quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Nas tramas da rede

Termino o ano com uma sensação de lirismo, nostalgia, impotência contra as tramas do tempo ou, como diz Regina de Brito: Nas tramas da rede, expressão usada para intitular seu comovente Projeto Experimental do Curso de Jornalismo, publicado em 2000, mas que somente agora, por uma dessas “coincidências” (tramas da vida?), caiu-me às mãos.

Conheço Regina há anos, desses encontros festivos comuns nas famílias atuais, que se desdobram em várias, com alas que crescem paralelamente, mas sempre voltam a se re(unir), enriquecidas de rebentos e agregados. O que quero dizer é que somos... quase ‘parentes por afinidade’, digamos assim. Aniversários e Natais, abraços, comes e bebes, gentilezas recíprocas, ‘gracinhas’ das crianças, troca de presentes... e o tempo se faz curto para outras trocas, a dos sonhos mais profundos, ideais compartilhados (ou não).

O encontro real se dá num novo “acaso”, quando eu vasculhava a estante de livros de minha irmã - bicho de livro que sou - enquanto ela preparava seu indefectível café. – “Regina Brito não é a irmã do Guto?”, grito em direção à cozinha. – “É”. – “Então esse livro é de autoria dela?”. – “É uma monografia de fim de curso”. – “Posso levar? Devolvo assim que acabar de ler”. – “Claro!”.

Grata surpresa: a despretensiosa monografia é uma preciosidade, que resgata a saga dos caiçaras de São Sebastião ante a alienada devastação da Mata Atlântica, da fauna marinha costeira e das tradições centenárias de toda uma comunidade pesqueira, encalacrada pelo mais cruel dos predadores: o poder econômico.

Deslizando na fluidez e lirismo da narração, me apercebo, de repente, envolvida na reflexão de profundas questões político-sociológicas e ambientais, olhos ameaçando lavar meu rosto e minha alma, a memória a chorar minhas próprias perdas, as do bairro histórico onde sempre vivi, as deste país abençoado e desmemoriado e pelas perdas mais dramáticas porque envolvem toda a humanidade, as de Gaia - a dadivosa Mãe Natureza, destronada pela ganância e pela estupidez humana.

Obrigada Regina. Seu trabalho, deveria ser de leitura obrigatória às novas gerações.



quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Antevéspera

Antevéspera de Natal, espírito renovado por tantos votos de Paz e Amor, abro a home page da Uol para ficar a par das últimas notícias e meu coração se aperta de comoção ante o relato de um dos mais violentos, escabrosos, insanos crimes contra a humanidade, cometidos em apenas um dia (28/09/2009), na Guiné, antiga colônia francesa na costa oeste da África.

O relatório, recém encaminhado à ONU, descreve pormenorizadamente a barbárie perpetrada pela polícia local contra milhares de manifestantes reunidos em um estádio e que teria sido “orquestrada” pelo chefe de Estado para “intimidar a oposição”, fazendo o maior número possível de vítimas. Indefesas, mulheres e crianças foram submetidas a sevícias inimagináveis, enquanto os homens eram brutalmente assassinados sem qualquer possibilidade de fuga, pois uma unidade dos “boinas vermelhas” (a guarda presidencial), havia bloqueado previamente as saídas com arame farpado eletrificado.

Resta à ONU, criada após a 2ª Guerra Mundial exatamente para coibir holocaustos, levar os responsáveis a um Tribunal Internacional, que tentará “fazer justiça”. Resta aos líderes da Comunidade Internacional construir mecanismos de ação preventiva e Educação para a Paz, no sentido da erradicação de toda forma de tortura e terror da face da Terra. Resta à mídia cumprir sua missão maior de porta-voz da cidadania para tod@s, sem curvar-se a interesses plítico-econômicos.

Resta-nos, a nós, consumistas de plantão nestas Festas da Cristandade, fazer a nossa parte, denunciando, criticando, educando e alertando, a par de rogar à Misericórdia Divina que se compadeça da insensatez humana e não permita que, jamais, o medo, a alienação ou a indiferença tomem conta de nossas mentes e de nossos corações e nos calem diante das indignidades.

Por um Ano Novo mais digno para todos os homens, mulheres e crianças, de todas as cores e credos, de todas as raças, etnias e nacionalidades.



sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

NÓS PODEMOS

A expressão símbolo “We can” da campanha de Barak Obama para a Presidência da nação mais rica do planeta, parece realmente ter ou conferir poder. Não por acaso, tem sido adotada por algumas personalidades cujo trabalho, de alguma forma, está em evidência.

O uso de jargões célebres é uma tática bastante justificável, a meu ver, quando visa a qualificação da vida das pessoas em geral ou de grupos “ditos” minoritários – como idos@s, afrodescentes, servidor@s públic@s, etc. -, embora eu seja, em princípio, avessa a bordões e ditados populares que geralmente são eivados de preconceitos ou concepções retrógradas.

Assim é que, ontem, tive o prazer de ouvir o discurso de agradecimento pronunciado pela Dra. Thaís Helena Costa aos e às associadas que a reelegeram com expressiva votação, para compor o Conselho Deliberativo da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP) - a maior entidade de classe das Américas, com mais de 230.000 sóci@s -, de cuja Mesa Diretora ocupa atualmente o cargo de vice-presidente.

Seu tema de fundo foi, exatamente, a ideia do “nós podemos”, voltada à promoção da classe d@s servidor@s públic@s, no sentido de transcender (ainda mais) as usuais ofertas de lazer próprias das entidades associativas, oferecendo-lhes maior acesso à educação e cultura em geral e mais amplas possibilidades de qualificação profissional, a par da defesa de suas reivindicações funcionais.

Mais votada entre tod@s @s candidat@s ao cargo de conselheir@, o fato é que Dra. Thaís foi seguida de perto por várias outras mulheres lutadoras, em geral advogadas ou professoras, que merecem referência (e reverência) e que, para não alongar a crônica, citarei apenas pelos prenomes: Magaly, Regina, Vera Lúcia, Elza, Edna, Márcia e Ester.

Esperamos que seus esforços, somados aos das (proporcionalmente poucas ainda) demais mulheres que já integram o Conselho, por trazer maior equanimidade às decisões, revertam em benefício de tod@s. De parabéns o Conselho, a Associação e @s Servidor@s Públic@s do Estado.

Coerente com o título escolhido para a crônica, resta-me ainda deixar registrado também o fato prazeroso que vivenciei na véspera (dia 16), ao conhecer Dª Neuza, a vovó blogueira de 79 anos de idade, cujo mote é “se eu posso, outras pessoas também podem”. Sua disposição, conhecimentos e o trabalho que desenvolve em prol da cultura, nos fazem repensar nossa postura acomodada. Parabéns, Neuza, se você pode, nós podemos.




quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A Aura Azul de Rudolf

Peço perdão aos leitores pelo intervalo prolongado. O cansaço e uma pequena cirurgia me tiraram (literalmente) do ar nos últimos tempos, mas volto revigorada para re-encetar nosso diálogo, esperando que a recíproca seja verdadeira.

Após uma rápida tentativa de descansar no Guarujá (vide postagens de 20 de novembro, intituladas “Consciência Negra” e Princesa da Orla II), voltei ao lar e me entreguei (antes da alta médica) ao “garimpo” de mais informações sobre os assuntos relacionados às minhas próximas co-participações em Coletâneas de Ensaios, uma sobre os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e outra sobre “Consumismo”.

Por “sorte”, um compromisso anteriormente assumido com amig@s, me levou a passar mais uns dias fora da cidade, agora na “deliciosa” Campos do Jordão, onde a riquíssima flora da Mantiqueira propiciou o relaxamento necessário à recuperação total de minha vista. Ao verde inebriante que recobre a montanha, acresça-se a profusão de hortênsias azul-violeta e folhas de araucária nas mais variadas tonalidades que dadivosamente se oferecem ao olhar, entre outras inefáveis belezas.

Não bastasse o esplendor da Natureza e a alegria do contato diuturno com pessoas queridas - Clara, Paulo, Dione, Valdir e João Baptista, meu "companheiro estelar" para usar a expressão de Eugênia Pickina que sempre enriquece o blog com seus comentários - tive mais uma grata surpresa: a visão da “aura” de Rudolf, um pré-adolescente dono de um par dos mais belos, profundos, compassivos e inteligentes olhos azuis que já conheci.

Sorridente, gentil e “antenado”, Rudolf – que poderia ser meu bisneto! - é daquelas crianças que têm o dom de nos devolver a confiança no futuro. Trocamos ideias e endereços (e.mail, orkut e blog – que ele também os tem) e nos comprometemos a manter contato. Vou desafiá-lo a postar um comentário nesta matéria, do alto de seus onze anos de idade. Aguardemos.

A propósito, aguardarei também que algum(a) leitor(a), apiedado dos compromissos literários que assumi, nos brinde com sua experiência, oferecendo “dicas” (sempre bem-vindas) e sugestões de leitura e de contato, especialmente sobre o trabalho infantil, seja doméstico ou rural e outras formas de exploração de crianças e adolescentes – esse o tema específico sobre o próximo Ensaio – para que possamos contribuir para que um dia o brilho dos olhos de Rudolf se reflita em incontáveis outros olhos infantis, sejam verdes, azuis, castanhos ou negros.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Justiça, Autoridade, Poder e Liberdade

Termos abstratos e relativos como as palavras-chave do tema ora proposto – justiça/autoridade/poder/liberdade -, são potencialmente vagos e ambíguos, pois se situam num campo de contornos imprecisos, ou seja, cada um pode dar-lhes a extensão ou o sentido que melhor preencham seus propósitos. Portanto, o que lhes confere significação é o uso que delas fizermos.
Da ancestral Lei de Talião até os dias de hoje, o conceito de justiça, por exemplo, viajou no tempo e no espaço, assumindo as mais variadas conotações, ao sabor das ideologias predominantes ou do contexto sócio-político e filosófico-cultural, configurando um controvertido quadro no decurso da história.

Aristóteles, para quem o conhecimento pelo conhecimento não fazia sentido, preocupava-se com as “excelências” ou princípios éticos (arethe), dentre as quais incluía a justiça, que todos temos em potência, a ser transformada em “ato” na busca da felicidade. Essa a razão teórica ou contemplação intelectual, vista pelo filósofo como uma virtude dialética que se caracteriza como “justo meio” (a dourada mediania ascendente), libertação dos extremos (carência e excesso).

Já na função racional da alma humana que se expressa como razão prática, Aristóteles apresenta a prudentia , no sentido de discernimento, como a grande excelência ética, ao passo que a expressão teórica se dá pela via da Sabedoria. Para o jus-filósofo Michel Villey “o homem prudente é aquele que age dentro do ‘justo meio’ usando de uma visão crítica”.

O enfoque de que as partes não são iguais e que fazer justiça é tratar desigualmente os desiguais é uma leitura moderna da concepção de Aristóteles, para quem a equidade tem a função de corrigir lacunas, sendo o equitativo e o justo, a mesma coisa, porém o equitativo “é ainda melhor, pois mesmo sendo justo não é o justo legal, mas uma retificação da justiça legal”.

Essa concepção transcende a conotação de igualdade concebida pelos contratualistas do século XIX que, lastreados nos pressupostos individualistas da Revolução Francesa, alimentaram a utopia da igualdade entre as partes, que teve graves consequências sociais, relegando as minorias ao ostracismo e à hipossuficiência.

Nas palavras de Roberto A.R.de Aguiar, “nos tempos de hoje os oprimidos começam a desconfiar dessa justiça” que lhes aparece como um engodo, pois vende a imagem de uma neutralidade que não existe, baseada numa igualdade que também não existe, mas que respalda o exercício do poder e legitima a dominação.

Aqui, o que emerge como “irmã da justiça” é a segurança, em nome da qual os detentores do poder cometem arbitrariedades, onde tudo é possível. Na verdade o mundo se pauta num grande jogo de poder, exercido sempre por grupos minoritários (em termos numéricos), a quem cabe a possibilidade de escolha e de cobrança, a tomada de decisões e o controle.

