sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Viagem ao Planeta Azul

Há pouco mais de seis décadas, Sued Providentia, um Grande Agente de Viagens, estava oferecendo um interessante pacote turístico, denominado “Viagem à Dimensão do Tempo”. A primeira parte da tournée sairia de graça, inclusive dando direito a compras “no cartão de crédito” e a dois dedicados guias, familiarizados com a língua local.

As vagas para a nave que nos transportaria já estavam quase esgotadas, devido ao interesse despertado pela excepcional possibilidade de serem visitados os cinco continentes do Planeta Azul, em condições especiais, já que estaríamos dispensados do pagamento da parcela inicial (entrada) e até mesmo de levar bagagem.

Entusiasmada, tratei logo de fazer minha reserva. O embarque foi muito animado, uma verdadeira corrida para encontrar o lugar mais propício, mas a falta de gravidade no interior da nave foi um tanto assustadora, parecendo que estávamos dentro de enormes bolhas d’água. A chegada não deixou de ser triunfal, embora o túnel que ligava a nave ao salão de recepção fosse escuro e escorregadio. O contraste com as luzes feéricas do salão chocou minhas vistas sensíveis que se retraíram durante um longo período.

Calorosamente recebida, porém, fui superando paulatinamente o trauma inicial e o pasmo causado pelo gigantismo e poder dos guias, especialmente a partir do momento em que percebi que havia incontáveis outros viajantes do meu próprio tamanho, que confiavam plenamente em seus respectivos guias e aproveitavam a viagem sem qualquer preocupação.

Marinheira de primeira viagem, tratei de acumular bagagem, comprando tudo que me ofereciam, atenta a cada novidade desse continente encantado em que passeei durante cerca de treze anos, nos quais aprendi mais sobre o Planeta Azul do que durante todo o restante da excursão.

Empolgada com tanto conhecimento novo, senti-me dona de meu próprio nariz quando aportamos no segundo continente. Decidida a libertar-me dos guias, que insistiam em direcionar a viagem, rebelei-me e passei a elaborar minha própria programação, incursionando por lugares que não constavam dos “opcionais” oferecidos pela Agência, apesar de haver sido alertada dos riscos que correm os turistas em terras estranhas.

Incólume, graças aos cuidados paternais do Sr. Providentia, Agente experiente que tudo previa, acabei embarcando sem maiores problemas para o terceiro continente, onde comecei a perceber que teria que me desfazer de parte da bagagem acumulada, pois essa etapa da viagem seria muito cansativa.

A azáfama foi tanta, que mal me apercebi de que já transcorrera mais da metade da excursão, quando finalmente resolvi despachar grande parte do conteúdo da bagagem que já começava a pesar sobre meus ombros, diretamente para a nave que me transportaria de volta ao lar quando a viagem chegasse ao fim.

Como que num piscar de olhos, cheguei ao quarto continente sentindo-me realizada com a experiência adquirida, mas um tanto frustrada com as oportunidades perdidas. Uma certa nostalgia começou a tomar conta de mim, mas galhardamente eu a relegava ao ostracismo, insistindo em manter o mesmo ritmo de aventuras que dominava a primeira metade da viagem. Quase meio século de insuspeitadas novidades se haviam escoado rapidamente.

Mas a sabedoria do Grande Agente tudo previra e a surpresa final ainda me estava reservada no último estágio. Sob o manto da tranqüilidade, o quinto continente me ofereceu a oportunidade ímpar de doar a novos guias parte dos conhecimentos adquiridos. Animar meus companheiros de viagem, já cansados pelo esforço despendido, foi outra forma de amortizar prazerosamente a dívida contraída.

Mas meu interesse pelo Planeta continua tão intenso quanto no início da viagem, especialmente pela diversidade de seus habitantes, sua coragem, criatividade, alegria e beleza.O desamor de alguns já não me desanima, pois sei, por experiência própria, que o Sr. Providentia está atento para fazer deste, um Planeta digno de ser visitado. Sei que a excursão não tardará a terminar e – honestamente – já sinto uma certa saudade do antigo lar que me espera acolhedor.

Mas valeu a pena e estou certa de que a viagem de volta será menos assustadora, portanto, não nos entristeçamos com despedidas precoces - o Natal se aproxima e ainda há tempo para presentear. Quando a missão estiver totalmente cumprida, só restará comemorar e aguardar a chegada da nave, mas enquanto o prazo do contrato não se esgotar de todo, participarei alegremente da programação oficial de espera, até porque ainda há muito a fazer e conhecer neste continente.

Quanto aos preparativos para o embarque, não há com que nos preocuparmos, pois Sued sempre providencia antecipadamente a presença de experientes guias para orientar os viajantes quando chega a hora do retorno.

Publ. in Revista do Ypiranga nº 123, pág.5.


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