domingo, 14 de dezembro de 2008

Dona Nena



Minha neta de cinco anos tem uma amiga imaginária. Quando percebe que estou muito ocupada para lhe dar atenção, informa do alto de sua sabedoria. – “Enquanto você acaba seu trabalho eu vou brincando com minha amiga, tá?”. Dia desses, notando que eu estava filosofando com meus botões, saiu-se com esta: - “Vó, você está falando com sua amiga secreta?”. – Encantada, respondi: “Estou sim, Amanda.” - “E como é o nome dela? “ - “Dona Nena”. – “Onde ela mora, vó?” – “No céu”. – “E onde ela morava antes?” “Aqui no Ipiranga, ora!” – “Ah, bom, então está explicado.”


Pois bem, alguns amigos e conhecidos da região eventualmente me procuram com sugestões de temas a serem abordados, tanto de interesse mais geral, como sobre assuntos diretamente ligados ao clube. Já que não posso citá-los nominalmente em minhas crônicas, até por falta de espaço, resolvi adotar a estratégia de minha neta e debitar à conta de Dona Nena as observações, sugestões e conselhos recebidos.

Assim, torno-a co-partícipe de nossas preocupações atuais, que se agigantam a ponto de incluir a própria sobrevivência do planeta, ameaçado por nosso descaso pela natureza. E isto não é mera imaginação, nem é uma questão a ser solucionada apenas pelas autoridades. É um problema real a ser enfrentado de imediato por todos aqueles que esperam que seus filhos e netos continuem a comemorar a primavera, e que exige ações individuais efetivas para reverter os danos ao meio-ambiente e as situações climáticas calamitosas que se avizinham.

Dona Nena me alerta de que nossa responsabilidade é pessoal e que não há mais tempo a ser perdido com críticas e reclamações. Se amarmos realmente nossos filhos, há que agir imediatamente, passar a reciclar todos os materiais descartáveis que utilizamos, ensinar nossas crianças a economizar água e energia não renovável, plantar árvores, enfim, procurar conhecer com urgência todas as demais formas de conservação da natureza.

A bem da verdade, devo confessar que minha conselheira não é exatamente uma personagem imaginária e sim uma dona de casa ipiranguista nascida na década de vinte e falecida no final dos anos oitenta. Quando criança, eu adorava ouvi-la falar das histórias que ela vivera ou ouvira de sua mãe, dos lampiões de gás e máquinas a vapor, dos veículos com tração animal, da liberdade que as crianças tinham para brincar nas ruas de terra batida e de outras histórias do final do século dezenove e começo do século passado, antes que a pressa tecnológica agilizasse o massacre do planeta.

Trago essas lembranças à guisa de apresentação de uma alma pura e interessada nos destinos do bairro, do qual o CAY é um dos ícones, sem pretender dar-lhe maior cunho nostálgico. Promovendo-a a conselheira de meus escritos, pretendo homenagear todas as mulheres, especialmente as nossas associadas, heroínas de um cotidiano bem mais complexo do que aquele em que viveu Dona Nena.

* Publ. in Revista do Ypiranga, jul/set/2008, pág.5.

*Atualizada em maio de 2010, foi publ. também no Jornal Gazeta do Ipiranga, em 21/05/2010, pág. A-10, sob título "Amiga Imaginária".

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