Ora, é certo que sempre haverá maior distribuição de justiça quanto maior for a possibilidade de participação das maiorias (numericamente) dominadas, hoje vistas como “minorias” numa flagrante inversão de valores tanto dos macro-poderes (governantes) como pelos micro-poderes (por exemplo os pais de família), característicos das sociedades patriarcais.

Em nível internacional, a questão também emerge, na verdadeira exploração e opressão que os países ditos desenvolvidos exercem sobre seus “primos pobres”, num eterno colonialismo hoje rebatizado de globalização, em evidente violência simbólica: “se não fizerem o que mandamos, cortaremos o auxílio econômico, etc.)”.
Esse recurso autoritário é utilizado também nas relações familiares em que os detentores do poder cultural e econômico ameaçam e castigam, às vezes violentamente, sob a desculpa da “proteção”, mulheres e crianças indefesas.

O que confere legitimidade a esse Poder-Autoridade é a aceitação dessas famílias ou nações pelos “subalternos”, aqueles que se curvam à “Lei do Peixe”. Organização, liderança, disciplina, justificativas, estratégias, táticas (dentre as quais, a meu ver, a violência simbólica), são os “recursos” que compreendem a “família do poder”, para usar a expressão do escritor Charles Merrian.

As relações de poder envolvem questões de extrema complexidade como direito, justiça, força, dominação, violência, autoridade, hegemonia, no mínimo, e se “estamos condenados a ser livres” (Sartre), há que exercitarmos nosso espírito crítico para nos capacitarmos ao exercício da liberdade, lembrando que “o conceito de liberdade pressupõe a existência de alternativas” como diz Eduardo Gianetti da Fonseca .

A propósito, Rollo May nos dá um parâmetro para a sutileza desse termo, ao situar a liberdade no exato instante que medeia o estímulo e a resposta. Esse o momento do livre arbítrio, em que eu “me-dito” com discernimento a resposta a ser apresentada a mim mesma e ao outro, que não será uma reação, mas sim uma ação respaldada tão-somente por minha ética interior, minha liberdade ontológica.

*Resumo de palestra ministrada em curso sobre Introdução ao Pensamento Filosófico, em SP, em 19/11/96.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Consciência Negra

Aproveitando o feriado prolongado que o Dia da Consciência Negra proporciona aos brasileiros, achego-me ao Guarujá como outras milhares de pessoas, em busca de um contato com a natureza e um pouco de relax dos afazeres cotidianos, embora carregue comigo permanentemente um, digamos assim, “certo alerta” para as questões sociais, pois ninguém consegue fugir daquilo que é.
Restaurantes para todos os gostos (e todos os bolsos) são mais um agradável apelo à quebra da rotina e optamos por um self service pelas várias possibilidades gastronômicas que oferece, mas também por ainda dispor de algumas mesas vazias, apesar de, à primeira vista, parecer lotado.
Antes mesmo de nos acomodarmos, um rápido relance pelo ambiente, nos traz a triste constatação: à exceção de um único jovem afro-descendente, a população negra da cidade não se fazia representar no restaurante. Pergunto a meu marido: “Onde estão os negros, nesse dia que lhes é dedicado?”. “Ali”, responde ele, apontando para duas belas jovens de uniforme, “servindo”!
Em sua sensibilidade, meu companheiro já havia notado, pela manhã, que na praia os únicos negros (in)visíveis eram os ambulantes e alguns meninos a serviço dos barraqueiros. Voltando a pé, pelo calçadão, pudemos notar também alguns “guardadores” de carros e uma jovem mulher que, cercada por várias crianças, trocava um bebê, sem maior proteção, sobre um dos frios bancos de cimento. Todos afro-descendentes.
Essa, infelizmente, a realidade social que (ainda) se nos apresenta em toda parte, muito especialmente em localidades turísticas, não obstante, seja dito a bem da verdade, uma legislação igualitária e políticas públicas voltadas à inclusão social, que jamais serão suficientes se não houver, da parte de toda a sociedade, um real envolvimento com essa questão dolorosa, que apresenta meandros histórico-sociológicos, culturais e econômicos a serem transpostos.
Como lembra minha conselheira, Dª Nena, trazer à efetiva participação, em direitos e deveres, mas acima de tudo, em oportunidades, cada uma das pessoas que compõem a população brasileira, independente de seu sexo (ou opções sexuais), sua raça, origem, idade ou quaisquer outras condições específicas, deve ser um compromisso inalienável de todos os seres humanos que têm o privilégio de habitar esta Terra abençoada.

Princesa da Orla II

Antes de ontem, quarta-feira (18/11), tive o prazer de participar das comemorações de aniversário da sede da Delegacia Regional (Santos) da Associação dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP), que congrega servidor@s de toda a Baixada Paulista.
Com mais de duzentos mil associad@s em todo o Estado, a AFPESP conta dentre el@s com figuras das mais expressivas em todos os níveis de governo, inclusive, para nossa alegria, com a digna Prefeita da minha/nossa linda Guarujá, a princesinha da Orla. (cf. postagem de 19/09, sob o título Princesa da Orla I).
Munícipe que sou, de longa data, gostaria de tornar pública minha disposição de me aliar aos demais meios de comunicação, colocando o blog à disposição da Prefeitura, seus cidadãos e cidadãs, para divulgar projetos e assuntos de interesse da cidade, cuja fama transcende os limites do Estado (e do próprio país), por suas incontestes atrações, da riqueza imobiliária às inefáveis belezas naturais.
Há muitos anos, em visita a Palmas de Maiorca, ouvi de uma comerciante local uma frase marcante: - “O que você está fazendo aqui, se tem à mão, praias lindíssimas como as de Guarujá? Aquela cidade é uma princesa de que os brasileiros devem se orgulhar”. Informei-a que, de fato, nos orgulhamos desta Terra abençoada e que nossas eventuais viagens mundo afora visam nada mais que agregar (e trocar) experiências e conhecimentos culturais que nos enriquecem a todos.
Acredito que a maior reverência que podemos prestar à nossa Princesa é colocar essa vivência à disposição de seu engrandecimento, fazendo a nossa parte para o aprimoramento das relações sociais, vale dizer, da vida e da cidadania. O fato é que, a par das questões “normais” de Administração, como Educação, Saúde, Infra-estrutura e Segurança (no mínimo), como todo ponto de alta atração turística, a cidade se vê às voltas com problemas advindos das “ondulações” populacionais.
Estar atentos às maiores necessidades sócio-ambientais que essa mobilidade desencadeia, cuidando para que se mantenha uma relação equilibrada ser humano-natureza, que comporta cuidados especiais como economia de água e luz, limpeza e reciclagem, respeito às diferenças e às disposições legais, são algumas atitudes cidadãs que reverterão em benefício de todos e de cada um.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Há pouco mais de...

Não escolho temas para escrevinhar: eles me escolhem e tramam formas e fórmulas para me envolver, do sonho à sincronicidade, do insight ao fato concreto que instiga à atitude, à indignação, ao grito, com o beneplácito de minha conselheira, Dª Nena, sempre pronta a me “chamar às falas”.

Assim, ontem acordei com a expressão-título (Há pouco mais de...), a me apoquentar enquanto tentava decifrá-la, até que, logo ao abrir o Jornal Folha de S.Paulo (sempre começo pela leitura do Caderno Mais) e deparar com o artigo Mulheres Marcadas, de Eva Blay, entendi a “mensagem cifrada”.

Sim, há pouco mais de meio século o nazismo torturava, violentava e matava milhões de seres humanos sob o olhar impassível das grandes potências e a cooperação de nações “cordiais” que lhes alimentavam prisões e fornos com “Olgas” e “Sabos” insubmissas; há pouco mais de um século, vivíamos (cordialmente?) sob a égide legal da escravatura.

Cordialidade esquecida também, há muito menos tempo, pois, há pouco mais de três décadas, censura e tortura faziam parte de nosso cotidiano e as mulheres casadas eram consideradas semi-capazes para os atos da vida civil, ao lado dos índios e dos “loucos de todo gênero”, e qualquer “cordialidade” de sua parte era considerada suspeita.

É pouco? Pois bem, há pouco mais de uma semana, uma jovem foi assediada, ofendida e quase estuprada por centenas de colegas, sob os auspícios de uma Universidade que “cordialmente” perpetrou à luz da madrugada, sua expulsão do ‘sagrado campus androcêntrico’, pelo crime de usar um vestido curto, que conspurcava a inocência (e os hormônios) de alun@s cordiais, sob os aplausos de parte da platéia alienada.

Sim, há pouco mais de cinco minutos, creiam-me, alguma mulher indefesa foi agredida ou violentada mundo afora, por seus próprios companheiros e parentes; há pouco mais de dez segundos alguma lágrima rolou disfarçada entre burcas, véus ou simples lenços de chita.

Como os meus, neste momento, centenas de milhares de olhos azuis, verdes, negros ou castanhos, de homens, mulheres e crianças, estão marejados pelo sofrimento e impotência ante a violência gratuita, a miséria degradante e o preconceito excludente a que são submetidos pela cegueira prepotente, alienada ou indiferente de privilegiados que se acreditam dignos seres humanos.






DEVER DE GRATIDÃO II

Graças à competência do cirurgião César Lípener e equipe do Hospital Santa Cruz; à Homeopatia da Dra. Lia Romano; aos Reikis, vibrações e orações de amigas especiais como Patrícia Bertolin (que se desdobrou em cuidados), Eugênia Pickina e Aline de Freitas, companheiras de trabalho na Coletânea Mulher – Um Diálogo Iinterdisciplinar (no prelo); ao apoio cromoterápico de Silvia Fávero, querida amiga há décadas, que tem um “pacto” com os Anjos (cf. link ao lado).


Graças ainda aos e.mails animadores de Maristela Ajalla e Catarina Moraes, jornalistas “irmãs” com quem tive o prazer de trabalhar nos últimos anos; aos telefonemas de Clara Schwartz e Darcy de Oliveira, amigas de infância sempre presentes nos momentos de alegria e tristeza e de meus sempre atentos sobrinho Agni Borragini Jr. e primo Marco Aurélio Cattony.


Graças, enfim (ou em princípio) ao paciente e amoroso monitoramento de João Baptista, meu companheiro de todas as horas e à “torcida” de toda a família, capitaneada por minha filha Daniela, bem como de “super amigas” como Thais Helena Costa, entre outr@s, volto a ver o mundo em todo seu esplendor colorido.


Essas as bênçãos que o Divino contrapõe ao desgaste do corpo, esse o poder do Amor que nos torna a tod@s instrumentos de cura e superação em busca da possível felicidade neste nosso insipiente caminhar pela dimensão do tempo.


Namastê.

sábado, 14 de novembro de 2009

Dver de Gratidão

Em geral, todos nós conhecemos os nossos direitos, seja de ir-e-vir, votar, expressar nossa indignação, receber salário justo como contraprestação de nosso trabalho, ter acesso à saúde e à justiça, não ser discriminados, ter privacidade, amigos, lazer, enfim, de viver nossa própria vida com liberdade e dignidade.

Também conhecemos, verdade seja dita, muitos de nossos deveres, como o de cumprir a lei, pagar nossos impostos, proteger nossos filhos e, nos últimos tempos, até encampamos nossos deveres para com a Natureza, que se ressente da exploração milenar. Também é verdade, sejamos honestos, que em geral nos esquecemos de alguns deveres éticos para com aqueles com quem convivemos.

O fato é que, embasados em nosso recém adquirido “direito de crítica”, focamos, em geral, os eventuais erros e omissões dos outros, especialmente de pessoas que se doam generosamente a trabalhos voluntários, como é o caso daquelas que tomam a si a responsabilidade de gerir organizações não governamentais, em benefício de alguma das tantas comunidades que compõem a sociedade.

Clubes desportivos, associações de classe, instituições beneficentes e educacionais são alguns desses núcleos em que as pessoas se reúnem (ou deveriam reunir-se) em torno de um ideal comum – o bem de toda a comunidade. Feliz ou infelizmente – reflexos que somos da sociedade como um todo – apenas alguns dos componentes dessas “famílias” se dispõem ao difícil trabalho de organizar e manter a Casa em funcionamento, entregando-se de corpo e alma a equacionar interesses e divergências.

