segunda-feira, 29 de junho de 2009

ENTREGA

Semana passada, assistindo pela internet um trecho de um dos desfiles da Fashion Week em companhia de minha neta de 6 anos – que tem pequenas experiências em propaganda e desfiles de moda mirim –, fiquei encantada com sua “madura” observação sobre a postura da super-modelo Gisele Bundschen: “Vó, você viu como ela é diferente das outras? Parece que vai voar, né?” Em seguida, vendo a modelo fazer meia-volta ao final da passarela, concluiu: “Ah, ela desfila voando e dançando!”.
Nos últimos dias, assistindo aos documentários sobre a morte de Michael Jackson - cuja tônica era a busca da perfeição estética -, lembrei dos comentários de minha neta. Ele não era simplesmente um cantor, também dançava e “voava”, entregando-se de corpo e alma ao ideal que abraçara. Infelizmente faltou-lhe equilíbrio e ele “dançou”.
Qual o elo que faria com que dois ícones tão diferentes entre si se sobressaíssem do restante de nós que acreditamos fazer o melhor possível para concretizar nossos ideais? Porque esses dons que nos foram magnanimamente distribuídos, a todos e a cada um de nós, nas mais diversas áreas da atividade humana, ficam em geral aprisionados na mediocridade do cotidiano?
Porque nosso pensar é tão pequeno e nossos medos e inseguranças tão grandes? Porque nos envolvemos em culpas e mágoas e nos deixamos afetar com tanta intensidade pelos pequenos fracassos e dilemas do dia-a-dia, a ponto de comprometer nossos relacionamentos, nossos sonhos e tantas carreiras promissoras? O que mais nos falta a nós, pobres mortais, tão racionais e, portanto, desprovidos de “asas”?
Minha conselheira Dona Nena, a quem sempre recorro nesses momentos de reflexão, não se faz de rogada e logo vem em meu socorro: - “Falta-lhes entrega, minha filha”. Mas, alerta com sabedoria, “nunca se esqueça que a paixão ou entrega total – seja a um ideal terreno ou divino - requer também um desapego total, o que não implica, veja bem, nenhum desrespeito ao outro ou às leis que regem a convivência social”.
Percebendo certa ambigüidade em seus conselhos, rebato: - “Mas como pode alguém se desapegar de sua família, por exemplo, sem desrespeitá-la?”. – “Entregar-se é ser o que se é, dedicar-se integralmente, dar-se, doar-se, render-se a algo, independente das expectativas de quem quer que seja, inclusive nossos familiares. Preenchê-las faz parte de nossos condicionamentos culturais, que nos fazem confundir respeito com submissão”.
Ainda insegura, começo a compreender o quanto a questão é complexa, como o é a própria vida, repleta de ambiguidades e paradoxos. – “E onde fica o amor nisso tudo?”, ouso ainda perguntar. – “O verdadeiro amor é um estado de espírito que não se deteriora na convivência com a paixão, podendo até estimulá-la, em sua grandeza”.
Se bem compreendi os profundos ensinamentos, entregar-se totalmente requer a coragem dos heróis (ou a “loucura” dos amantes) e não é por outra razão que projetamos naqueles que levaram os seus (nossos) sonhos às últimas conseqüências, toda a nossa paixão (e a nossa inveja). Alçar-se em livre vôo vida afora é transcender (fazer “dançar”) condicionamentos arraigados que nos amedrontam e nos limitam a pensar pequeno e cultivar heróis. Talvez, por tudo isso, se diga que cada um – ser humano, sociedade ou civilização – tem o(s) herói(s) que merece.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Se me fosse dado

Se me fosse dado decantar
tormentos e atrevimentos
e se me fosse dado flutuar
qual penas e melenas
ah, se me fosse dado transbordar
paixões angústias ilusões do fado
eu reencantaria todas as loucuras
viagens sonhos e passagens
e eu daria um toque de Mecenas
a todo desgraçado abandonado
e então desataria e refaria
os nós e passos dados no passado.

Não é o que fazem todos os poetas?

domingo, 21 de junho de 2009

Porque se foram?

