segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Não-violência

A Mídia, nossos amigos e familiares, nos bombardeiam diariamente com problemas relacionados à miséria crescente, ao abandono de menores, ao abuso sexual, à corrupção, à guerra, à discriminação, às drogas, o que se resume numa palavra que vocês conhecem melhor do que eu: VIOLÊNCIA! A toda hora assistimos, ouvimos, vemos e convivemos, pensamos e até sonhamos com violência, o que no caso da polícia chega ao limite do insuportável, sendo essa profissão considerada pelos especialistas como uma das mais estressantes do mundo.
Estamos tão impregnados de violência, tão prevenidos contra ela, que ao menor gesto do outro, revidamos com alguma forma de agressão, seja verbal, gestual ou física, e, assim, vamos contribuindo sem perceber, para aumentar numa proporção alarmante o conflito social.
Nossa proposta é inverter essa situação enquanto há tempo, desfraldando a bandeira da NÃO-VIOLÊNCIA. Se todos sabemos que violência gera violência, claro está que não-violência só pode gerar não-violência, porque desarma o adversário, que esperava uma reação agressiva.
Esta idéia, desenvolvida por Mahatma Gandhi, foi praticada por milhões de indianos na primeira metade do século, levando a Índia a conseguir libertar-se da violenta dominação inglesa sem pegar em armas. Vejam a força da não-violência.
Embora ele tenha morrido há mais de 50 anos, a proposta de Gandhi se torna atual, não apenas porque estamos atravessando uma crise, mas porque também estamos submetidos a uma espécie de dominação - tão assustadora quanto aquela -, a do poder econômico.
Para Gandhi, não-violência, que também pode ser entendida como paz ou mesmo amor no seu sentido mais elevado, é a tradução da expressão ahimsa que, literalmente, quer dizer “não-dano”, ou seja, não causar dano a nenhum ser vivente. Portanto, não é unicamente não matar, mas é também não causar sofrimento, nem alimentar pensamentos e palavras que aumentem os desejos de vingança, ódio ou inimizade, de que o mundo já está saturado.
Em suma, não ser violento não significa abandonar covardemente o posto ou o cumprimento do dever, mas agir na medida justa da necessidade, sem reagir a provocações irresponsáveis e sem usar de violência fútil, inútil e desnecessária.
A não-violência foi concebida por Gandhi como uma força mais ativa, mais efetiva e “infinitamente mais potente do que as armas inventadas pelo homem”, porque não gera, como estas, um círculo vicioso de medo, ódio e ressentimento.
Sempre que agimos de forma agressiva,, mais cedo ou mais tarde, temos enfrentar as consequências de nosso ato. Portanto, não valeria a pena ser violento, nem que fosse tão-somente por puro egoísmo. Um momento de reflexão antes de agir, pode literalmente transformar nossas vidas, mas essa capacidade só se adquire com a prática diária, que deve começar nas situações mais simples, para que se torne um hábito.
Estamos tão condicionados a reagir instantaneamente a pretensas provocações e a agir impensadamente, sem considerar os sentimentos e as emoções do outro, que esquecemos a importância dos pequenos gestos de atenção.
Nos sentimos injustiçados, sem perceber a nossa participação na injustiça generalizada. Participação é palavra-chave e tem que ser assumida com responsabilidade. Queiramos ou não, direta ou indiretamente, participamos desse caos globalizado, seja por omissão, seja por extrapolar nossa função, nossa competência, enfim, nossa missão.
Fazer apenas nossa parte, reconhecendo que cada um de nós tem direitos e obrigações, sentimentos bons e ruins, enfim, limites e qualidades que devem ser respeitados, é contribuir para uma sociedade mais harmônica e justa.
Não basta reconhecer que todos temos um lado negativo, se o colocarmos para fora de forma agressiva. Temos que aprender a transformar essa energia, usando-a positivamente, na construção de um futuro mais digno e menos sofrido para nossas crianças e, porque não, para usufruir uma velhice mais saudável e tranqüila, entre pessoas que não nos desprezem por nosso passado violento.
Ser justo é reconhecer no outro um ser humano que sofre e erra, como nós, e que, muitas vezes, por não ter tido acesso a um emprego ou à instrução, por não ter recebido afeto ou orientação familiar, ou até mesmo por falta de alimentação e ambiente adequados ao desenvolvimento inteligente e responsável da personalidade, torna-se desajustado.
Devo lembrar ainda uma vez que, praticar a não-violência não significa “bancar o bobo”, deixar de cumprir o dever ou fugir acovardado, mas, ao contrário, é demonstrar grandeza e humanidade, usando, quando necessário, nossa autoridade responsável e não um autoritarismo pernicioso.
Portanto, participar é dar de si para uma sociedade mais justa, não é retribuir na mesma moeda contra adversários que não tiveram as mesmas oportunidades que nós, mas ter a coragem e a grandiosidade de possibilitar-lhes agora, dentro de nossa competência, uma chance de reabilitação e de dignidade.

*Edição de palestra ministrada em 1988, para a Polícia Militar.

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