Como em toda democracia que se preza, o olhar crítico dos cidadãos – “vigilantes de plantão” que somos todos – busca acentuar aquilo que não foi feito ou que o foi, a nosso ver, de maneira incompleta. Em suma, nosso mote é um velho e conhecido ditado: “Hay gobierno, soy contra”. Mas nosso trânsito pela cidadania e plena liberdade de expressão é recente e, na ânsia de recuperar o tempo perdido, embaralhamos direitos e deveres, privilegiando a crítica em detrimento da participação e da gratidão.

Passam-nos despercebidos os intrincados meandros políticos que envolvem a realização dos projetos de toda gestão, vale dizer, não vemos a complexa rede de pessoas e de áreas a serem equacionadas, em seus diferentes e tantas vezes divergentes interesses e modos de ser e compreender as questões. Esquecidos de uma dos mais elementares deveres éticos – o Dever de Gratidão -, projetamos naqueles que fazem, tudo aquilo que faríamos “melhor”, ainda que nada façamos.

*Publ. in Revista do Ypiranga nº 148, set/nov/2009, pág. 5.

**Coerente com a proposta da crônica, cumpro o grato dever de agradecer de público a carinhosa homenagem que me foi prestada nessa mesma edição, pela Redação da Revista e Diretoria Administrativa do Clube Atlético Ypiranga.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Poder da mini-saia

Quando eu cursava a Faculdade, as mulheres eram proibidas de adentrar o “sagrado recinto” do Fórum trajando calças compridas, consideradas inapropriadas e incompatíveis com a “posição da mulher”, vale dizer, valia o ditado “Cada macaco no seu galho”, ou seja, calças eram vistas como coisa de “homem”. Aliás, nas camadas menos cultas da sociedade, era comum ver os homens se vangloriarem: “Lá em casa, quem usa calças sou EU”.
Na moda, imperavam Mary Quant (inventora da mini-saia) e as revolucionárias hippies, com suas magníficas batas coloridas cujo comprimento equivaleria hoje a um mini-vestido e que eram usadas sobre imensas saias indianas (um tanto deselegantes para as doutoras) ou sobre calças compridas, mais práticas, porque não lhes tolhia a liberdade de movimentos.
Nossas maravilhosas mulheres advogadas, com o inefável “jogo de cintura” que Deus lhes deu como mecanismo de defesa às violências do patriarcado, usando de inteligência e savoir-faire, não tiveram dúvidas: passaram a dirigir-se ao Fórum de batas e calças compridas. Em lá chegando, retiravam as calças e entravam tranquilamente com seus micro-vestidos para as audiências.
Rapidamente suas excelências revogaram a proibição do uso de calças para as mulheres, em nome da “moral”. O fato é que, acostumados à excessiva formalidade e pompa que valorizavam a função jurisdicional, “balançaram” diante da circunstância de as mulheres (com ou sem calças compridas) se terem “alçado” a uma posição de “igualdade” num espaço até então total e absolutamente sob o domínio masculino.
Claro que não me refiro à posição na Magistratura, àquela altura ainda inimaginável para a “condição feminina”, cujos hormônios tornavam-na “incapaz de um julgamento justo e equilibrado”, como ouvi de um desembargador (mui) amigo. Com garra, perseverança, dedicação profunda ao estudo e a paciência de quem sabe que o dia da colheita sempre chega, as mulheres foram se achegando e abrindo seu próprio espaço num campo minado, pronto a implodí-las a qualquer deslize. Hoje, embora ainda sejamos poucas representantes na maioria dos Tribunais, chegamos ao Supremo Tribunal Federal.
De alguma forma, embora jamais tenha exercido a advocacia, fui beneficiada com o “direito ao uso de calças compridas” sem necessidade de apelar ao mesmo estratagema, porquanto, funcionária à época de um Gabinete do Tribunal de Contas - cujo “Chefe” (que Deus o tenha) era fiel ao modelo Superior do patriarcado -, nos “privilegiou” com a mesma deferência concedida às doutoras da ativa e, assim, fui brindada com o direito de adentrar minha própria sala de trabalho usando trajes mais cômodos, antes prerrogativa exclusivamente masculina.
Hoje, passadas várias décadas, a situação se inverte e as calças compridas voltam a ser o traje mais apropriado às mulheres pela (falsa) moral, enquanto os hormônios masculinos são exacerbados em relação à decantada racionalidade dos homens. Mas a corda ainda arrebenta do lado (considerado) mais fraco.

domingo, 8 de novembro de 2009

Fundamentalistas Pífios da Moral

Tomada pela indignação, custei a encontrar um título para esta crônica. Entre outros, pensei em “O AFEGANISTÃO É AQUI”, “ESTRATÉGIA SIMPLÓRIA”, “VERGONHA”, “IMORAL É A EXPULSÃO”, “JUSTIÇA MEDIEVAL” ou, como lembra Hélio Schwartzman no artigo “Culpar a Vítima: essa foi a estratégia”, DEFAECATIO MAXIMA.[1]
A opção pelo título é uma referência ao excelente artigo[2] do filósofo esloveno Slavoj Zizek, escrito há praticamente uma década, mas sempre atual e no qual o autor contrapõe o fundamentalismo autêntico ao fundamentalismo de uma maioria moral que evidencia a hipocrisia dos puritanos, o jogo invejoso com que temos sido impregnad@s pela cultura, que faz com que projetemos agressivamente sobre tod@s aquel@s que ousam ser diferentes (pecador@s), nosso incomensurável e reprimido desejo de assumir as nossas próprias (pecaminosas) diferenças..
A esta altura da crônica, acredito que tod@s @s leitor@s já tenham identificado o tema: a expulsão da Universidade, de uma aluna que foi vítima de hostilização injuriosa de colegas, por estar usando um traje considerado muito curto pela “maioria moral”. Na dúvida, pro stereothypo! E viva a justiça dos homens e (pasmem!) de algumas mulheres vestibulandas, fadadas a cumprir o papel que o androcentrismo lhes reservou. Santa (ou invejosa) ingenuidade. Esperamos que jamais tenham acesso ao poder.
Enfim, instigados por auto-intitulados educadores e juristas, vigilantes de plantão da pífia moral, os dirigentes da Universidade tomaram a atitude mais conveniente à manutenção do status quo androcêntrico: a vítima é mulher? Expulsemo-la. A propósito, cabe lembrar o depoimento em vídeo, logo após o incidente (com direito a chamada na home da uol), do já famoso Içami Tiba que, como sempre, lembrou a importância dos hormônios masculinos, afetados pela “provocação” feminina.
A grande “pérola” do ilustre psiquiatra, desta vez, foi uma comparação desastrosa, mais ou menos nos seguintes termos: “O que aconteceria se nós fôssemos sem roupa a um Shopping Center?” (!!!). A seguir, percebendo o absurdo da proposição, tentou consertar: “Claro que não é a mesma coisa, mas antes de sair de casa as mulheres devem observar suas roupas e ver se estão “adequadas” ao ambiente, para não serem provocadoras”.
Para completar meu desconsolo, ao levar a questão a debate esta tarde em uma reunião, ouvi de alguns dos homens e mulheres presentes, de várias idades, frases do tipo: “Estão certos, mulher e filha minha não sairiam de saia tão curta” , “Ela estava querendo”, “É complicado, não sei não” ou, usando da mesma “lógica” acima citada: “Eu não vou à Igreja de mini-saia” (!).
É, a coragem daquele que ‘se assume como realmente é’, é um pecado imperdoável ao olhar d@ invejos@, vale dizer, da maioria moral, pois, como lembra Zizek “o fundamentalista da Maioria Moral é sempre assaltado pela atitude ambígua de horror e inveja em relação aos indizíveis prazeres a que se entregam os pecadores” ... “fundamentalistas autênticos não invejam os diferentes prazeres de seus vizinhos”.
Assim é que, premida pela moral, a transgressão aos preceitos incutidos pela tradição patriarcal se nos apresenta como inconcebível e, dessa forma, perdemos a oportunidade de nos individualizar. Sem coragem de enfrentar “nosso desejo de pecar”, somos lançados à vala comum da Maioria Moral que se deixa corroer pela inveja.


[1] Folha de SPaulo, domingo, 8/11/09,Especial C1.
[2] Budismo Ocidental? Não, Obrigado.In Folha de S.Paulo,Caderno Mais, 03/12/2000.

domingo, 1 de novembro de 2009

DEVER DE GRATIDÃO - I

Fazendo uma pesquisa na Internet, deparei com uma das entrevistas que concedi logo após a contrução do Blog e que foi publicada na Revista do Ypiranga Nº 146, fev/abril/09, pág.7.

Considerando que acabo de encaminhar à Revista, que é editada pelo Clube Atlético Ypiranga e com a qual venho colaborando há vários anos, uma Crônica intitulada Dever de Gratidão, na qual abordo a gratidão de forma abrangente, sem citar nomes, ocorreu-me agradecer de público à Jornalista Catarina Moraes, ao então estagiário de jornalismo Guilherme Giuntini, bem como ao diagramador José B.Lopes de Moraes pelo interesse e empenho em divulgar meu trabalho.

Assim, e por acreditar que a Revista retratou com bastante fidelidade os objetivos do Blog, posto abaixo seu inteiro teor.

Suzete Carvalho no Universo On-line


Do passado ao presente, da máquina de escrever direto
para o computador, é com essas características que a advogada
e escritora Suzete Carvalho, além de publicar seus artigos,
contos, crônicas, ensaios e poemas em revistas e jornais,
abre mais um espaço, agora no mundo on-line para apresentar
seus escritos: o blog www.novaeleusis.blogspot.com
Apaixonada por livros desde criança, a nova blogueira
acredita que a Internet jamais poderá substituí-los como
fonte concreta de cultura, porém, quando se trata de textos
menos longos, a Internet traz uma nova magia à leitura,
que é a possibilidade do diálogo direto com o leitor,
a troca de idéias que enriquece o texto.
Assim, Suzete criou o blog não somente para divulgar
seu trabalho literário, mas visando principalmente
a possibilidade de manter um diálogo permanente com
os leitores sobre temas abrangentes da cultura e da experiência
humana, que vão dos problemas do dia-a-dia –
relações humanas, meio-ambiente, cidadania - a assuntos
filosóficos mais complexos que, de alguma forma dizem
respeito a todos e a cada um de nós.
Por isso, incentiva a todos que visitam seu blog a
deixar comentários, críticas, sugestões e depoimentos
sobre suas próprias vivências a respeito dos temas desenvolvidos,
ou mesmo propostas de novos assuntos de
interesse geral.
Parcerias também são bem-vindas, pois o objetivo
final desse trabalho é ir construindo dentro do blog um
verdadeiro espaço comunitário sócio-cultural e educativo,
voltado a questionar e buscar soluções tanto para
nossas angústias interiores (dores da alma) como para
problemas comunitários.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Relação ambivalente

Travo com as palavras uma relação de intimidade ambivalente, quase...pecaminosa. Eu as provoco e elas me desafiam. Sirvo-as em bandeja de prata para que sejam devoradas por quem a elas tiverem acesso, elas me expõem em praça pública em toda nudez de meus pensamentos. Fustigo-as durante o dia para que cumpram sua missão, atormentam-me noite adentro para que cumpra a minha. Inverto-as e subverto-as e elas se recompõem à minha revelia. Quando creio estar no comando, percebo-me à sua mercê. Escondem-se quando mais delas necessito para reaparecerem, debochadas, em momentos inoportunos. Pretendem-se poderosas porque as realço em toda a força de seus significados. Pretendem-me frágil porque se acreditam a ultima ratio de minha sobrevivência mental.
Lineares, desconhecem as dimensões da Consciência. Não obstante, eu as venero, descendentes que são do próprio Verbo Divino.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Clamores

Arcanos me acompanham noite adentro
ensejando sonhos proféticos
rimas me acompanham noite adentro
ensejando sonhos culturais
clamores me acompanham noite adentro
ensejando sonhos frenéticos
com personagens sofridos, esqueléticos,
a dispensar rimas e tarôs herméticos
projetos de fuga patéticos
a se arvorar em pleno epicentro
de escabrosas questões universais.

domingo, 25 de outubro de 2009

Por que?