Tangentes do meu destino
que remotas perdidas plagas
os engoliram a vocês que flores
semearam em meus campos?
Porque se foram? Porque me fui?

Onde andam vocês queridos meus
que um dia sentaram à minha mesa
e comeram do meu mel e do meu fel
e comigo riram e sofreram?
Porque se foram? Porque me fui?

Olhares sorrisos consolos meus
de priscos tempos e contratempos
de pesquisas e paixões de sonhos
e ilusões andanças meditações.
Porque se foram? Porque me fui?

Não culpas ressentimentos
e tantos outros tormentos
saudade e amor somente
a tantos bons seareiros
queridos entes parceiros.

Porque se foram? Porque me fui?








sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ruídos de comunicação

Hoje tive uma experiência interessante, que me fez repensar minha própria postura social, especialmente por ter ocorrido logo após eu haver postado a matéria anterior, a que denominei “Sociopatia, o mal do século?”. Pois bem, ainda sob o impacto de meus próprios argumentos, desliguei o computador (meio contra a vontade) e me dirigi a uma loja de calçados onde na véspera encomendara uma sandália do tipo “crocs” (ou coisa que o valha), pois esquecera os chinelos em casa.

A propósito, escrevo do Guarujá, cidade à qual recorro quando minha saúde e minha alma estão necessitando de um relax, mas devo confessar que, além dos chinelos havia esquecido também de deixar em São Paulo as tensões cotidianas, das quais acreditara que o mero afastamento físico me libertaria.

Mas, vamos aos fatos. Ontem, cansada dos tênis e à falta dos chinelos, optei por andar descalça (ou melhor, de meias) pelo apartamento, mas senti que a friagem nos pés me incomodava ainda mais. Dirigi-me, então, ao Shopping “La Plage”, onde encontrei uma sandália que preenchia minhas necessidades até com certa vantagem. Mas a famosa Lei de Murphy logo se fez presente e, decepção, não havia o meu número. Edinho, simpático vendedor, logo se propôs a solicitar a minha “numeração” em outra loja do grupo, garantindo: - “Hoje mesmo,” (ontem) “ à tarde, a sandália já estará aqui”. – “Se você me der certeza, amanhã venho buscá-la”, respondi, certa de que havíamos estabelecido um compromisso.

A seguir, vi a mesma sandália numa loja próxima, mas declinei da sugestão da também amável vendedora, que se propusera a providenciar o meu número na mesma tarde: “É que eu já me comprometi com o vendedor de outra loja e não seria justo fazer a mesma encomenda a ambos. Se você tivesse minha numeração agora, eu poderia comprar, pois teria tempo de avisá-lo”.

Pois bem, hoje, fiel à minha palavra – apesar de já estar me acostumando e até gostando de andar sem os benditos chinelos - parei meus escritos a contragosto, conforme disse acima -, e me dirigi à loja, na certeza de encontrar a encomenda à minha disposição, mas... “ingrata surpresa!”, fui informada não apenas de que as benditas sandálias não haviam chegado, mas também de que, como Edinho estava de “folga”, as vendedoras não sabiam informar o que havia acontecido. Gentilmente, a funcionária que estava no caixa, propôs: - “A senhora não poderia esperar um pouco, para ver se conseguimos providenciar outro par?”, tendo recebido um sonoro “NÃO” de minha parte.

Decidida a postar uma crônica que intitularia “Ética x Ingenuidade”, me dirigi a uma cafeteria próxima, em busca de um café e um chocolate, conhecidos antídotos ao enfezamento (e uso propositalmente este termo, apesar de dele desgostar, por conhecer-lhe etimologia). Mal me acomodara, quando percebi que a citada funcionária vinha em minha direção, com um olhar bondoso, mas ainda um tanto assustado: - “Se a senhora ainda quiser, nós já conseguimos as sandálias”.

Voltei à loja, onde fui acolhida por quatro sorrisos que competiam em beleza com suas próprias portadoras, cujos olhos continuavam a denotar um certo receio de outra possível reação anti-social de minha parte. Mayara, Gislaine, Ieda e Ingrid somente ficaram à vontade quando as convidei para me ajudar na escolha de um novo título à crônica que eu já decidira escrever, mas cujo teor repensei em vista da doçura e paciência das quatro jovens vendedoras que, apesar de não possuirem a mesma bagagem cultural que meus estudos me permitem ostentar, nem a experiência acumulada pela idade, me deram uma lição de civilidade ao concluir que tudo não passara de um simples “ruído de comunicação”.

