, como o Curso de Direito de Trabalho da Fadusp cujas indicações de leitura integro com a Dissertação de Mestrado A Interpretação Jurídica e as perspectivas do Direito do Trabalho.

Paralelamente, freqüentei vários cursos, palestras, oficinas e seminários sobre filosofia, psicologia e religiões orientais que fizeram desabrochar minha vocação espiritual inata. Viajei então à Índia, onde tive oportunidade de praticar meditação no Ashram Shri Aurobindo. De volta ao Brasil, ministrei vários cursos de Introdução às Práticas Meditativas, a maioria dos quais num Centro Acadêmico e Filosófico, cuja equipe multidisciplinar de Professores integrei por mais de uma década.

A Teoria da Complexidade, a Metafísica Budista e até alguns princípios da Física Quântica vieram equacionar minhas inquietudes bio-psico-sociais e espirituais, no reconhecimento de que todas as coisas, seres e saberes estão interconectados. Simultaneamente, exercitei a arte do diálogo proferindo palestras seguidas de debates em associações de classe, faculdades, clubes, hospitais, escolas de polícia militar e civil e outras escolas técnicas, organizações não governamentais, repartições públicas e grupos religiosos de várias cidades, bem como em sedes regionais de entidades nacionais e internacionais, como por exemplo o Rotary Club do Ipiranga e a loja AMORC da Lapa, sempre sobre temas relacionados com as dores que a alma sente ou abordando possibilidades para a superação do sofrimento humano.

Paralelamente transformei os roteiros de algumas dessas palestras e as experiências delas advindas em Ensaios que foram publicados pela Revista Thot - da Editora Palas Athena, cujo Conselho Editorial integrei durante alguns anos -, sob os seguintes títulos, pela ordem: Educação em Direitos Humanos e Cidadania; Consciência Linear e Relações Humanas; Mahatma Gandhi e a Polícia Militar do Estado de São Paulo; Submissão, A Arte de Pensar; Violência e Cidadania: Um Diálogo Impossível;, Ressentimento; Preconceito: Uma Arma Mortífera; Por que Gandhi Hoje? e Inveja. (Revistas nºs 66, 68, 70, 72 e 75 a 80, respectivamente).

Eventualmente, esse trabalho gerou interesse da mídia falada e escrita, o que me valeu entrevistas, reportagens e citações em artigos, publicados por revistas e jornais como a Revista Uma, a Planeta, a Bons Fluidos, A Tribuna de Santos, a Gazeta do Ipiranga, o Jornal Ypiranga News, dentre outras. Por outro lado, um dos trabalhos que mais preencheram meu coração ocorreu em 2002, quando tive oportunidade de idealizar e realizar o evento Atletas pela Paz, que mobilizou milhares de associados do Clube Atlético Ypiranga, principalmente jovens atletas que desfilaram pelas ruas do bairro com uma faixa ostentando a frase A Paz pede Passagem, acompanhados por batedores do DETRAN.

O evento foi aberto com um encontro ecumênico em que várias religiões se fizeram representar e se desenrolou durante todo o dia 1º de maio nas dependências do clube, sendo encerrado no deck da piscina com uma revoada de pombos. Com o apoio das Distritais da OAB e Associação Comercial, de empresários e artistas da Região, além da participação de Corais e de personalidades como a Monja Coen que conseguiu envolver o enorme público que lotava o Salão Nobre – inclusive centenas de crianças -, numa suave meditação, o acontecimento demonstrou a possibilidade do diálogo entre as gerações, a natureza, a arte, os esportes, as religiões, as culturas, reafirmando o inter-relacionamento entre tudo e todos.

O caráter voluntário do evento e a participação maciça dos associados, além da confecção, num único dia, de mil tsurus pela paz e da cobertura unânime da mídia da região, demonstram a sensibilização da sociedade pelo tema.A única razão que me move a inscrevê-lo e descrevê-lo aqui é o sonho de ver perpetuada a palavra PAZ nas bocas, nas mentes e nos corações de um número cada vez maior de pessoas. Entoá-la como um mantra talvez pudesse fazê-la atravessar a espessa aura dos locais onde se cultiva a violência, revertendo esse quadro desalentador.

Das poucas homenagens que recebi por essa atuação em frentes culturais, uma das que mais me emocionaram foi a aposição de meu nome, em 2008, na Biblioteca do Clube Atlético Ypiranga, espaço cultural cuja idealização e criação em 2002, após vários meses de trabalho intenso, inclusive com a arrecadação de 2.000 livros num único dia, me “renderam” uma parada cardíaca.

Divido essa homenagem com os generosos doadores, associados, diretores e funcionários do clube, em especial o saudoso Carlos Milincovis e sua esposa Sandra, a bibliotecária Tereza Guimarães, Adilson Cassiolato, Catão Montez, Eduardo Solsona da Silva, Zuza e sua equipe e outros, sem cuja colaboração esse sonho de cultura, como tantos outros, ainda estaria aprisionado em meu coração e minha mente. Ofereço-a como legado e incentivo a meus netos Rafael, Amanda e Melissa.

Enfim, pouco resta a dizer no momento. Claro está que o trabalho de uma vida não se esgota nesse elenco, mas o importante, eu espero, é que esta apresentação talvez possa servir para que nos conheçamos um pouco, eu e o leitor que se dispuser a enveredar por uma troca de idéias e ideais, já que lhe cabe o direito inalienável à interpretação dos textos, dando-lhes nova vida e eventualmente novos caminhos.

Atualmente, a par das leituras e da meditação, retomo amadurecida pelo tempo e pelo sofrimento as coisas simples do cotidiano, que me revelam sincronicidades e insights insuspeitados, seja em mera caminhada pelas redondezas ou numa brincadeira com os netos, e é principalmente nas poesias e crônicas que concretizo a inspiração. Por outro lado, cidadania, ética, educação, inclusão e meio-ambiente são algumas das questões que, sei pela experiência vivida, continuarão a me atormentar se não puder enfrentá-las da única maneira que conheço: ouvindo o outro, por suas falas e seus escritos, ou seja, dialogando, pesquisando e, por fim, escrevendo. Essa a razão do Blog.

Suzete Carvalho