terça-feira, 31 de março de 2009

Ser e Tempo

Martin Heidegger, filósofo alemão autor do famoso “Ser e Tempo”, dizia que ao nascer, “somos lançados ao mundo”, portando apenas o que ele chamava de “pré-compreensão”.
De alguma forma, esse enfoque corresponde à visão oriental de que todos nascemos com “pré-disposições” ou tendências que podemos aprimorar ou reprimir no decorrer da existência.
Por serem filosóficos, ambos os pontos de vista mantém um enfoque psico-mental da questão, ou seja, preocupam-se com a forma como vamos sentir e compreender, como vamos interagir com o mundo, vida afora.
Por outro lado, a biologia tenta definir nossa herança genética, vale dizer, as características que, transmitidas por nossos ancestrais, foram impressas em nossos gens e nos acompanharão enquanto vivermos, ainda que não se manifestem.
O conjunto dessas características físicas, psíquicas e mentais, forma a nossa bagagem. São as primeiras roupagens que trazemos para nos adaptar a esta nova dimensão da vida: a existência no mundo.
Estas divagações filosóficas me trouxeram à memória a história de um amigo que, embora não falasse inglês, emigrou corajosamente para os Estados Unidos com uma pequena mala de mão e alguns dólares.
O mês era dezembro e o inverno rigoroso. As roupas, tropicais, serviram para os primeiros dias, vestidas umas sobre as outras. Dinheiro acabando, a opção foi um emprego de carregador, cujo primeiro salário “graças a Deus, semanal”, serviu para a compra de dois pares de meias de lã e um bocado de chocolate.
Trabalhando duro, levou longo tempo para juntar o suficiente para a passagem de volta. Ao retornar, confidenciou-me:
“Quando desembarquei naquela terra, tudo era estranho. Me senti como um bebê, entre deslumbrado e apavorado. A bagagem que levei era insuficiente para que eu pudesse progredir sozinho, sem um sorriso de incentivo e um ombro amigo pra chorar.”
Acho que meu amigo tinha razão: afora o leite, o que um bebê mais precisa, ao ser lançado nesta terra estranha, é de calor humano. Disso dependerá seu progresso como Ser. O resto é questão de Tempo.

* Publ. in “Revista do Ypiranga” nº 119, jan/fev/2003, pág.7.

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