Entreguei a elas o endereço do blog, com o convite para que postem um comentário, o que me deixaria muito honrada.

Sociopatia, o mal do século?

Tenho uma prima, Alzira, artista consagrada na arte do Origami, que entre outras muitas qualidades tem o dom (aquele “faro”, do dizer popular) de garimpar livros especiais que generosamente faz chegar às nossas mãos, enriquecidos com anotações e recortes de publicações referentes ao tema, sejam de críticos especializados, sejam do próprio autor.
Dentre as obras que me chegam por esse caminho privilegiado, sempre acabo me deparando com algum texto que “cai como uma luva” para enriquecer (aquecer) a matéria sobre a qual estou trabalhando no momento. Haja sincronicidade!
É o caso de “Quinta-Coluna, uma coletânea de crônicas do psicanalista Contardo Calligaris, renomado colunista de alguns dos veículos midiáticos mais influentes no país. E foi na crônica “O Sociopata, nosso vizinho” que encontrei fundamentação técnica, já que não sou especialista na área, para aprimorar minha própria crônica – que estava decantando – a respeito do assunto e até para ousar propor a tese da sociopatia como o mal do século. E isso não se restringe ao Brasil.
Ora, se a ausência de consciência moral é o pressuposto básico da sociopatia – a despeito da complexidade de interpretações que a expressão comporta -, basta olharmos ao redor para notarmos o quanto (quase) todos nós somos inconscientes de nossa responsabilidade com relação ao sofrimento do outro, individualistas, egoístas, egocêntricos que somos em nossos comportamos cotidianos, sem sentirmos qualquer remorso.
Seja dito a bem da verdade, que a maioria mantém ainda fortes vínculos afetivos e “protetivos”, especialmente para com os próprios familiares e amigos, o que, digamos assim, nos põe a salvo de um “enquadramento” técnico-psicológico mais sério: a psicopatia estrito senso, subavaliada, a meu ver, pelas estatísticas, em 4% da população mundial. I
Mas o fato é que nossos comportamentos “sociopáticos” são bem menos ocasionais do que imaginamos, principalmente quando extrapolam o círculo fechado de “nosso” entorno afetivo, aliás, baluarte passível de progressiva extinção em decorrência do recrudescimento das falhas morais da sociedade como um todo, que levam à miséria, ao consumo de drogas e, consequentemente à violência doméstica.
Enfim, sem pretender generalizar, eu diria que o sociopata a ser enfrentado é aquele que mora em nós e não na vizinhança, consubstanciado na frase que ouvi de um amigo: “Antes ser sociopata, do que neurótico, pois já que alguém tem que sofrer, que seja o outro e não eu”. Quiçá a meditação pudesse nos auxiliar a detectar essas invasões antes que se façam usufrutuárias de nossas almas.
Quanto à inspiradora desta crônica, prima-irmã por quem nutro um sentimento que extrapola a admiração e a própria afetividade, beirando a paixão, sinto que ainda não tenha tido oportunidade (como, ademais, praticamente todos os meus parentes e amigos de infância), de postar críticas, depoimentos e sugestões no blog, pois seus comentários seriam de extrema relevância.
Meu pai, outra de minhas paixões, tinha como uma de suas frases lapidares, a de que “santo de casa não faz milagre”, mas, nesse caso, prefiro discordar dele, pois ao contrário do que possa parecer, dado o teor da crônica, sou sim otimista, acredito no amor e parafraseando Cervantes: “Não acredito em milagres, mas que existem, existem”, inclusive (ou principalmente) o dos “santos” caseiros.
Namastê.