Repetida mantricamente, qualquer asneira se transforma em verdade, ainda que dita em tom de blague. Assim se comportam os alienados e os políticos de má-fé. Dessa forma se perpetuam os estereótipos e, consequentemente as exclusões sociais.

Ah, homo-sapiens-demens, quanto sofrimento gratuito!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Diferentes e complementares

Dentre as questões existenciais que venho trabalhando há anos, talvez a mais arraigada no ser humano seja a do Preconceito, legado cultural do patriarcalismo que se revela, queiramos ou não, das mais simples atitudes e palavras do cotidiano à lógica de discursos que se pretendem, exatamente... antidiscriminatórios.

Nem mesmo conceituados cientistas, artistas e escritores escapam das armadilhas mentais que o preconceito nos arma, geralmente revelado em atos falhos ou nas entrelinhas de seus escritos, às vezes contidos inadvertidamente em livros e artigos que se pretendem... pedagógicos.

Assim, por exemplo, hoje leio na home da Uol, a seguinte “chamada”: O que fazer em casos de preconceito contra homossexuais na escola, que remete ao artigo intitulado Preconceito homossexual, de autoria do psiquiatra e escritor Içami Tida, constante da página Uol Educação.

No artigo, o autor discorre sobre hormônios e educação, informando que os preconceitos são assimilados pelas crianças, devido à cultura machista e “ensina”: “As mulheres são diferentes e complementares, mas não são inferiores aos homens”. (sic/grifei).

Pergunto: Teria o educador (cf. currículo) pretendido dizer que os seres humanos são diferentes e complementares entre si e, portanto, não há falar em hierarquia entre eles? Sujeito ao imprinting cultural que nos macula a todos, teria o Dr. Içami revelado inconscientemente seu próprio machismo?

Enfim, o autor de Quem ama, Educa (entre outras mais de duas dezenas de livros), conclui o artigo com o seguinte conselho: “Cabe a todos nós, professores, pais, educadores e cidadãos em geral preparar pessoas mais saudáveis, livres de preconceitos, não importa quais sejam”.

Com o devido respeito à experiência, conhecimentos técnicos e renome do ilustre psiquiatra, eu diria que cabe a cada um(a) de nós, nós prepararmos para que sejamos realmente pessoas mais saudáveis interior e exteriormente, vigiando nossos próprios preconceitos para que possamos – com transparência – servir de espelho às gerações mais jovens.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Loucura ou (in)coerência?

Talvez as águas do rio Léthe – que me perdõe Mnemosina, por quem (e por cujas filhas) tenho um dever de gratidão –, a par da conhecida característica de induzir ao esquecimento aqueles que inadvertidamente as ingerem, contivessem também alguma propriedade alucinógena e, ao atravessá-lo, tenhamos tod@s sido fatalmente afetad@s pela droga.


Conta-nos Platão na sua indefectível República (Mito de Er ou da Reminiscência) que, no reino dos mortos, permite-se à alma escolher o modo de vida que pretende viver ao reencarnar e nos informa que aqueles que pretendem viver uma vida de poder (lato senso), ingerem uma grande quantidade de água durante a “travessia”.


Ora, sabido que o poder enlouquece e que o poder absoluto “enlouquece absolutamente” como diz Morin; sabido mais que a imaginação não deixa de ser uma espécie de “loucura”; sabido, enfim, que a história humana não passa de uma Grande Insanidade – haja vista a barbárie (surtos generalizados?) que a domina ciclicamente -, quiçá estejamos tod@s vivendo um grande “sonho coletivo”.


Por outro lado, se como diz Platão, as almas daqueles que optaram por viver uma vida de sabedoria quase não bebem daquelas águas e, portanto, podem lembrar-se das ideias que contemplaram (Alethéia), estariam os homens e mulheres de saber, menos sujeitos ao efeito da droga - e, portanto, em plena lucidez -, nos alertando para a ilusão (Maya) da matéria ou para o Grande Vazio (wu wei) que a tudo con-forma?


Teriam generosamente essas almas puras optado por "atravessar o rio" para nos ajudar (qual Bodhisatvas) a escapar desta “viagem” sem rumo e encontrar o caminho de volta? Se o espaço-tempo é convencional e relativo, qual a dimensão a que pertencemos ou que nos pertence realmente?


Àquel@s cuja lógica inspira um sorriso condescendente a esse pensar "irracional", proponho a teoria mais “coerente” de nossa tradição: a ideia de um Pai vingativo que, a uma desobediência de seu único casal de filhos, expulsa-os implacavelmente de Casa, condenando-os e a todos os seus descendentes a viver per ominia seculum no sofrimento (parindo na dor e obtendo alimento com o suor de seus rostos), sob os olhares atentos de Satanás e seu séquito demoníaco.

domingo, 18 de outubro de 2009

Silo da memória

Palavras pródigas

qual leite materno

a brotar do

seio do tempo

história secreta

do silo da memória

do eterno.

O Caminhar

Todo caminho nada mais é do que um caminho, cabendo-nos a decisão de nele prosseguir ou abandoná-lo, quantas vezes necessário for. Importante, como alerta Carlos Castañeda, é decidir sem medo ou ambição e, se a opção for trilhá-lo, verificar se ele possui um coração.
Cada novo insight é uma etapa vencida que – embora todas se interliguem - representa um novo nível de consciência e liberdade (uma nova e mais apurada percepção da realidade) a ser compreendido e trabalhado enquanto durar a jornada.
Como regra, traçamos uma meta a ser alcançada a qualquer custo, sem nos atermos à importância de cada passo, à beleza das flores que enfeitam a estrada (Olhai os lírios do campo), suavizando o caminhar às necessidades dos companheiros, cujas dificuldades foram ou serão, provavelmente, as nossas em outro momento do percurso.
Literalmente, desembestamos, escorregando aqui e ali, e nos ferindo e sofrendo, na tentativa de derrubar os demais peregrinos, numa competitividade desenfreada e enceguecida por algo de cuja falta de sentido só nos conscientizaremos tarde demais.
Estar atento ao caminhar, aspirar o indefectível aroma das flores, sentir cada momento como se fosse o único, compadecer-se do outro-seja-ele-quem for, é a postura do sábio, que faz seu caminho ao andar, conduz seu auto-traçado destino suavemente e esculpe a vida até torná-la uma obra prima.

*Trecho do cap.5 (Insight ou emergência espiritual?), do meu (ainda inédito) Micro-Ensaio sobre a Consciência.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Incesto

Inspiração insolente

persistente envolvente

s’insinua em minha cama

do sonho fugir m’obriga

do sono sair m’instiga

sonambulando obedeço

a perguntar se mereço

parir produtos do incesto.

Acordo sob protesto.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Maioria (i)moral

O filósofo esloveno Slavoj Zizek opõe o fundamentalismo autêntico ao que chama de “fundamentalistas pífios da Maioria Moral”, tomando como instrumento de distinção a inveja como pecado capital: “...o fundamentalista da Maioria Moral é sempre assaltado pela atitude ambígua de horror e inveja em relação aos indizíveis prazeres a que se entregam os pecadores” ... “fundamentalistas autênticos não invejam os diferentes prazeres de seus vizinhos”.[1]


Suas palavras evidenciam a hipocrisia dos puritanos, o jogo invejoso com que temos sido impregnados pela cultura, que faz com que projetemos agressivamente sobre todos aqueles que ousam ser diferentes (pecadores), nosso incomensurável e reprimido desejo de assumir as nossas próprias (pecaminosas) diferenças. A coragem daquele que ‘se assume como realmente é’, é um pecado imperdoável ao olhar do invejoso, vale dizer, da maioria (moral).


Assim é que, premida pela moral, a transgressão aos preceitos incutidos pela tradição patriarcal se nos apresenta como inconcebível e, dessa forma, perdemos a oportunidade de nos individualizar. Sem coragem para enfrentar nosso ‘desejo de pecar’, somos lançados à vala comum da Maioria Moral que se deixa corroer pela inveja.


Vale a pena lembrar que pecado, do latim peccatu, tem o sentido original de transgressão de um preceito religioso, violação da vontade de Deus. Etimologicamente, como ensina Geraldino Alves Ferreira Netto, pecar significa “dar um passo em falso”, de onde se teria originado a expressão “cair em pecado”.


Com o tempo, a Igreja ampliou o espectro pecaminoso, agregando as transgressões contra os homens e, principalmente, contra o próprio corpo, sacralizando o sexo – elegido como o grande tabu – sob o manto da intocabilidade, o que revelaria uma certa fixação pelos problemas carnais.


As pessoas essencialmente invejosas não conseguem se dar o direito ao prazer, privando-se de experiências felizes, e priorizando a crítica e a hostilidade em relação aos outros e a autocomiseração em relação a si próprias. Mas o problema se agrava quando a hipocrisia se instala e os prazeres são exercidos subrepticiamente, pois o ‘gozo secreto’ escapa ao controle externo rompendo às vezes as fronteiras psicológicas, morais, sociais e até as legais.

*Trecho do sub-título 2 (Hipocrisia Social) do cap. VI (Fundamentalistas da maioria Moral), da Parte I (As Faces da Inveja - e questões correlatas) do livro O Olhar da Caprichosa (Em fase de revisão e atualização).

[1] “Budismo Ocidental? Não Obrigado”, Folha de S.Paulo, Caderno Mais, 03/12/2000.

domingo, 11 de outubro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Café Filosófico

Numa dessas agradáveis manhãs de domingo, em que trancamos o estresse em casa para desfrutar de um descontraído encontro com amigos e, literalmente, jogar conversa fora, eu e meu marido nos dirigimos ao clube sem maiores pretensões e acabamos nos deleitando com um autêntico café-filosófico.
Éramos quatro à mesa num blá-blá-blá ao sabor do vento, quando alguém, gentilmente, nos ofereceu um café. Meu marido prescindiu: - “Pra mim não, obrigado”, enquanto eu informava que o meu era puro mesmo, sem mais nada. “É que eu já sou doce, brinquei”. Por sua vez, nossos amigos expressaram suas opções: um com açúcar e outro com adoçante: “quatro gotinhas, por favor”.
Quatro cabeças quatro sentenças, filosofamos em uníssono. Na simples degustação de um café, uma cabal demonstração da diversidade. Nossos sentidos reagem aos estímulos de diferentes maneiras, nossas mentes apreendem a realidade de acordo com nossa capacidade (ou vontade) de ver e ouvir, nossos músculos são pouco ou muito aptos para as atividades físicas, mas todos temos alguma “saída” filosófica, ainda que alguns tendam mais às grandes elucubrações.
Cada qual com seus gostos, seus interesses, suas paixões, seus sonhos. Cada qual com seus defeitos e virtudes, dificuldades e potencialidades, todos temos algo a oferecer, ainda que seja tão somente um sorriso ou um cafezinho. É por nossas particularidades que nos enriquecemos mutuamente, essa a grande sacada.
Somos seres complexos – e um pouco complicados, verdade seja dita -, mas somos iguais na diferença e essa é a nossa humanidade, sejamos homens ou mulheres, cultos ou analfabetos, ricos ou pobres, brancos, negros ou amarelos.

