sábado, 3 de janeiro de 2009

Ressentimento

A vida moderna, com seus perversos paradigmas de competitividade e consumismo, gera uma inadequação entre as possibilidades pessoais e as exigências ambientais, ou, melhor dito, entre a pessoa e seu ambiente.
O constante estado de expectativa, decorrente da tentativa de corresponder às imposições sociais potencializa nossa ansiedade existencial, revelando-se sob a forma de sentimentos dolorosos como culpa, inveja, solidão, angústia, raiva, impotência, frustração e muitos outros.
Entre as questões interiores mais mal resolvidas, causadoras de permanente estresse, destaca-se o ressentimento. Ressentir-se é magoar-se (no mais das vezes, à toa); é melindrar-se cada vez que a auto-imagem que construímos é abalada; é, enfim, sentir novamente - às vezes por anos a fio, ou por toda uma vida - todos os sofrimentos que a ofensa, real ou imaginária, nos causou.
Há alguns anos, a atriz
Beatriz Segall, em interessante entrevista, metaforizou bem a questão ao dizer que “ressentir-se é como patinar no mesmo buraco como a roda de um carro atolado". Para sair desse ‘buraco’ parece-me que é necessária uma mudança nos padrões de pensamento e, consequentemente, de comportamento, afirmando a necessidade de viver melhor o momento presente, sem carregar o peso adicional de um incidente que já passou e restabelecendo as relações em termos mais fraternos.
Culpa e ressentimento são formas cruéis de autopunição que precisam ser liberadas pelo perdão, para que se libere também a capacidade de sentir e gerar prazer, cuja busca, porém, não pode ser predatória e ilimitada. Caso contrário se tornará nova fonte de culpa, que nos fará entrar num círculo vicioso. O autoperdão nos permitirá o abrandamento necessário para conseguir perdoar o próximo.
Uma dica para exercitar o perdão é começar com doses homeopáticas, perdoando as pequenas coisas e as pessoas com as quais não temos maior envolvimento e lembrando-nos de que esse exercício é também em nosso benefício, pois ficaremos, no mínimo, mais tranquilos.
Descarregar as tensões diárias, ‘soltando’ músculos e articulações e tentando apaziguar nossos pensamentos por alguns minutos, alivia o peso dos problemas diuturnos, torna a vida mais leve, induz paz e bem-estar, propiciando o estado amoroso e a criatividade.

A vida no planeta seria altamente beneficiada se os ressentimentos e crises pessoais, que geralmente nos desestruturam, fossem encarados como molas propulsoras das transformações sociais. O grandioso trabalho de Gandhi em prol da humanidade, talvez não tivesse sequer sido iniciado, se ele não tivesse sofrido na carne a discriminação dos britânicos, a quem tanto admirara em sua juventude. Seria uma perda incomensurável para o mundo, se ele houvesse mergulhado na frustração e no ressentimento pelas graves ofensas recebidas.
Sem a pretensão ilusória de nos tornarmos Mahatmas, talvez pudéssemos tentar ser um pouco mais verdadeiros conosco mesmos, com o outro e até com o divino. Para citar apenas o cristianismo, por exemplo, lembro que quando oramos o Pai Nosso, pedimos ao Senhor que “perdoe as nossas ofensas, assim como nós perdoamos os nossos ofensores.

Perdoamos mesmo? Ou será que apenas repetimos automática e ingenuamente uma mentira até ao próprio Deus, que conhece nossos sentimentos mais recônditos? Se assim é, como queremos ser perdoados? Detectar é importante, mas não é suficiente. Há que praticar o diálogo honesto e o perdão, diuturnamente, de modo persistente, para sair do automatismo anestesiante em que estamos mergulhados. Há que reaprender a ouvir o outro, ou jamais sairemos do monólogo sem sentido, ressentido.
Mas, antes e acima de tudo, temos que aprender a ouvir e conhecer a nós mesmos, restabelecer relações com nosso ethos - nossa morada interior -, única construção com estrutura suficientemente forte para não se deixar abalar por circunstâncias passageiras. A inspirada frase de São Paulo sintetiza a questão: “Refugia-te em teu coração e não haverá ventania que possa derrubar-te”. Assim, alguns dos antídotos mais poderosos contra a culpa e o ressentimento –ou, eventual e indiretamente, contra a proliferação de doenças decorrentes do estresse que esses sentimentos produzem -, não se adquirem em farmácias. Estão potencializados dentro de nós, como poções mágicas colocadas gratuitamente à nossa disposição e suas fórmulas mais eficientes são o Amor - e amar também se aprende, pois implica a compreensão do outro e o autoconhecimento - e a tolerância, que importa paciência e perdão.

Resumo de Esnsaio publ. in Thot.

Cf. http://palasathena.org.br/produtos_descrição.asp?codigo_produto=71

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