quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Preconceito: Uma Arma Mortífera

Preconceito, do latim praeconceptu, significa prejulgamento e tem uma conotação negativa e, de alguma forma, agressiva, a respeito de algo ou alguém. Enquanto permanece em nível mental, estamos no âmbito do pré-juízo individual, sem questionamentos e leviano; posto em ação, o preconceito envereda pelo campo ilegal da discriminação.

Discriminar é segregar, separar, excluir, fruto do preconceito cujas perversas consequências geralmente não se restringem ao plano individual, chegando a afetar imensos contingentes de seres humanos. A história nos dá conta de atrocidades perpetradas sadicamente em nome de Deus, do bem ou da liberdade.

Em todos os tempos e em todas as partes onde ocorreram, as alegações dos agressores apenas tentavam dissimular seu verdadeiro fundamento: preconceito, prepotência, ódio cego, inveja ou a mais perigosa ignorância: a de quem pensa que sabe. Mas a intolerância humana tem muitas outras caras. Esses são apenas alguns dos fenômenos detonadores da cega intransigência com índios, negros, “bruxas”, judeus, “infiéis”, homossexuais, etc, grupos historicamente perseguidos ou explorados, excluídos socialmente, confinados a guetos em sub-humanas condições de vida, quando não violentamente torturados e massacrados, com a complacente conivência dos privilegiados.

A incursão legal brasileira contra a discriminação é recente, limitada e ineficaz, pois os aplicadores ainda patinam numa noção claudicante de cidadania, atrelados que estamos todos a um saber ideológico que privilegia o argumento do opressor contra ‘minorias’ que, na verdade, constituem a maioria da população, um imenso contingente de deficientes cívicos.

Em suma, cidadão no Brasil, como em boa parte do mundo ocidental, é preferencialmente o homem branco, rico, culto e heterossexual. A tragicomédia maior é a capacidade de pactuar dos próprios oprimidos, seja por interesse, covardia, ignorância, ou por introjeção inconsciente do preconceito.

São vítimas que, desconhecendo sua própria força e muitas vezes nem mesmo se reconhecendo como tal, passam a participar do processo, de forma a perpetuar a situação de exclusão, acomodando-se ou aderindo à competitividade predatória, à violência e a outros meios inábeis de convivência social.

Atualmente se fala muito em cidadania plena, com participação ativa de todos os grupos minoritários nos destinos sociais, mas o paradigma é discursivo, muito distante da realidade. O preconceito e a ausência de cidadania de que são vítimas bilhões de pessoas no terceiro mundo, se revelam na consideração absurda de que a fome e a exclusão social são ocorrências “banais”, meros “efeitos colaterais” da pobreza reinante, debitada à ignorância, à incompetência e a uma indolência natural nativa.

A eleição circunstancial de ‘bodes expiatórios’ para as mazelas sociais revela o caráter ideológico do preconceito. Essa forma de violência simbólica afasta a justiça, reforçando a desigualdade e alimentando a estereotipia, um movimento reacionário que consiste na atribuição de características fixas a alguém, geralmente a um grupo, desconsiderando-se o contexto, as particularidades e a riqueza das diferenças individuais.

Os noticiários nos dão conta de que os pobres, as mulheres e os negros constituem, como regra, o tripé sobre o qual se assentam os vários tipos de preconceito. Aos diferentes tipos correspondem estereótipos diferentes.

Nossa cultura está fundada no mito da superioridade masculina que desconsidera a interdependência entre os gêneros, subestimando e discriminando mais da metade da humanidade, sem a qual sequer existiria.

Hoje, à lei do mais forte, agrega-se a do mercado que tem na globalização o grande agente de manutenção do status quo. Globalizam-se a pobreza, os preconceitos, a exploração de mão-de-obra, concentrando-se cada vez mais o capital em mãos de uma minoria privilegiada. A liberdade das pessoas atrela-se à situação econômica de que desfrutam. O ser humano é o objeto que acompanha o seu dinheiro, pois que este é o sujeito para quem as portas se abrem.

O consumismo inconsequente alimenta a exploração e o preconceito, mas como toda moeda tem duas faces, a “descoberta” de novos filões consumistas tem o condão de abrir algumas portas sociais e até jurídicas, levando segmentos ancestralmente discriminados, como homossexuais, negros e deficientes físicos a vislumbrarem a possibilidade da cidadania.

Experiências mal resolvidas, que têm origem em nossa herança tradicional autoritária, geram os condicionamentos que contaminam as relações interpessoais, traduzidas em monólogos inaudíveis pelas partes envolvidas, ou seja, ninguém ouve ninguém.

A questão é principalmente educacional e, portanto, não prescinde do empenho dos familiares, pedagogos, religiosos, militantes comunitários, profissionais da mídia e da boa vontade das autoridades em promover políticas públicas de integração e de incentivo à educação, a par de uma legislação anti-discriminatória mais eficaz.

O caminho passa ainda pela busca individual de autoconhecimento, sem o qual jamais superaremos o automatismo que caracteriza nossas relações sociais. Reaprender a pensar e a conviver, imprimindo relevância ao diálogo e à aceitação da diversidade como fatores inalienáveis do desenvolvimento humano, são algumas das metas que se propõem para um melhor entendimento entre os homens.

*Resumo de Ensaio publ. in Thot 78/2003, pág.34/40.

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