Nó Górdio III

Nó górdio III


Em resposta a comentário postado hoje a respeito da matéria do último dia 10, intitulada “Basta uma palavra”, prometi explicar aos leitores porque costumo adotar o cumprimento hindu “Namastê”.
Em primeiro lugar, poderia afirmar que o fato da Índia “estar na moda” não tem a ver com isso, já que uso essa expressão há quase vinte anos, mas fiel à minha convicção de que há uma necessária interconecção entre todas as coisas, seres e saberes, acredito que há, sim, uma relação entre esses fatos.
Pois bem, o Namastê (ou Namaskar, como se diz no norte da Índia), que muitos de nós temos escutado diariamente pela boca dos vários personagens que compõem a ala indiana da novela “Caminho das Índias” tem o significado aproximado de: “O divino que habita em mim, cumprimenta o deus que vive em você”, ou seja, oferecemos o melhor de nós ao que há de melhor em nosso interlocutor. Em suma, um reconhecimento da riqueza interior do outro, a quem oferecemos nosso profundo respeito.
Acredito que haja nos antigos ensinamentos uma sabedoria transcendental (condição para o transcendente) que em geral escapa à nossa racionalidade, já que encarados como mera “mitologia” ou mesmo como filosofias e religiões ultrapassadas ou supersticiosas, como faz parecer, por exemplo, a abordagem superficial que faz a novela, das complexas tradições culturais hindus.
É o caso, por exemplo, dos inúmeros deuses (com minúscula, mesmo) e avatares, tantas vezes simbolizados por animais, que se nos afiguram como “aberrações” debitadas à conta da ignorância que campearia aquela sociedade, haja vista a divisão de castas e a miséria da população.
Um amigo querido, culto, inteligente e muito racional, foi categórico: “Um deus macaco? É um absurdo. Isso eu não aceito”. Infelizmente, não tivemos oportunidade de discutir o assunto e aproveito para adiantar minhas desculpas por abordá-lo indiretamente, mas já que o tema de certa forma se relaciona com o objeto desta matéria, vamos a ele.
Em síntese de um Ensaio sobre Ghandi, postada em 23 de março, abordei o pseudo-politeismo das principais religiões da Índia, cujo panteão é encimado por Brahman, o Deus absoluto, do qual a trimurti formada por Brahma, Vishnu e Shiva, nada mais significa do que Suas principais manifestações: de Criador (do Universo), Mantenedor (do espírito) e Transformador (da vida).
Por outro lado (apenas para fins didáticos e, portanto, sem pretender estabelecer qualquer espécie de comparação), poder-se-ia dizer que, assim como as religiões “reveladas” convivem, por exemplo, com Virgens (Maria, no cristianismo e huri, no islamismo), anjos, arcanjos e serafins, o hinduísmo também propõe toda uma hierarquia de seres intermediários a serem cultuados.
Há, porém, que se considerar aqui, o pragmatismo dos sábios a quem competia estruturar e transmitir todo esse conhecimento às antigas civilizações que, assoladas pela fome e por condições climáticas peculiares (calor escaldante e ausência de chuvas na maior parte do ano), ameaçavam dizimar sua fauna – na qual se releva o fecundo gado vacum e as variadas espécies de símios -.
Ora, uma vaca abatida sem condições de preservação de sua carne, alimentará apenas algumas pessoas por um dia, quando, então se deteriorará, ao passo que, mantida viva, pode possibilitar a obtenção diária de leite por uma média de vinte anos. Já, quanto aos macacos, os sábios da antiguidade -assim como os judeus em relação ao dogma que proíbe a ingestão de carne de porco -, conheciam o perigo de contaminação que seu consumo representava.
Considerada a profunda influência da religião sobre uma população debilitada e inculta, fácil será depreender a opção mais lógica à sobrevivência de todos: tornar sagrados esses animais. E, nesse caso, haveria forma (ou fórmula) mais convincente do que a “eleição” de (mais) um deus, agora à imagem e semelhança daqueles que se pretende sacralizar? Será que esse meio (manipulação da fé) não justificaria os fins almejados (a saúde e a própria sobrevivência do povo indiano)?
Em sã consciência, será que se poderia afirmar não haver nenhuma espécie de manipulação por parte dos dignitários de religiões ocidentais que afirmam a existência do demônio, um ser maligno ornado com chifres, cauda e terríveis olhos de fogo, no qual tantos de nós fomos levados a acreditar não obstante nossa decantada racionalidade?
Por tudo isso, queridos leitores, apresento a debate Hanuman, o macaco amigo de Siva, herói do Ramayana, famoso épico da mitologia hindu, elevado da preliminar condição mitológica de rei (dos macacos) à categoria de semi-deus, ou deus-macaco num riquíssimo panteão, metáfora da ubiquidade da manifestação divina.
Convoco os leitores a me auxiliar a tentar desatar alguns dos nós górdios “envolvidos” nessa questão. Algumas sugestões: O(s) nosso(s) preconceito(s)? Nossa excessiva racionalidade? Nossa ignorância sobre as metáforas contidas nas mitologias, dentre as quais se destacam os próprios Evangelhos e suas parábolas? Nossa própria credulidade? Nossos condicionamentos culturais?
Namastê.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Poluição

Não suporto esse cinza
Que tudo recobre
Que tudo encobre e interpenetra.
Eu busco um tom azul a lembrar o
Infinito.
Mas minhas vistas não
Conseguem atravessar o
Plúmbeo Maldito
Que tudo envolve qual aura sinistra
Do monstro da matéria
Que não tem futuro.
Finito.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Basta uma palavra

Sou sujeita a “surtos de inspiração” e é nesses momentos que me recrio, mas depois que comecei a escrever “profissionalmente”, algumas das matérias publicadas aqui e ali, foram encomendadas pelos respectivos editores. Acredito que o resultado dessas encomendas possua algum valor, porquanto produto de pesquisas - às vezes árduas -, mas não percebo nesses escritos aquele algo mais que pertence ao campo da experiência pura ou mesmo da imaginação.
Não obstante, sinto um prazer inefável em “trabalhar” provocações filosóficas, que me transportam às arrebatadoras viagens pelos clássicos, que me garantiram um certo estofo literário; aos momentos de recolhimento devoto que os livros sagrados propiciam; às desconfortáveis carteiras escolares que me disciplinaram a uma escrita legível (e inteligível); às cadeiras bambas dos seminários de pós-graduação e às aconchegantes poltronas dos auditórios das incontáveis palestras, workshops, fóruns, congressos e outros tantos encontros transdisciplinares, dos quais participei, como ouvinte, debatedora, mediadora, oradora, “ora/ora”.
Dessas quase seis décadas de vivência voltada mais ao intelecto do que ao físico, embora ambos obviamente se complementem, sobrelevam os relacionamentos e diálogos com os companheiros, que me tornaram mais apta a reconhecer a riqueza que subsiste em cada um de nós, oculta sob a humilde timidez de tantos ou os egos inflados de outros tantos co-participantes desse imenso laboratório de análises culturais.
Mas não foi apenas o privilégio de conviver direta ou indiretamente com algumas mentes brilhantes que aguçou em mim o interesse e o respeito pelo outro, seja ele quem for, mas sim a “descoberta”, produto da intensa observação de meu entorno cotidiano nos mais variados ambientes, de que a experiência vivida, independente da escolaridade ou aptidões pessoais, traz em si uma sabedoria aos homens e mulheres de todas as idades que não pode ser desperdiçada, pois enriquece a humanidade.
Assim, me entristece ouvir de amigos e leitores, que não se animam a postar comentários aos meus escritos porque “não têm o que acrescentar” ou porque não conseguiriam expressar-se com a mesma facilidade com que o faço. Seria o mesmo que não acender as lâmpadas da casa porque não somos técnicos e, portanto, deixar a família no escuro, não obstante todo o trabalho e estudos necessários às instalações elétricas.
Com certeza, cada comentário-crítico, sugestão de temas, depoimento de experiências vividas é um novo caminho que se abre ao diálogo ou mesmo uma luz no fim de um túnel que alguém pode estar atravessando às apalpadelas, tentando evitar tropeços. Como lembra minha eterna conselheira, Dona Nena: “Às vezes, basta uma palavra”.

De sapos e aperitivos pegajosos

Nos últimos anos, tenho tentado aprimorar meu paladar (interior), para deixar de “engolir” os alimentos amargos que a condição humana prepara e tantas vezes nos oferece, como – e cito apenas à guisa de exemplo - aqueles intragáveis aperitivos preparados com caviar suspeito (uma ova!, como diz um amigo irreverente) servidos em bandejas de prata, sob os olhos atentos (sádicos?) de pretensiosas anfitriãs.
Em vez de engoli-los (ou disfarçadamente descartá-los no vaso de flores mais próximo), tenho procurado degluti-los pausadamente, buscando apreciar ou, ao menos, reconhecer os vários ingredientes que compõem as elaboradas entradas de jantares que se pretendem sofisticados. Isso, desde que sua composição não leve carne, pois, Graças a Deus, tenho a desculpa – já aceita socialmente – de ser vegetariana, o que me salva de outros tantos petiscos indigestos.
Enfocando a questão sob outra metáfora, eu diria que estou tentando parar de engolir aqueles “sapos” que a convivência nos impõe, prodigamente, a todos. Ao contrário, tento beijá-los (aos sapos), na esperança de que se transformem em príncipes, mas devo dizer que não é fácil, pois ao pressentirem um mero sinal de asco - o que é normal, nessas situações -, esses animaizinhos saltitam como rãs (sem preconceito) – mirando minha garganta para entalar-se.
Enfim, poder-se-ia dizer, parafraseando Pessoa, que “conviver é preciso, viver não é preciso”. Mas há que saber navegar (e aqui sobreleva a sabedoria do poeta) pelos meandros da convivência – com seus mares revoltos -, para tornar suportável a vida. Domar nosso próprio ego e tentar abstrair dos sapos e aperitivos “pegajosos” que se nos apresentam, sabores e prazeres insuspeitados, é a quintessência do conviver.
Retirar os excessos de elaboração e ir ao âmago (os porquês) do comportamento do outro e do nosso próprio, sem pré-julgamentos (o pé-atrás, com que nos posicionamos para enfrentar situações difíceis nos relacionamentos), tem o condão de “abrir o gogó e desentalar o sapo” e então poderemos desfrutar dos inefáveis sabores que a vida – esta sim, uma dadivosa anfitriã - tem a nos oferecer.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O "estar-aqui"

A tendência racional ao reducionismo tem relegado à marginalidade, dentre outros, um dos maiores instrumentos que a alma possui para liberar-se do sofrimento que a confina: a meditação. Estar-aqui, disponível-agora ao conhecimento e à transformação, pronto a entregar-se e integrar-se, é o estado de espírito mais propício ao meditar.
Por estar ligada milenar e tradicionalmente aos ensinamentos místico-religiosos, o fato é que a meditação tem sido sistematicamente psicologizada por aqueles que desconsideram uma investigação mais séria do assunto, por sua subjetividade. São os ideólogos da mente.
Por outro lado, muitos a apreendem racionalmente, como mera reflexão, e acreditam-se entregues à mais profunda meditação ao concentrar seus pensamentos cansativamente sobre cada uma das eventuais possibilidades de solução de um problema, analisando-o à exaustão. Esta meditação reflexiva tem seus méritos, mas é insuficiente, pois, além de estressante, está condicionada viciosamente, como todo pensamento racional, a uma visão individualista, linear e fragmentadora da realidade.
Algumas tradições utilizam a meditação analítica como etapa de seus treinamentos, mas dela se diferenciam ab initio, pelos pré-requisitos exigidos, pelo objeto e pela meta a ser alcançada, pois sabem que se desmontarmos um lotus – e é isto que a análise faz -, beleza, significado e flor não mais existirão.
Psicoterapeutas transpessoais têm prestado, em geral, importante contribuição à desmistificação da meditação, introduzindo-a em seus trabalhos, mas se perdem ao ficar atentos a um eventual "surto psicótico", como declarou uma ex-aluna de Práticas Meditativas, terapeuta e autora de obra sobre transpessoalidade.
Este contributo epistemológico, se por um lado instiga o avanço da pesquisa, por outro pode mantê-la limitada ao consultório, como processo meramente terapêutico, agravado por uma “fundamentação empírica inadequada”, para usar a expressão dos estudiosos Roger N. Walsh e Frances Vaughan.
Há também quem a veja como mera técnica (milagrosa) para alcançar estados alterados de consciência, prescindíveis de disciplina, ética e discernimento, que teriam o condão de libertá-los de todos os sofrimentos humanos, transformando-os interiormente para todo o sempre, “amém”. Muita ingenuidade, pois, feliz ou infelizmente, não é tão simples assim.
Pseudo-conhecedores da(s) arte(s) meditativa(s), às vezes até muito bem intencionados (aliás, de boas intenções, diz-se, o inferno está lotado), se arvoram em instrutores, ditando pessoalmente ou em livros que transbordam das prateleiras esotéricas, modelos e regras rígidas de postura e respiração, que acabam, num extrapolar da intencionalidade, por causar problemas aos aspirantes, afastando-os das práticas, quando não da própria realidade.
Outros, leigos ou religiosos, mal interpretando as orientações simbólicas daqueles que já trilharam o caminho, exigem sadicamente uma rigidez cadavérica dos postulantes, instigando-os a controlar (dominar) corpo e pensamentos, sob férrea disciplina, bipolarizando – controlador/controlado – a energia. A consequência, em geral, é uma submissão mental que leva ao distanciamento da verdadeira entrega e amor, pontos apiciais da meditação.
Enfim, considerando os incontáveis pontos de vista que o "me-ditar" propicia aos estudiosos do tema e dada sua relação direta com a questão da consciência, objeto deste ensaio, tenho a meditação como pano de fundo da pesquisa e, portanto, a ela voltarei nos próximos capítulos.

