terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Bom dia

PARTE II
Maria louca tinha os olhos saltados e uma risada sem motivo. Cobrou mais caro que um hotel de luxo. O quarto, imundo, causou em Cláudia uma sensação desagradável, um misto de asco e temor. - “Ao menos, tem chave”, consolou-se. Pensou em dormir sentada, pois a rede era nojenta, mas o cansaço a venceu.
Altas horas, acordou sobressaltada, com a impressão de ouvir fortes gemidos provenientes do quarto ao lado. A princípio, pensou que fosse imaginação, talvez ratos, já que havia muita sujeira ali. Segundos depois, porém, teve a certeza de que alguém pedia socorro, em tom baixo e profundo.
Abriu a porta devagar. O corredor, escuro, estalava a cada passo. Acendeu o isqueiro e queimou o dedo, soltando um gritinho. Bateu na porta ao lado, delicadamente, depois mais forte. Como ninguém respondesse, tentou entrar. Estava trancada. Tentou, então, duas outras portas, ambas fechadas.
O silêncio era rompido apenas pelo estalar do piso e por um “tic-tac” vindo de uma espécie de saleta no fim do corredor, protegida por uma cortina imunda presa de um lado por um imenso laçarote vermelho. Entrou. A um canto, uma lamparina lançava sombras fantasmagóricas. Quase tropeçou num “arranjo” de penas pretas, lambuzadas em um líquido vermelho, que exalava um odor estranho.
– “Que mau gosto”, pensou, fazendo instintivamente o sinal da cruz. Com o movimento, deixou cair o isqueiro sobre aquela “gosma” e não ousou resgatá-lo. Ao fundo, um banco alto fazia as vezes de altar, adornado com imagens e flores artificiais. Um despertador antigo, escorado por duas garrafas, devolveu-a à realidade. – “Graças a Deus, não era uma bomba” falou alto, inadvertidamente, assustando-se com o som de sua própria voz.
À luz da lamparina, verificou que os ponteiros do relógio marcavam exatamente 4 horas. Ao virar-se para sair, “Oh, Deus”, viu que uma cobra se enrolara junto à parede, bem próximo à porta. Saiu na ponta dos pés, para não despertá-la e, já no corredor, disparou rumo a seu quarto, trancando bem a porta. Quando conseguiu controlar as batidas de seu coração, ouviu um último gemido.
- “Esta vai ser a noite mais longa da minha vida. Onde se terá metido a velha louca? Estaria morta no quarto ao lado”? Sentiu um arrepio, espécie de premonição. – “Não, os sons eram masculinos, tinha certeza. A voz de dona Maria era esganiçada, não se parecia em nada com aquilo”.
Passou o restante da madrugada a maldizer Marcos, rezar, pensar se a família já teria descoberto seu desaparecimento, sem conseguir concatenar as ideias. Parecia um sonho, uma alucinação. De repente, percebeu que já clareara e havia ruídos lá fora. - “Meu carro”! E saiu correndo.
Um caminhão à porta, parecia trazer mantimentos. O caminhoneiro e dona Maria conversavam. Afobadamente interrompeu-os e passou a descrever os acontecimentos noturnos. A velha abriu a boca, numa gargalhada estridente. - “Que bobagem, filha, eu nunca tranco portas e não tinha mais ninguém em casa esta noite. E, fique sabendo, eu morro de medo de cobras. Deve ter sonhado”.
O caminhoneiro, penalizado, quis confirmar. Percorreram todos os cantos da casa. Nada. As portas dos quartos estavam empenadas, mas abriram sem grandes esforços. O estranho arranjo da saleta desaparecera sem deixar vestígios e a cobra ... transformara-se em nada mais que um simples pedaço de corda enrolada.
- “Não lhe disse?”, esganiçou Dª Maria, tentando ser simpática. “Venha tomar um copo de leite quente que passa tudo”. O copo cheirava a cachaça, mas engoliu todo o conteúdo e ainda aceitou uns bolinhos de mandioca amanhecidos, pois ainda teria que enfrentar a estrada e fizera um jejum forçado, desde a véspera.
O caminhoneiro, Mário, era muito gentil. Tinha gasolina e ia voltar, após as entregas, até a estrada de onde ela havia partido. Não podia dividir o combustível, mas possuía uma corrente muito forte e poderia rebocar o carro de volta, até encontrarem um posto.
- “Se eu contasse, ninguém acreditaria”, pensou, respirando aliviada ao avistar a casa da fazenda, horas mais tarde. Claro que omitiria a noite passada com Marcos.
Estranhou a porteira aberta. Na curva que levava ao casarão, avistou diversos carros estacionados. - “Nossa, vou levar a maior bronca do mundo”.
Quando estacionou, Benedito, o caseiro, acorreu solícito. Ao tentar andar em direção ao casarão, percebeu que ele procurava retê-la.
- “A família não conseguia encontrar a senhora”. – “Calma, Benê, está tudo bem, eu seguro as pontas”.
- “O problema não é com a senhora, dona Cláudia. É ... o seu avô”. - “O que há com vovô?”.
Cautelosamente, Benê respondeu: - “É que ontem ele passou mal, ali pelas duas horas da tarde”. – “Chamaram o Dr. Guido?”. - “Ele não deixou. Disse que quando a senhora chegasse, ele se sentiria melhor. Tentamos ligar para o seu celular, mas ninguém atendia”.Estremeceu, com ódio do Marcos. - “Mas e daí, ele não melhorou?” – “Parecia que sim, estava até alegrinho, mas de madrugada ele piorou e ... não resistiu. O doutor disse que foi um infarto. Morreu às quatro da manhã, chamando pela senhora.

Leia desde o começo acessando o link: Parte I

Nenhum comentário: