quinta-feira, 21 de maio de 2009

O SITUAR-SE

Uma das situações mais difíceis e estressantes que o ser humano pode enfrentar na vida é sentir-se perdido.
Saber onde estamos requer um estado de atenção que nos permita compreender a posição do outro e a nossa própria. Saber como estamos, implica reconhecer-nos como seres humanos, passíveis de limitações e condicionamentos, fraquezas e defeitos, mas também qualidades e potencialidades.
A real compreensão de nossa situação, seja física, social ou planetária, requer uma observação isenta de julgamentos egóicos, que leve em conta o outro, seja ele quem for.
Enfim, entender porque estamos como estamos, requer a compreensão de que estamos todos inseridos numa complexa estrutura planetária, biológica, cultural e social, que envolve necessariamente aspectos históricos, éticos e psicológicos, no mínimo.
O principal condicionamento mental a que estamos tradicionalmente submetidos é o do pensamento lógico-linear, fruto de uma tradição patriarcal e individualista, que fragmenta a realidade em compartimentos estanques, sem levar em conta a riqueza das diferenças, separando áreas de conhecimento e os próprios seres.
Esse padrão mental, também chamado aristotélico ou cartesiano, tem como característica básica a bipolarização do ser e do saber, pois alimenta arcaicas dualidades como certo/errado, bem/mal ou bom/mau, bonito/feio, amor/ódio ou apego/rejeição, rico/pobre, corpo/mente, homem/natureza, etc. Não somos "isto ou aquilo", mas "isto e aquilo".
Há que levar em conta ainda que competitividade, alienação comodista e consumismo são alguns dos perversos elementos que, baseados na idéia de que a toda causa corresponde um efeito, ou seja, que “cada um tem o que merece”, justificam o autoritarismo e a violência, reforçando a milenar noção de culpa (crime e castigo) e os preconceitos que nos foram introjetados pelas tradições religiosas, familiares e culturais, formando a ideologia da dominação.
O desenvolvimento técnico e a submissão a uma Economia de Mercado globalizada, foram a contribuição final desse pensamento linear, para a crise generalizada que estamos atravessando e que se traduz num aumento progressivo da miséria, drogas, desemprego, corrupção, abandono de menores, criminalidade e mortalidade entre os jovens, desrespeito aos direitos humanos, enfim, numa inversão (ou mesmo perda) total dos mais básicos valores humanos e universais.
Reconhecendo que os parâmetros do pensamento centrado exclusivamente na razão humana são insuficientes para solucionar os problemas dele mesmo decorrentes, hoje se propõe a mudança desse arcaico padrão mental para um paradigma ecocentrado, que leve em conta também a necessária participação relacional entre a natureza, seus seres e saberes, na harmonia do todo sistêmico em que estamos inseridos.
Esse pensamento sistêmico dá elasticidade ao racional, instituindo a possibilidade do "talvez" como contra-ponto às certezas e admitindo a intuição, a sensação, a experiência, a sincronicidade e o insight, como fontes complementares de um conhecimento mais holístico – do grego holos (todo) -, transdisciplinar e dialógico (fundado no diálogo entre as partes a partir do todo e o todo a partir da harmonia destas).
Essa dialeticidade é fundada no reconhecimento da interdependência entre todas as coisas, que a teoria da complexidade (de “com” + plexus = “o que está tecido junto”) encampou dos antigos ensinamentos que apresentavam o mundo como uma imensa e dinâmica teia ou rede de relacionamentos necessariamente interconectados.
O resgate dessa noção faz repensar em todos os níveis o papel perverso do individualismo competitivo e reintroduz os conceitos de alteridade e altruísmo (de alter = outro), cooperação, diversidade e co-participação como imprescindíveis não somente à harmonia social, mas também à harmonia de todas as espécies e, destas, com a natureza.
Socialmente, esse repensar o próprio pensamento, que já se reflete em palavras e atitudes dos mais atentos, leva diretamente à busca de soluções para os graves problemas de exclusão que vitimizam as chamadas minorias que, constituindo na verdade a esmagadora maioria da população, revelam uma das grandes ambigüidades do racionalismo-lógico.
Pobres, negros, mulheres, idosos, analfabetos, servidores públicos, crianças carentes, homossexuais, portadores de deficiências físicas ou mentais, entre outros, formam a massa dos excluídos de sempre, curvando-se à dominação político-econômica de pequenos grupos de privilegiados, beneficiários únicos de uma cidadania irrestrita.
Por outro lado, já não basta repensar nossas relações com a natureza, com vistas à preservação e sustentabilidade dos ecossistemas, reciclando materiais descartáveis, replantando árvores, reaproveitando água, economizando energia e materiais não renováveis. Faz-se urgente e primordial investigar todas as possibilidades para reverter o trágico quadro de degradação ambiental e climática que já vislumbramos, e investir em projetos viáveis a curto prazo, para garantir um mínimo de dignidade à vida.
Nesse contexto cabe não apenas aos dirigentes e cientistas, mas também e principalmente aos pais e educadores, reavaliar o importante papel que desempenham na construção social e na sobrevivência do planeta, levando em conta os novos paradigmas que se impõem à formação responsável das gerações mais jovens.


* Edição de palestra ministrada em 2001 para professores da Rede de Ensino Fundamental.

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