Publicado in Revista do Ypiranga nº 146, fev/abril/2009, pág. 5

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Equilibristas

Equilibristas que somos todos nesta gigantesca esfera que rodopia vertiginosamente no espaço, na qual fomos lançados por algum poder imperscrutável, nossa única certeza é a morte. E, ‘santa ignorância’ ou descabida pretensão, nos acreditamos todo-poderosos sem sequer conhecermos a nós mesmos, sem saber de onde viemos ou para onde vamos, se é que vamos para algum lugar, se é que existe algum lugar, se é que realmente existimos. Aliás, talvez essa inconsistência seja um dos sentidos de Maya (a Grande Ilusão) dos ensinamentos hinduístas.
E, como mecanismo de fuga, tentamos nos assegurar de nosso ‘controle sobre o inexorável’, exercitando persistentemente nossa única inalienável certeza, a finitude. Nós nos matamos e matamos nossos companheiros da grande viagem cósmica que o existir nos proporciona, num afã sistemático de aniquilação de todos os seres e da própria Terra que (n)os abriga.
Com uma pertinácia que não aplicamos a qualquer outro mister, nos dedicamos diuturnamente a criticar, julgar, discriminar, invejar, odiar, humilhar, desprezar, subestimar, culpar e até a agredir fisicamente nossos parentes, vizinhos, amigos, colegas, conhecidos, empregados, patrões e governantes, utilizando todos os meios capazes de atingi-los.
Da maledicência à indiferença e desprezo, da grosseria prepotente ao sarcasmo, da violência simbólica à agressão explícita, nós os assassinamos lentamente, com requintada crueldade. Mas, convenhamos, somos equânimes. Com o mesmo empenho, nos devotamos à nossa própria destruição, lentamente.
Descuidamos de nosso corpo e de nossa alma, ingerindo gulosamente toda espécie de alimento, assim como engolimos, sem digerir, as ofensas e dissabores do dia-a-dia; nos deixamos agredir por pessoas, coisas e situações sem sentido, submetendo-nos aos flagelos físicos, mentais e psíquicos que nos auto-impomos ou que nos são impostos pela cultura, pela sociedade, pelo poder; envenenamos o ar que respiramos e nos deixamos prazerosamente intoxicar; renunciamos a nossos direitos e descumprimos nossos deveres.
Entregamo-nos docilmente aos caprichos da Fortuna e nos deixamos enredar nas malhas das paixões - entre elas o poder, a inveja e o ciúme -, em nome das quais cometemos desatinos, e nos culpamos, nos ressentimos, adoecemos e morremos, sem saber porque nascemos, vivemos e... morremos. Essa tem sido a nossa saga cotidiana, a saga da (falta de) consciência. Ausência de discernimento, essa a avidya de que nos falam os mestres hindus.
Nesse sentido, temos sido, todos – homens ou mulheres, jovens ou velhos, ricos ou pobres, eruditos ou analfabetos, brancos, pretos ou amarelos -, um tanto sadomasoquistas. Raríssimos artistas, sábios e santos têm sido exceções, quando não se recolhem à sua própria aura iluminada.
De alguns, recebemos legados valiosos, que em geral interpretamos literalmente, ignoramos, subestimamos ou mesmo repetimos por mero diletantismo, ‘como papagaios’. Quando não, procuramos algum ponto fraco para desqualificá-los como um todo, em vez de assimilar a sabedoria contida em muitos de seus ensinamentos, arrogância que nos leva a perder a oportunidade de dar um sentido maior à vida.
Sentido que às vezes chegamos a pressentir, especialmente nos momentos mais críticos, nos estados de emergência em que permitimos que a Providência nos visite, e então nos é dada (ainda que por nós mesmos) a oportunidade de descobrir que somos todos interdependentes e que o sofrimento nos afeta a todos, inexoravelmente. Se nesses momentos de lucidez, conseguirmos romper os velhos padrões, encontraremos os pontos de alavancagem para uma existência mais digna. Esse o salto quântico de uma ética fugaz e fragmentária para uma totalidade ética mais efetiva e eficiente. Esse, o outro lado do grande paradoxo humano: a nossa infinita grandeza.

Trecho do 3º sub-título (Ética e Valores Humanos), do cap.III (Inveja e Ressentimento) de meu Ensaio Transdisciplinar sobre Inveja, Preconceito e fenômenos afins, intitulado O Olhar da Caprichosa (em fase de atualização e revisão).

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O copo está transbordando

Certa vez, em uma palestra sobre as Dores da Alma, ao dizer aos participantes que as crianças têm muito a nos ensinar, fui interrompida por um senhor muito indignado: - “Eu não tenho nada a aprender com meu filho. A senhora está invertendo as coisas. São os pais que devem ensinar as crianças e não o contrário”.
Percebendo que algumas mulheres meneavam a cabeça, discordando de meu interlocutor, propus-me a intermediar, mesmo antes do fim do encontro, um debate sobre a questão e não me surpreendi com o resultado: praticamente todas as mulheres que se dispuseram a falar concordaram com minha teoria, enquanto a maior parte dos homens achava a ideia uma “subversão de valores”.
O fato me veio à lembrança ontem, quando, desabafando em família uma questão (externa) que poderá nos trazer aborrecimentos, declarei num rompante: - “Nem que eu tenha que vender meu carro, prefiro gastar meu dinheiro com o melhor advogado da área do que pagar uma dívida que não é minha. Quero que esse bandido vá parar no olho da rua”. Minha filha, assustada (e preocupada com minha pressão arterial), retrucou: - “Pelo amor de Deus, mamãe, controle-se. Você não é assim”.
Nesse momento, Amanda, minha neta, que a tudo ouvia fingindo brincar, declarou do alto de sua “experiência” de seis anos de idade: - “Deixa a vovó desabafar, mamãe. Você não está vendo que o copo dela está cheio?”. E virando-se para mim: - “Você está certa, vó. Quando a raiva transbordar, você vai tomar a água mais limpa e resolver o problema com calma”.
Instantaneamente me reequilibrei, fascinada com sua “sabedoria”. Quando tentei elogiá-la e agradecer, Amanda desconversou: “Adoro suco de maracujá”. Até agora não sei se ela realmente estava com vontade de tomar um suco, ou se esse era mais um conselho (dadas as propriedades calmantes da fruta).
Já ia terminar esta crônica-depoimento, quando minha eterna conselheira Dª Nena, intervém: - “Você não acha que seus leitores e leitoras têm o direito de saber o que a atormentou a ponto de tirá-la do sério?”. – “Acho, sim, mas antes vamos ouvir o que a advogada (com quem marcamos uma consulta para amanhã) nos aconselha a fazer. Por enquanto, estou fazendo um download de tudo isso”.
Acho que, sem querer, acabei mexendo com seus “brios” de conselheira exclusiva, pois Dª Nena encerrou a conversa abruptamente: - “Quem tem muitos conselheiros, não tem nenhum”. É, parece que todo ego (mesmo que super ou alter) tem seus momentos de desequilíbrio. O jeito é deixar transbordar (permitir-se desabafar de alguma forma inofensiva a nós próprios e a outrem) esses sentimentos tão próprios do ser humano - a indignação contra as injustiças ou mesmo o ciúme, entre tantos outros – antes que contaminem a água de nosso copo.
Namastê.



terça-feira, 29 de setembro de 2009

SOS Blogueir@s experientes

Ontem fui deitar muito brava comigo mesma. Vejam se não tenho razão. Havia escrito uma crônica que me soou “deliciosa” e quando fui postá-la no blog, ao acionar o famoso “Ctrl c”, acredito que meu dedo tenha derrapado, pois apareceu apenas o “c” na tela e a crônica, 'puff' , se esvaiu! Fui procurá-la na lixeira, na pasta “Blog” (onde eu pensei que a havia salvo) e nada... ela simplesmente se foi.
Que terá acontecido? Pra mim é um mistério (ou um castigo pela pretensão, já que havia gostado do que escrevera). Seria um “autoflagelo” inconsciente ou mera incompetência informática? Enfim, como não consigo me deixar abater pelas circunstâncias, vou tentar reproduzi-la, embora saiba que nunca mais será a mesma.

“De volta à casa, após participar do Seminário de Servidores Públicos em Guarujá e, abrandada a saudade dos meus amores, fui arrebatada pelos ‘finalmente’ de minha participação na Coletânea sobre a Mulher, pela leitura de alguns outros ensaios que comporão a obra e de minha última aquisição: Arriscar o Impossível – Conversas com Zizek.
Mas, o tempo passa (ou nós passamos) muito rápido e, quando me dei conta, já lá se iam nove dias sem que eu me dedicasse à “menina de meus olhos”: o blog. A metáfora, aliada aos ecos dos clamores dos discriminados – em especial as mulheres e os servidores públicos – que me atormentaram nos últimos dias, fruto das palestras e leituras, me transporta, imediatamente, ao campo das elucubrações.
Qual o papel que nos cabe, a nós blogueir@s, viajantes virtuais, diante das flagrantes (reais) injustiças a que são submetidos desde sempre os excluídos (da sorte, da cidadania, da vida, enfim)? Qual a nossa responsabilidade sócio-cultural, privilegiados que somos por ter esse espaço à nossa disposição? Como fazer jus ao interesse e anseios de tantos amigos virtuais, anônimos ou (re)conhecidos, que dispõem de seu tempo para ler nossos blá,blá,blás e, generosamente nos incentivam com seus comentários?
De que valem os arroubos filosóficos e os insights literários, se não puderem ser utilizados em benefício do próximo? Afinal, quem é nosso “próximo”: aquele vizinho do “bom dia” lacônico (distante), que nada sabe a respeito de nossos sonhos e sofrimentos, ou todos aqueles irmãos e irmãs com quem os compartilhamos (aos sonhos, etc), independente da lonjura física? Como “domar” nossa conquista do virtual, inserindo-lhe componentes de concretude? Ou, melhor dizendo, como...
Em pleno clímax da inspiração, sou chamada à realidade por minha conselheira, Dª Nena, cuja paciência se esgotara e que impõe um ‘basta’ ao ‘surto filosófico’: - “Melhor mesmo seria você acabar com esse jogo de palavras e tratar de ser mais objetiva. Esqueceu que esta é uma mera crônica e não um tratado filosófico?”. Flagrada uma vez mais, tento argumentar: - “Você sempre me interrompe na hora “h”. Eu apenas estava querendo trazer à baila a ideia de Zizek de que em nossa vida cotidiana nos vemos obrigados a enfrentar problemas filosóficos. Está lá, na página 118, é só confirmar”.
A seguir, esquecida da capacidade (virtual ou real?) de todo alter ego, de ler nossos mais recônditos pensamentos, esboço uma ‘vingança virtual’: - “Você não entende nada”. Logo, porém, sou levada a ‘cair na real’, pois a sábia senhora é mais rápida do que eu: - “Deixe de ser pretensiosa. Você não tem pena de seus blog... como é que se chamam mesmo os leitores de blogs?” – “Agora você me pegou: não sei responder. Mas, se quem escreve é blogueir@, quem lê deve ser bloguista, não acha? Vejamos, se quem tem Banco é banqueiro...”. – “Pra mim, chega. Até a próxima”.”

Devo confessar que, salvo quanto aos dois primeiros parágrafos, a crônica perdida era muito diferente desta ‘reprodução’. Meu senso de humor estava mais apurado e a ‘viagem’ me pareceu bem mais divertida. Ou tudo não terá passado de um sonho, já que a crônica não deixou pistas concretas? Quais os limites entre o virtual e o real? Ih, lá vou eu de novo. Acho que estou precisando de umas férias...

sábado, 19 de setembro de 2009

Princesa da Orla - I

Princesa da Orla, minha/nossa linda Guarujá, estou de volta. Desta vez, um poder maior se alevanta: cumprir o compromisso de participar de um encontro entre servidores públicos. Como em todo encontro que se preza: confrontos, afrontas, vaidades, saberes, estimas e subestimas. De fundo, o interesse comum: sacudir a mesmice, transcender o estigma, aprimorar o trabalho, a convivência, a vida. Encontro ambivalente, eterno amor-ódio. Patrão-empregado, Governo-Servidor, homem-mulher. Gratas e ingratas surpresas. Dentre as gratas, a presença da Prefeita. Tranquila cumplicidade, amores comuns: Guarujá, servidores públicos, mulheres, cultura, ....

domingo, 13 de setembro de 2009

De rios e agradecimentos

Cumprida parte do compromisso que assumi, com a entrega do Ensaio “Mulher e Filosofia – Uma Visão Transdisciplinar” às organizadoras da Coletânea sobre a mulher, volto à “menina dos meus olhos”: o blog, onde deslizo nas águas do rio da imaginação, sem preocupações acadêmicas.