*Transcrição parcial do Capítulo 2, da Parte I, de meu livro (ainda inédito) "Micro-ensaio sobre a Consciência".
**Sobre o mesmo assunto, cf. o Cap.3 do Livro, postado no blog em 26/03/2009, sob o título "Do Purgatório à Transcendência".

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Um ato de coragem

O poeta Diniz Gonçalvez Júnior, que desliza com maestria entre a concretude e a metáfora, aborda em uma de suas recentes poesias o “respirar” como “um ato de coragem”[1]. Embora tenha sido utilizada com conotação específica, já que se referia à poluição do ar que ronda a Avenida Paulista e seus arredores, a expressão me soou na plenitude de suas possibilidades metafóricas.
Viver é respirar e é também um ato de coragem em incontáveis circunstâncias. Ambientes há em que, se nos fosse dada a Graça de nos abstrairmos da vida, ainda que pelo tempo necessário à reconstituição do “ar” que nos circunda, com suas pegajosas formas-pensamento, maus-olhares e linguajares, nos entregaríamos de bom grado ao não-lugar, à não-vida, ao não-ser. Continuar a respirar nesses momentos, passa a ser, sim, um ato de coragem.
Também há momentos de dor extrema, física ou moral, em que nos perguntamos o porquê do respirar a que estamos indefectivelmente condenados neste caminhar rumo ao desconhecido. Estamos condenados a ser livres, diz Sartre. Mas, o que é a liberdade? E para usar uma das expressões emblemáticas do Mundo de Mercado, qual seu custo-benefício?
As Filosofias orientais, especialmente a budista, nos ensinam que libertar-se é transcender o sofrimento e que este é decorrente de nossa ignorância e de nossos apegos. Ignoramos que tudo é ilusão (maya) e nos deixamos algemar ao nosso próprio ego, aos bens materiais e às paixões, sem perceber a inconsistência de seus elos. Somos nossos próprios algozes, a inspirar sofrimentos desnecessários.
O estudioso Rollo May conceitua a liberdade (ou o silêncio) como o instante que medeia o estímulo e a resposta, ou, dizendo de outra forma, como o exato momento que se situa entre a inspiração e a expiração. Se ao inspirarmos (estímulo) pudermos nos entregar por alguns segundos à Voz do Silêncio (meditação), expiraremos (resposta) sabedoria, despoluindo o “ar” de nosso entorno.
Respirar, então, além de um ato de coragem (agir com o coração), passará a ser também um ato de consciência, de liberdade.

[1] Publ. em 25/05/2009, no blog www.desmemorias.zip.net