quinta-feira, 26 de março de 2009

Do Purgatório à Transcendência (via Meditação)


Há muitos anos, assediada pela criatividade, mas ainda confinada num labirinto mental que faz “do cotidiano um eterno purgatório”, para usar a expressão do sociólogo Morris Berman, assim concretizei poeticamente meus tormentos:

O BARCO ESTÁ AFUNDANDO
E EU SEQUER SEI NADAR.

Bem mais tarde, “descobri” a meditação e ... aprendi a nadar, embora às vezes passe perto de morrer afogada.
Mas, afinal, o que é meditar? Como já disse algures, conceitos existem às mancheias. Técnicas, ibidem. Ensinam-se procedimentos facilitadores (muitas vezes complicadores) ou indutores de um estado meditativo, cujo conteúdo deverá sempre caber ao praticante, ou será simples manipulação autoritária.
Não há fórmulas que se adaptem ao caminhar, que é essencialmente subjetivo. Não há sequer caminho, dizem os grandes mestres, pois tudo é Ilusão (Maya) desde a manifestação primordial (Trimurti). Há, porém, que trilhá-lo todo, até que se possa apreender a veracidade dessa afirmação, que se assemelha a um koan (proposição aparentemente ilógica utilizada pelo budismo japonês para romper condicionamentos mentais lógico-lineares dos discípulos).
A saída dessas proposições – metafóricas ou não -, em geral é muito clara, quase óbvia, como no caso do nó górdio que, impossível de ser desfeito, sucumbe à simples pressão de uma tesoura. É nossa ansiedade em solucionar racionalmente a questão que se torna um obstáculo à compreensão, ou seja, é nossa cegueira que nos impede de encontrá-la.
Embora avessa a conceitos, tenho adotado, como ponto de partida possível para que se tenha uma noção do que é meditar, uma adaptação da feliz concepção que o terapeuta-escritor Rollo May utilizou para a idéia de liberdade. Ensina ele que a liberdade se encontra no exato instante que medeia o estímulo e a resposta.
É esse, a meu ver, o ponto de mutação, o espaço (de tempo) que possibilita o “salto quântico”, o momento em que se dá o livre-arbítrio e eu posso “me-ditar” a ação autêntica - liberta de injunções externas e dos condicionamentos que levam à resposta automática, inconsciente, reativa -, num auto(re)conhecimento de minhas próprias potencialidades.
Essas pausas de disponibilidade ou momentos de vazio no fluxo da consciência são os “lapsos de transição” de que já nos falava o inefável William James que, há um século, abria caminho para a ampliação do conhecimento sobre a alma humana e para o surgimento das novas disciplinas da consciência.
Deepak Chopra, médico e pensador indiano parece corroborar com James ao afirmar que “antes de a mente adormecer, abre-se um rápido vazio”, assim como “entre cada pensamento existe um lapso de silêncio”. Também valido, em princípio, o ensinamento krishnamurtiano de que a meditação é capacidade cerebral, “do cérebro que se libertou do seu condicionamento e, portanto, está funcionando como um todo”.
Meditar, portanto, é um estar-disponível à inspiração e à transcendência, a qualquer momento e em qualquer lugar, desapegado dos estímulos externos que nos induzem a um permanente estado re-ativo. É ser livre no claustro ou no cárcere, é manter-se íntegro numa cultura fragmentada e fragmentadora.
A meditação pode, indubitavelmente – e o afirmo por experiência própria, a par de incansáveis pesquisas, quer literárias, quer “de campo” -, levar a estados alterados de consciência, entendidos como estados de transcendência, facilitadores do acesso a um nível transcendente da existência. Cabe lembrar que aqui “transcendência” é vista sempre como uma condição que pode levar ao transcendente.
Como afirma o experiente investigador Ken Wilber, a “meditação é, na verdade, um caminho instrumental sustentado de transcendência” (...) “é transformação”. Investigadores ocidentais têm atribuído a esses estados as mais variadas denominações, como “transe místico”, “experiência mística”, “mergulho no vazio”, “estado expandido de consciência”, “estado de iluminação”, mas todos falam do mesmo.
De acordo com o famoso psicólogo Abraham Maslow, nessas “experiências de pico” a autoconsciência se perde, deixando para trás os medos, tensões, dúvidas e fraquezas. Há uma identificação com o Todo, mais familiar aos orientais, que a conhecem como samadhi (hinduismo) ou nirvana (budismo). Essa é a entrada no silêncio da alma.
No meu entender, a grande questão não é chegar a esse(s) momento(s) de hiper-consciência, mas retornar com humildade aos labores e relacionamentos do cotidiano, sem nos perdermos novamente em seus “ruídos” e nas indefectíveis armadilhas do ego.

*Terceiro capítulo da Primeira Parte de meu livro, ainda inédito, intitulado "Micro-ensaio sobre a Consciência".

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Su. Como sempre muito profundo seu artigo. Talvez até profundo demais para a maioria...
Bjs. Silvia.

Suzete Carvalho disse...

Obrigada, Sílvia. Cada pessoa interpreta o que escrevemos de acordo com sua própria experiência e isso nos enriquece a todos. O ideal seria que os leitores postassem depoimentos com suas vivências sobre os temas propostos, para que pudéssemos estabelecer uma troca de conhecimentos.
Sua página no site somostodosum também é muito interessante e inspiradora, especialmente na questão da cromoterapia. Soube que você também tem um outro site. De que se trata?
Abração.

Silvia disse...

Oi, Su. Tenho sim um novo site: www.fotosforever.com.br. É para divulgar um trabalho com livro de fotos que estou fazendo. Espero sua visita. Tenho, também, agora um blog para poder dialogar com quem tiver interesse:http://fotosforever.blog.uol.com.br.
Bjs

Suzete Carvalho disse...

Olá, Sílvia. Desculpe a demora em responder. Visitei e seu site e tenho a certeza de que será um sucesso. Na próxima visita explique mais a respeito desse trabalho a meus leitores. Beijos.