Não obstante, carrego comigo, onde quer que eu vá, uma mochila “à prova dágua”, cuja bagagem inclui, necessariamente, um compromisso ético com questões sócio-ambientais, educativas e culturais, e um “interesse amoroso” pelo aprimoramento das relações entre os seres humanos num contexto de justiça e igualdade, no qual a causa feminina se insere.

Nesta altura da crônica, justamente quando me empolgo e começo a deslanchar minha verborragia, sou interrompida, como sempre, por Dª Nena, minha sensata conselheira: -“Melhor sair já desse rio e colocar os pés na terra, antes que morra afogada”. Flagrada no deslize, tento defender-me: – “Eu só pretendia contar @ leitores sobre a experiência desta noite e fazer um agradecimento a algumas mulheres especiais”. – “Pois bem, está desafiada a fazê-lo em apenas três parágrafos”. Obedeço.
O fato é que, tendo deitado ontem com uma espécie de “nostalgia blogueira”, acordei alta madrugada com uma crônica “pronta”, virgulada e pontuada, na cabeça. Revisei-a em pensamento e acreditando poder guardar na memória o conteúdo, virei para o lado e me entreguei aos braços de Morfeu. Pela manhã, ingrata surpresa: Mnemosina, mãe das musas inspiradoras, ela mesma Deusa da Memória, vingou-se pela displicência com que tratei a inspiração (não anotando imediatamente o que me havia sido sussurrado). Conclusão: não consegui lembrar nem uma palavra. Espero ter aprendido a lição.

Outra coisa que preciso deixar registrada e que devia ter sido escrita já no primeiro parágrafo, quando comecei a divagar, é a honra e o prazer de estar trabalhando ao lado de mulheres incríveis, mestres, doutoras, professoras universitárias, que disponibilizam seu tempo e sua bagagem acadêmica em prol das questões de gênero, com repercussões sociais para a causa das minorias .

À jurista Patrícia M. Bertolin, minha “filha” (do coração), que me convidou a participar do livro, à generosa doutoranda em Direito, Lidiane Longo, que me amparou nos deslizes pontuais acadêmicos e bibliográficos e à jornalista Maristela Ajalla, “irmã” guerreira, com suas sugestões de leitura e provocações inefáveis, meu amor e minha gratidão. Às demais companheiras dessa luta pela causa feminina, minha admiração e cumprimentos.

sábado, 5 de setembro de 2009

Poema Cósmico

Se cada linha é um verso

um poema é um pluriverso

bem assim o Universo

nada mais que linha ou verso

imerso no Multiverso.

Marcas fugazes

Sol entre nuvens sombrias a brincar

se esconde e espia

marcas fugazes na areia famosa

ondas se espraiam

capricho da lua

primavera se espreguiça

distante indiferente

ao lúdico balé astral.

Coreógrafo, Shiva sorri.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

De bengalas e bengaladas

Hoje o Guarujá amanheceu sob um “Sol de Brigadeiro”, que tem o condão de imprimir ao corpo - e à mente - um ritmo mais dinâmico, mais alegre. Influenciados por essa luz, todos reafirmamos nosso pacto de amor com a existência, ficamos de-bem-com-a-vida e, pra quem (como eu), não pode se expor aos raios ultra-violetas, “dá-lhe inspiração”.

Daí, ao som da orquestra passarinheira que me chega da mata, vizinha abençoada que recebi “de quebra” com o apartamento, abro o computador para dividir meu bom-humor com o mundo (pretensão!). Mas de uma coisa podem ter certeza @ leitores: minha família, minhas(os) amigas(os) e leitoras(os) são a porta de entrada ao mundo-que-pedi-a-Deus, um mundo de inclusão e paz entre todos os seres que o habitam.

Minha conselheira, Dª Nena, logo intervém em minhas elucubrações: - “Está bem. Agora que você descarregou sua “energia filosófica”, vamos pôr os pés no chão. Você não havia ficado de contar um “causo” engraçado sobre a utilidade das bengalas? Pois bem, você já usou a sua, agora vamos parar de divagar”. Rendendo-me ao bom-senso, passo a relatar a história que me foi contada por Carlos, um motorista bem-falante, que nos atende há anos e se tornou amigo da família.

Para que nos situemos no espaço, devo dizer que a cena teria se passado em São Paulo, mais precisamente na Av. Ricardo Jafet, sentido centro-bairro e – pra quem não a conhece bem -, devo lembrar que essa Avenida é acompanhada (ou vice-versa), em toda sua extensão pelo riacho do Ipiranga.

Pois bem, Carlos trafegava tranquilamente com seu táxi, mantendo-se à esquerda para fazer um contorno, quando o farol amarelou. Antes de parar, passou os olhos no entorno e viu uma senhora de bengala que parecia aguardar a abertura do semáforo para acabar de atravessar. Alerta, como todo bom motorista, Carlos olhou no espelho retrovisor e percebeu a proximidade de um garoto que mal disfarçava o porte de uma arma.

Sem pensar em si mesmo, preocupado com a integridade da velhinha, o motorista abriu a porta do carro súbita e violentamente, atingindo o garoto que, desequilibrado, deixou cair a arma, rapidamente atirada ao rio com um chute certeiro de nosso “herói”. Em poucos segundos, o “trombadinha” estava devidamente agarrado e prestes a levar um safanão, quando – surpresa! – a boa velhinha, sem saber o que estava acontecendo, saiu em socorro do “pobre menino”, passando a desferir bengaladas nas costas do “suposto” agressor: “Pra você aprender a não bater em crianças inofensivas, seu bandido covarde!”.

Tragicômico, o episódio remete às considerações de minha crônica anterior. Concluo com um alerta: nunca subestimem velhinhas de bengala. Por isso, continuo pensando em adotar uma (bengala, não velhinha).

Namastê.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Andanças

Ontem prometi aos leitores(as) que hoje postaria uma crônica mais pé-no-chão a respeito de minhas vivências no Guarujá, onde cheguei há dois dias determinada a fazer deslanchar minha pesquisa sobre a mulher na filosofia. Como “promessa é dívida”, vou tentar fazê-lo, embora esteja meio sem inspiração devido a um ligeiro incidente que acaba de me tirar “literalmente” do ponto, mas que vou deixar para contar no final.

Pois bem, segunda-feira, precisando confirmar alguns dados para a bibliografia do trabalho sobre a mulher, decidi ir a pé até a Biblioteca da Cidade, distante pouco mais de dois quilômetros de meu apartamento. No caminho, cansada do assédio de um pedinte insistente e também para me esconder do ventinho gelado que golpeava a cidade, entrei numa padaria e me acomodei para comer alguma coisa “em paz”.

À minha frente, um casal me encobria do olhar vigilante do jovem pedinte que se encostara a um poste e cuja compleição estava mais para os conhecidos “trombadinhas” de São Paulo (sem preconceito). Com alívio, logo em seguida percebi que seu interesse se desviara incautamente para uma senhora de bengala, sumindo de minha vista em seguida.

Nesse ínterim, o casal abrira a janela de vidro que nos separava da rua, deixando entrar uma lufada de vento e passando a chamar em altos brados um homem de meia idade que havia descido de um utilitário, tomando goles de cerveja de uma lata que, ao ser esvaziada, foi abandonada no parapeito da janela que me ladeava. Pouco depois, o (in)digno cidadão se despedia da dupla, alto e bom som: “Se ela não quer ficar comigo, não precisa. Pode ficar por lá pra sempre. Mas dar bola pra outro, isso ela não vai nunca mesmo, que eu não sou corno. Tchau”.

Sem se dar conta de que incentivava uma possível violência, o casal deu seu evidente apoio, enquanto o “tio” engrenava o carro tomando outra cerveja: “É isso aí, tio. Você tá certo. Vai com Deus”. Apesar de deprimente, o episódio foi “um prato cheio” a quem se propõe a escrever sobre o tema. Até me fez esquecer do frio.

Antes de chegar à Biblioteca – que, a propósito não tinha sequer um dos livros que eu precisava consultar -, encontrei a senhora de bengala que dizia, rindo, a um casal de idosos: “Comigo é assim: escreveu não leu, pau comeu”. Pelo jeito, enfrentara nosso “amigo” insistente e levara a melhor. Estou pensando em adotar uma também, pra facilitar minhas andanças, pois, além de apoio, é uma boa arma de defesa. A propósito, na próxima crônica preciso lembrar de contar um “causo” engraçado, que me foi relatado por um motorista.

Luciana Gimenez fechou com “chave-de-ouro” o meu dia. Me explico: Lá pelas 23h30 da noite, depois de enfrentar minha decantada pesquisa por mais ou menos cinco horas seguidas, me estiquei na poltrona, imaginando descansar a mente, e deparei com a apresentadora, que dizia: - “Mulher é só emoção. Homem é mais razão. Mulher é um bicho esquisito”.(sic) Participando do programa, um convidado tentava argumentar: “Mulher e homem, todo mundo é razão e emoção”. Mas ela parecia não ouvir ou achou a expressão bonita, pois repetia: “Mulher é bicho esquisito. É só emoção”, enquanto ele voltava a afirmar: -“Não, homem e mulher é tudo a mesma coisa”. Ponto para os homens. Desliguei a televisão e fui deitar.

Ah, já ia esquecendo de contar o incidente a que me referi acima e o faço porque prometi, mas também para agradecer a proteção divina, pois a consequência foi menor que o susto. Direto ao assunto: Quando estou escrevendo, levanto várias vezes para descansar a vista e estirar as pernas. Numa dessas andanças pela casa, devo ter esticado as pernas um pouco além da medida, pois enlacei um fio inadvertidamente solto da parede e só consegui parar no fim do corredor, literalmente estirada (não precisava tanto). Antes de me estatelar no chão, ainda consegui colocar a mão na frente dos óculos, que ficaram ligeiramente tortos, mas não quebraram. Ufa! Fiquei com pena de minha neta Amanda, sempre com os joelhos esfolados (como dói!).

Com a cabeça e a mão (também) doloridas, pensei que não fosse dar conta da crônica que, afinal, acabou virando uma “ladainha” (pra compensar a postagem anterior, que só teve uma linha).

Namastê e até depois de amanhã, que ninguém é de ferro.

Esquecimento

Porque o momento esquece que nada é em face do Infinito?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nó górdio IV

De volta ao Guarujá, onde eu e meu lap-top nos refugiamos sempre que algum trabalho específico está a exigir “nosso esforço concentrado”, percebo com a clareza que o distanciamento da rotina cotidiana permite, nossa impotência diante das questões inerentes à condição humana, muito especialmente a condição feminina.

O fato é que, onde quer que estejamos, levamos conosco todos os nossos condicionamentos, sejam físicos, psíquicos ou mentais e, ainda que mais perceptivos – graças ao estado de alerta próprio de quem se afasta da segurança do lar – permanecemos fiéis àquilo que já somos, ou melhor, que sempre fomos. Assim, ou uma nova ordem rotineira se instala ou, como é o caso, pegamos carona na rotina estabelecida em estadas anteriores.

A tendência à repetição é intrínseca ao ser humano, seja nas pequenas atitudes do dia-a-dia, seja na forma de pensar e ver a vida, o que nos faz reviver experiências, numa eterna confirmação de nossas próprias ideias ou, se preferirem, ideologias. Nos enredamos sempre nos mesmos passos, à falta de um diálogo com o outro, o diferente, aquele que “talvez” pudesse nos ajudar a nos des-envolver, des-enroscar de mais este verdadeiro nó górdio: a rotina embaraçante, a condenação à repetição, ao monólogo.

Assim, embora filosoficamente possamos encampar a assertiva sartriana de que “estamos condenados a ser livres”, a realidade que vivenciamos abala a crença nessa “utopia” (do) existencialista. Não obstante, outro pensador, o educador Paulo Freire, nos indica a possibilidade de uma “utopia revolucionária”, consubstanciada na esperança que, a meu ver, somente pode ser entendida como uma “esperança ativa”, um modo de agir que propicie uma ruptura nos muros da rotina pela qual nos deixamos emparedar.

