sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Olhar

Sempre fui muito sensível ao olhar, como se esse sentido tivesse o condão de desnudar quem olha, revelando suas mais secretas emoções, sentimentos, paixões e compaixões. Às vezes me constranjo ao detectar um olhar perscrutador que avalia despudoradamente a pessoa observada, mesmo que a vítima não seja eu.

Apaixonado, encantador, fingido, assustado, irado, perplexo, envergonhado, pecaminoso ou prepotente, o fato é que, ao menos num primeiro momento, o olhar não consegue dissimular as mais íntimas intenções do observador, razão pela qual acredito poder afirmar que nós somos o olhar, às vezes divino (iluminado), às vezes demoníaco.

Reveladores, os olhos propõem relações pessoais de amor ou de ódio, de medo e suspeição, de autoridade e de submissão, de desejo e rejeição, de prazer e desprazer. Em suma, de inclusão e exclusão. Daí que olhar é poder, é controle. Poder de sedução, de encantamento, de proteção, mas também de dominação, de vigilância, de terror.

Os olhos são nossas lentes bio-psicológicas de contato com a realidade e se não forem corretamente prescritas pela ética e ajustadas pelo meio-ambiente, tanto nos podem cegar quanto nos tornar estrábicos e desviar nosso foco de atenção para os pontos fracos de nossos semelhantes.

Esse é um dos sentidos possíveis para o tema adotado para um livro ainda inédito – O Olhar da Caprichosa -, expressão que retirei dos interessantes estudos de Marilena Chauí sobre esse assunto. E foi por sua importância que a usei para intitular esse meu Ensaio Transdisciplinar, que aborda Inveja, Preconceito e fenômenos afins como culpa e ressentimento.

Não por outras razões falo a respeito neste blog, que mais não é que uma tentativa de olhar o mundo com olhos de ver e desnudá-lo aos leitores numa perspectiva poético-literária que busca interação com os leitores.

Mas não se pode esquecer que ética e discernimento se impõem, inclusive ao olhar. Olhar o outro com ética significa deixá-lo revelar-se por si mesmo, na medida de suas necessidades e de seu desejo, sem julgá-lo; olhar o mundo com discernimento requer que nos despojemos, no mínimo dos preconceitos e outros condicionamentos culturais que se sobrepõem à nossa compreensão da realidade.

Talvez por isso Nilton Bonder, em sua Cabala da Inveja tenha dedicado todo um item ao tema, sob o titulo Sabendo Enxergar, onde propõe que procuremos enxergar em função de nós mesmos, para somente então enxergar os outros em relação a nós. Segundo o rabino, a ira dificulta nossa capacidade de ver e respirar, por isso nossos olhos se contraem e nossas narinas se expandem, como se necessitássemos do ar para poder enxergar de maneira mais clara.

Mas não são somente a ira e o preconceito que se interpõem entre o que vê e o que é visto. Sentimentos dolorosos como a culpa e o ressentimento, o despeito e a indiferença, entre tantas outras doenças que atacam nossa alma, deturpam nossa visão psico-física e conseqüentemente nossa postura ante o mundo, retirando-lhe a graça e o encantamento.

Detectar essas dores, investigar suas motivações, reconhecer-nos como seres complexos e ambivalentes, porém, dotados de uma excepcional capacidade para a resiliência, ou dito de outra forma, de uma grandiosa potencialidade para a superação, é um trabalho difícil, mas altamente compensador, porque desfaz medos e equívocos, qualificando os relacionamentos.

Variados são os caminhos que podem levar ao reencantamento do mundo, mas a meu ver a busca do auto-conhecimento é o mais eficiente. Quem conhece a si próprio, suas fraquezas e grandezas, seus defeitos e qualidades, passa a ver o outro, seja ele quem for, com mais brandura e compaixão, sem expectativas e cobranças.

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