Nesta altura de minhas elucubrações, recebo um “banho de água fria” de minha conselheira Dª Nena: - “Afinal, sua proposta ao começar este artigo, não era escrever uma simples crônica, para contar suas experiências nesta nova estada no Guarujá? Será que não percebe nesse “desvio filosófico” também uma forma de se enredar em seus próprios monólogos? Será que é isso que esperam suas leitoras e leitores? Convenhamos!”.

Intimidada pela lógica (ainda que me parecesse absurda no primeiro momento) do questionamento da sábia senhora, recolho-me à minha insignificância, desligando (por ora) o computador, para retomar alguns passos rotineiros (tão) necessários à manutenção da vida: banho, almoço, arrumação de roupas/casa/papéis, separação do lixo decartável (para reciclagem), compras (ainda que apenas as essenciais) e caminhada (se o tempo permitir).
À noite ou amanhã, dependendo do desenvolvimento do trabalho específico (de cunho filosófico, claro), que me trouxe a estas paragens, tentarei retomar – com os pés no chão - a proposta inicial, de contar objetivamente algumas das experiências aqui vivenciadas nos últimos dois dias e que foram responsáveis pelo desencadeamento desses arroubos filosóficos.

Por ora, deixo à reflexão de quem se dispuser a ler e comentar este texto, a aparente ambiguidade da questão proposta. Afinal, estamos condenados a nos repetir ad eternum, ou a rotina (de pensamentos, palavras, ações e meras atitudes semi-automáticas do cotidiano) seria mais um nó górdio a ser desatado?

Namastê.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Indignação

Manhã dolorosa: na Web a foto de uma burka negra encobria totalmente um ser humano no cumprimento de sua “liberdade civil”, o voto, exibindo apenas o dedo indicador maquiavelicamente tingido de vermelho, a revelar, provavelmente, a condição de analfabeta da eleitora ou, no mínimo, para dar validade à “transparência democrática” das eleições locais.
Ontem, entre indignada e perplexa ante a crueldade dos homens, eu lera a notícia, também na Web, de que o (mesmo) Afeganistão acaba de aprovar uma lei que permite aos maridos deixarem suas esposas “passar fome” se, e enquanto, elas lhes negarem o tankeen, (leia-se sexo). O Talebã se foi do governo (embora em permanente tocaia para o rebote), mas, usando a expressão do excelente articulista Robson Fernando (vide link), o “gene dominante” do androcentrismo (que ali se revela num paroxismo de misoginia) se perpetua.
Lá, como cá, o “gene recessivo” (da mulher) também se perpetua, em que pese sua suposta e decantada “liberdade de opções”, pois, ainda que não estejamos mais obrigatoriamente confinadas ao “recesso do lar”, continuamos indelevelmente condicionadas às tradições culturais patriarcais.
O arquétipo da submissão está instalado no inconsciente das mulheres e é persistentemente (re)alimentado, seja pela educação que recebemos desde o berço ou pelas humilhantes pilhérias dos “gozadores” de plantão; seja pela linguagem opressora que faz do feminino um segundo sexo ou por notícias de nosso entorno (ou mesmo vivência própria) sobre a violência doméstica – considerada pandêmica, inclusive no Ocidente, por organismos da ONU - . Seja, enfim – para encerrar a crônica, mas não o tema -, pelo profundo sentimento de impotência ante a violência legalizada contra as mulheres, em países como a Síria, o Iraque e o malfadado Afeganistão, pra não falar nas mutilações sexuais tradicionais e nos estupros em massa em alguns países da África.
Cabe-nos tomar a arma mais potente de que dispomos – nossa voz - e lutar para romper esse arquétipo e o silêncio que o encobre, clamando persistentemente em uníssono, alto e bom som, até fazer ruir as muralhas que nos emparedam. E que não se preocupem as religiosas e os religiosos simpatizantes da causa feminina, o ensinamento é bíblico (Js.6.20). Quem quiser seguir os Evangelhos à risca, não precisa gritar, utilize uma trombeta.


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Grata surpresa

Tenho por hábito, ao visitar blogs com interesses afins ao meu, deixar comentários ou depoimentos a respeito de minhas próprias experiências a respeito dos assuntos neles tratados e o faço não apenas pelo prazer do diálogo, mas também porque sei o quanto é importante para todo autor o retorno e a participação dos leitores.

Maior se faz a necessidade do debate, a meu ver, quando os trabalhos autorais – sejam em prosa, verso, música ou imagem -, contém propostas críticas voltadas à conscientização de todos sobre questões que envolvem o aprimoramento da cidadania e da inclusão social, ao detectar os “furos” do sistema e os condicionamentos culturais discriminatórios.

Acredito mais que essa troca, ou reflexão conjunta, nos enriquece a todos, revelando muitas vezes uma generosidade insuspeitada. É o caso de uma grata surpresa que tive hoje, ao postar um comentário no blog alogilmar, que a página da uol houve por bem destacar. Gilmar, o autor, excelente cartunista, respondeu por e.mail ao meu comentário, classificando-o como “valioso” e me colocando “à vontade para pegar alguma imagem do (seu) blog” para ilustrar minhas crônicas.

Num mundo de mercado, em que as pessoas tendem a superavaliar economicamente suas criações, essa postura revela que uma das inúmeras possibilidades relacionais de um diálogo honesto que se pode dar inclusive entre autor e leitor, está a de fazer a ética – que nos é sempre potencial - emergir naturalmente, qualificando a vida. Melhor dizendo, quando oferecemos ao outro o melhor que há em nós, faremos emergir nele(a) aquilo que ele(a) já é.

Esse meio de relacionamento dialógico, que no caso dos blogs se dá por via de comentários às matérias postas, também tem o condão de nos fazer (re)conhecer as necessidades do(s) outro(s) e nossa própria capacidade de colaborar para a solução de questões (às vezes tão tormentosas) individuais ou coletivas, além de, por outro lado, nos fazer transcender os (às vezes tão pequenos) problemas do limitado cotidiano em que geralmente nos enclausuramos.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A discriminação pela linguagem

Às voltas com minha pesquisa sobre a mulher no campo da filosofia, deparei com um texto da advogada Letícia Massula intitulado Até tu, Gil?, publicado no blog de Liliane Ferrari a propósito do tema A mulher e a opressão da linguagem, que vem corroborar minhas preocupações, observações e experiências sobre o assunto.
Linguagem é poder e, como tal, tem sido utilizada como uma das mais potentes formas de manipulação, discriminação e exclusão das chamadas “minorias”, expressão que por si só já demonstra seu poder discriminatório simbólico, haja vista que não se refere a uma inferioridade numérica, mas sim meramente ideológica.
Assim é que, dentre as “minorias”, incluem-se, além das mulheres – que na verdade representam metade da população -, também os afro-descendentes (homens e mulheres que, juntos, por seu lado também constituem a maioria populacional), além das pessoas com algum tipo de deficiência, bem como os homossexuais e os índios, dentre outros grupos ditos “minoritários”.
Enfim, um único termo, aqui tomado como exemplo – “minoria” – por si só já demonstra a devastação que a linguagem pode impor (e impõe) à imensa maioria de homens e mulheres relegada pela “brancura patriarcal” a uma cidadania de segundo grau. Incontáveis outros exemplos poderiam ser aqui lembrados, mas citarei apenas mais um, deixando aos leitores o convite para que me auxiliem a compor um dicionário da linguagem discriminatória.
Trata-se da palavra “deficiência”, que pressupõe déficit, incompletude, ausência de eficiência ou de capacidade para uma ou mais ocupações. Ora, em assim sendo, todos deveríamos ser considerados deficientes, já que cada um de nós – homens ou mulheres, ricos ou pobres, de todas as idades e raças – queiramos ou não, apresentamos dificuldades para a realização de inúmeros afazeres.
Encerro fazendo minhas as palavras do educador Paulo Freire, epigrafadas no texto da Dra. Letícia: “A recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo”.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

O feminino - uma condição


Envolvida com um trabalho acadêmico sobre a Mulher na Filosofia, confesso que meu ânimo (pra não dizer minha moral) anda meio em baixa, com reflexos em minha inspiração e criatividade. Isso porque o trabalho me levou necessariamente a pesquisar a condição feminina na História e a reler obras de referência sobre o tema, dentre as quais O Cálice e a Espada, de Riane Eisler e O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.
Fundamentadas numa bibliografia fidedigna, que inclui grandes clássicos de todos os tempos, dos Evangelhos – Bílblia, Corão e Torah - aos compêndios históricos, dos “comentários desairosos” sobre a mulher, emitidos por filósofos consagrados ou mesmo santificados (Agostinho e Tomás, entre outros) a toda uma legislação do Oriente e Ocidente, as autoras nos fazem refletir profundamente sobre o papel que tem sido relegado à mulher pelo patriarcado – laico ou religioso - nos últimos milênios.
Não obstante as conquistas obtidas nessa árdua trajetória, o fato é que ainda hoje o feminino continua a ser uma condição, um não-lugar, numa sociedade em que cabem à maioria dos homens os postos de maior remuneração, maior projeção e, especialmente, de direção, em todas as áreas públicas ou privadas.
Oprimida pelo peso da tradição milenar – cultural e religiosa – a mulher (e, a bem da verdade, a sociedade como um todo) ainda acredita que lhe cabe “por natureza” o papel primordial de dona de casa, responsável inconteste pela educação e criação dos filhos, incluído aqui o preparo da alimentação, afora a conservação e limpeza de roupas e das dependências do lar, do qual, afinal, foi eleita “rainha”.
Fora de seu reino, e desde que este esteja sob o mais absoluto controle, hoje a luta – não os resultados, claro! – é de igual para igual e, desde que comprovada sua “absoluta competência e disponibilidade” seu acesso ao mercado de trabalho como um todo já lhe é permitido. Pois não é que a mulher tem até o “privilégio” de ser a maioria no exercício das funções que lhe são mais “compatíveis”, como as de professora primária, secretária, vendedora ou empregada doméstica?
Ironias à parte, é bem verdade que, não obstante o fato de obter, como regra, menor remuneração e de ser ainda objeto de piadas discriminatórias, uma minoria de mulheres já chega a se destacar em todas as profissões e até mesmo na política, redutos exclusivos dos homens até há poucas décadas. Isso para falar apenas das nações mais desenvolvidas ou emergentes do Ocidente, já que no Oriente a questão feminina é “ligeiramente” mais complicada.
Quanto à Filosofia, bem, homens cuja sabedoria é até hoje decantada – como Pitágoras, Platão, Aristóteles, Demóstenes, Sólon e, mais “modernamente” Comte e Rousseau, dentre incontáveis outros “sábios” de todos os tempos - sempre as tomaram como mote e procuraram colocá-las em seu devido “(não)-lugar”, alertando para os malefícios que qualquer liberdade feminina poderia trazer, no mínimo, à moral da família e da sociedade.
Enfim, graças à evolução do feminismo, da legislação e, principalmente, da tecnologia, sua voz já pode ser ouvida para além das “quatro paredes” em que esteve confinada desde sempre, a ponto de ser esquecida pela História, em que pese a verdadeira “guerra milenar” deflagrada por algumas ousadas desbravadoras – cortesãs, filósofas, rainhas, escritoras - que, mesmo vilipendiadas e até martirizadas, lograram sair do anonimato.
Mas, esta é outra história, o “pulo do gato” que devo guardar para o trabalho acadêmico a que me referi acima, para o qual, como de resto a respeito de todos os outros assuntos, as sugestões dos leitores e leitoras é e será sempre bem-vinda.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

De Justiça e Origamis

Em resposta ao comentário postado em 15/07 pela jornalista Maristela Ajalla, informei que estaria ‘fora do ar’ por uns dias e que voltaria “com tudo” nesta semana, pois estava pressentindo que haveria algo a celebrar. Logo ao chegar, descobri que a realidade transcendeu minhas expectativas.
Duas notícias quase me levaram ao êxtase, resgatando minha fé na Justiça humana, já que da providência divina eu jamais duvidei. O que quero dizer, de fato, é que, embora muitas vezes a desesperança tente se apossar da minha alma, no fundo eu sempre soube que a vida nos retribui de alguma forma e no momento oportuno, toda a nossa dedicação e perseverança no aprimoramento da vida, na busca do conhecimento, na concretização de nossas potencialidades (que todos as temos em profusão).
Maior a gratuidade de nossa entrega, mais efetivo o retorno. Maior a abrangência do trabalho, maior a reverberação social. Maior a humildade e aceitação dos tropeços intercorrentes, maior a superação de nossos próprios limites e a fluidez dos resultados.
Pois bem, a primeira notícia desta semana que me enlevou, foi a nomeação pelo presidente Lula, do meu competentíssimo amigo Dr. Ricardo Tadeu da Fonseca, para o cargo de desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, em Curitiba.
Na década de 90, tive a honra e o prazer de ser colega de pós-graduação desse homem inteligente, corajoso e profundamente estudioso, que jamais se deixou abater, mesmo tendo perdido totalmente a visão física quando cursava a Faculdade, aos 23 anos de idade. Sua nomeação como magistrado resgata a profunda injustiça de sua desclassificação em 1990 para o cargo de juiz do trabalho, sob a preconceituosa alegação de “deficiência visual” como impedimento para o exercício do cargo, não obstante houvesse sido aprovado na fase escrita do concurso respectivo.
Sua brilhante carreira no Ministério Público do Trabalho, em cujo concurso público de títulos e provas em 1991, eliminou milhares de candidatos, revelou que meras dificuldades físicas não são absolutamente impeditivas para o exercício de funções técnicas e intelectuais ou que exijam juízos de valor. Ao contrário, os obstáculos podem ser um plus a mais para a competente realização profissional, dada a extraordinária capacidade de adaptação, o domínio da tecnologia e o indefectível desenvolvimento de todos os sentidos, alcançados por tantos homens e mulheres com alguma deficiência, dentre os quais Dr. Ricardo se destaca por essas e muitas outras qualidades.
Outra notícia alvissareira, agora no campo da arte, é a de que as exposições KIMONOS e SAMURAIS em ORIGAMI, da artista Alzira Cattony, passaram a pertencer ao acervo do Pavilhão Japonês-Ibirapuera e estão sendo catalogadas para serem preservadas. Em princípio, poder-se-ia dizer que eu sou suspeita para falar sobre esse trabalho, já que Alzira é minha prima-irmã (“mais irmã do que prima”, segundo suas palavras), mas o fato é que conheço as dificuldades da trajetória desse trabalho belíssimo, cuidadoso e delicado, cuja maestria deleita os olhos de todos quantos têm o privilégio de visitar suas exposições.
De parabéns a sensibilidade, a arte e a justiça brasileiras, em que pesem ainda tantas mazelas. De parabéns Alzira e Ricardo, símbolos de dedicação ao trabalho, a reencantar o mundo. Possamos nós comemorar outras conquistas em todos os campos, que pessoas dedicadas e competentes existem às mancheias, Brasil afora. Celebremos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Tarde

Tarde dolorosa
sofrida dolorida
qual ferida
aberta.

Coração insatisfeito
oprimindo o peito
num espasmo

que aperta.

Mãos encarquilhadas
nodosas e cansadas
postas em prece

alerta.

Só a mente destoava desperta
daquele corpo que seguia

a tarde que morria
deserta.




segunda-feira, 6 de julho de 2009

Transparência

Dentre as manifestações a respeito da publicação via internet dos vencimentos dos servidores, autorizada pelo Senhor Prefeito da Capital, chamou minha atenção uma crônica publicada semana passada em um dos jornais da região onde resido, assinada por ilustre empresário – cujo currículo transcrito ao pé da matéria compete em dimensões com o espaço dispensado ao assunto -.
Também na mesma semana, outro dos nossos jornais semanários, indicava o nome completo, o local de trabalho e os vencimentos dos funcionários municipais mais ilustres do bairro, muitos dos quais envolvidos também em trabalhos voluntários destinados aos vários setores da comunidade.
Preocupada com a exposição a que se submeteram esses servidores em tempos de seqüestros relâmpagos e outras violências, tratei de consultar minha também ilustre conselheira, Dona Nena, cujas orientações aprendi a seguir, sob pena de me “dar mal”, não obstante às vezes ainda ouse questioná-la. Imediatamente, como sempre, a sábia senhora adotou como suas as minhas preocupações: -“Você tem razão minha filha, mas há outras questões em jogo”.
Arguta observadora, Dona Nena tem ainda uma grande qualidade (ou defeito) que, a meu ver, torna seus conselhos dignos de atenção: emite suas opiniões somente quando convocada a fazê-lo, porém, instada a falar, esmerilha o tema à exaustão. Qualidade, porque não é enxerida, fica “na dela”, especialmente quando as questões são de foro íntimo, já que preza a liberdade de vida e de expressão de cada um. Defeito, porque quando convidada a se pronunciar sobre questões que a fazem sentir-se indignada, como a hipocrisia social – que a seu ver é uma violência, ainda que simbólica - , dentre tantas outras, corre o risco de tornar-se cansativa.
Por esses (e outros) motivos, limito-me neste momento a elencar algumas questões “pinçadas” de seu discurso sobre o tema proposto: “servidor não paga taxas e impostos?”, “a quem aproveita essa exposição pública?”, “operários conhecem a “renda” de seus empregadores?”, “como separar o ‘denuncismo’ invejoso e vingativo da corrupção comprovada?”, “qual a diferença entre os marajás das organizações públicas e privadas?”, “qual a proporção de servidores mal pagos em relações aos ditos marajás?”, “a Administração publicou também os currículos daqueles que recebem altos salários?”.
Minha conclusão é de que essa, como todas as outras questões sociais, é muito mais complexa do que se nos apresenta à primeira vista e que, talvez, a primeira transparência pela qual devemos nos empenhar seja aquela que diz respeito à nossa própria vida em sociedade, nossa ética nos relacionamentos e no cumprimento de nossos deveres, em que pese a necessidade óbvia de moralização nos serviços públicos e privados.

Poluição virtual

Todos nós temos alguns conhecidos bem intencionados, porém, sem muito discernimento crítico, que entopem (literalmente) nossas caixas postais com mensagens repetitivas, às quais acrescentam, à guisa de título, suas observações pessoais: “belíssimo”, “não perca”, “esta é demais”, ou, o que é pior, “repasso porque concordo”.
São incontáveis paisagens, animais, crianças, castelos etc, envelopados em frases de autoria e saber questionáveis, com um fundo musical, este sim, geralmente agradável. Mas a grande e atávica questão que ora ressurge e nos bombardeia dissimulada em cores e sons é a do preconceito, do qual as mulheres, em regra, são as “vítimas” priorizadas, embora nenhuma das outras chamadas minorias esteja livre de ataques eventuais.
Geralmente deleto “em bloco” essa ingênua poluição virtual, salvo quando algum título atrai minha atenção por se relacionar com algum tema objeto de meus estudos e interesses. É o caso de um e.mail recém-recebido de um de meus mais fiéis “fornecedores” dessa cultura virtual alienada e alienante, que ostentava (em vermelho) o título: “REPASSO PORQUE CONCORDO: Cristãos contra a Lei da Ditadura Gay”.
Pois bem, dentre as “pérolas” do extenso teor do e.mail, destaco uma das várias frases de “alerta” aos riscos do “implante gayzista” (sic), que, sob a ótica dita “cristã”, o projeto de lei 6.418/2005 - que inclui o preconceito contra a orientação sexual entre os crimes de discriminação -, em tramitação no Senado, traria: “Pais precisarão de autorização estatal antes de levar seus filhos a reuniões que critiquem o homossexualismo”(!!!!!).
Após declarar haver recebido “informações confidenciais” de uma Assessora Jurídica da Frente Parlamentar Evangélica sobre a “articulação do governo para apoiar a glorificação do homossexualismo e a criminalização de cristãos anti-sodomia”, passam os autores a tecer considerações altamente discriminatórias também às religiões afro-brasileiras, chamadas por eles “bruxarias vindas da África”, para ao final sugerir em letras vermelhas garrafais, que se repasse a nota em nome da “liberdade de expressão”(?), encerrando triunfalmente: “Que Brasil você vai querer para os seus filhos?”.
Aproveito a pergunta para propor algumas reflexões aos leitores: Que Brasil podemos querer para nossos filhos, se continuarmos a criá-los sob a ótica de um preconceito ancorado em pressupostos ensinamentos cristãos? Que Brasil podemos querer para nossos filhos se continuarmos a projetar nossos recalques naqueles que têm a coragem de assumir suas próprias propensões naturais? Que Brasil podemos querer para nossos filhos se continuarmos a disseminar informações discriminatórias, fomentando a ignorância (da realidade) e a exclusão (de todos que não se adequem aos nossos próprios interesses)?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

ENTREGA

Semana passada, assistindo pela internet um trecho de um dos desfiles da Fashion Week em companhia de minha neta de 6 anos – que tem pequenas experiências em propaganda e desfiles de moda mirim –, fiquei encantada com sua “madura” observação sobre a postura da super-modelo Gisele Bundschen: “Vó, você viu como ela é diferente das outras? Parece que vai voar, né?” Em seguida, vendo a modelo fazer meia-volta ao final da passarela, concluiu: “Ah, ela desfila voando e dançando!”.
Nos últimos dias, assistindo aos documentários sobre a morte de Michael Jackson - cuja tônica era a busca da perfeição estética -, lembrei dos comentários de minha neta. Ele não era simplesmente um cantor, também dançava e “voava”, entregando-se de corpo e alma ao ideal que abraçara. Infelizmente faltou-lhe equilíbrio e ele “dançou”.
Qual o elo que faria com que dois ícones tão diferentes entre si se sobressaíssem do restante de nós que acreditamos fazer o melhor possível para concretizar nossos ideais? Porque esses dons que nos foram magnanimamente distribuídos, a todos e a cada um de nós, nas mais diversas áreas da atividade humana, ficam em geral aprisionados na mediocridade do cotidiano?
Porque nosso pensar é tão pequeno e nossos medos e inseguranças tão grandes? Porque nos envolvemos em culpas e mágoas e nos deixamos afetar com tanta intensidade pelos pequenos fracassos e dilemas do dia-a-dia, a ponto de comprometer nossos relacionamentos, nossos sonhos e tantas carreiras promissoras? O que mais nos falta a nós, pobres mortais, tão racionais e, portanto, desprovidos de “asas”?
Minha conselheira Dona Nena, a quem sempre recorro nesses momentos de reflexão, não se faz de rogada e logo vem em meu socorro: - “Falta-lhes entrega, minha filha”. Mas, alerta com sabedoria, “nunca se esqueça que a paixão ou entrega total – seja a um ideal terreno ou divino - requer também um desapego total, o que não implica, veja bem, nenhum desrespeito ao outro ou às leis que regem a convivência social”.
Percebendo certa ambigüidade em seus conselhos, rebato: - “Mas como pode alguém se desapegar de sua família, por exemplo, sem desrespeitá-la?”. – “Entregar-se é ser o que se é, dedicar-se integralmente, dar-se, doar-se, render-se a algo, independente das expectativas de quem quer que seja, inclusive nossos familiares. Preenchê-las faz parte de nossos condicionamentos culturais, que nos fazem confundir respeito com submissão”.
Ainda insegura, começo a compreender o quanto a questão é complexa, como o é a própria vida, repleta de ambiguidades e paradoxos. – “E onde fica o amor nisso tudo?”, ouso ainda perguntar. – “O verdadeiro amor é um estado de espírito que não se deteriora na convivência com a paixão, podendo até estimulá-la, em sua grandeza”.
Se bem compreendi os profundos ensinamentos, entregar-se totalmente requer a coragem dos heróis (ou a “loucura” dos amantes) e não é por outra razão que projetamos naqueles que levaram os seus (nossos) sonhos às últimas conseqüências, toda a nossa paixão (e a nossa inveja). Alçar-se em livre vôo vida afora é transcender (fazer “dançar”) condicionamentos arraigados que nos amedrontam e nos limitam a pensar pequeno e cultivar heróis. Talvez, por tudo isso, se diga que cada um – ser humano, sociedade ou civilização – tem o(s) herói(s) que merece.