quarta-feira, 10 de junho de 2009

Basta uma palavra

Sou sujeita a “surtos de inspiração” e é nesses momentos que me recrio, mas depois que comecei a escrever “profissionalmente”, algumas das matérias publicadas aqui e ali, foram encomendadas pelos respectivos editores. Acredito que o resultado dessas encomendas possua algum valor, porquanto produto de pesquisas - às vezes árduas -, mas não percebo nesses escritos aquele algo mais que pertence ao campo da experiência pura ou mesmo da imaginação.
Não obstante, sinto um prazer inefável em “trabalhar” provocações filosóficas, que me transportam às arrebatadoras viagens pelos clássicos, que me garantiram um certo estofo literário; aos momentos de recolhimento devoto que os livros sagrados propiciam; às desconfortáveis carteiras escolares que me disciplinaram a uma escrita legível (e inteligível); às cadeiras bambas dos seminários de pós-graduação e às aconchegantes poltronas dos auditórios das incontáveis palestras, workshops, fóruns, congressos e outros tantos encontros transdisciplinares, dos quais participei, como ouvinte, debatedora, mediadora, oradora, “ora/ora”.
Dessas quase seis décadas de vivência voltada mais ao intelecto do que ao físico, embora ambos obviamente se complementem, sobrelevam os relacionamentos e diálogos com os companheiros, que me tornaram mais apta a reconhecer a riqueza que subsiste em cada um de nós, oculta sob a humilde timidez de tantos ou os egos inflados de outros tantos co-participantes desse imenso laboratório de análises culturais.
Mas não foi apenas o privilégio de conviver direta ou indiretamente com algumas mentes brilhantes que aguçou em mim o interesse e o respeito pelo outro, seja ele quem for, mas sim a “descoberta”, produto da intensa observação de meu entorno cotidiano nos mais variados ambientes, de que a experiência vivida, independente da escolaridade ou aptidões pessoais, traz em si uma sabedoria aos homens e mulheres de todas as idades que não pode ser desperdiçada, pois enriquece a humanidade.
Assim, me entristece ouvir de amigos e leitores, que não se animam a postar comentários aos meus escritos porque “não têm o que acrescentar” ou porque não conseguiriam expressar-se com a mesma facilidade com que o faço. Seria o mesmo que não acender as lâmpadas da casa porque não somos técnicos e, portanto, deixar a família no escuro, não obstante todo o trabalho e estudos necessários às instalações elétricas.
Com certeza, cada comentário-crítico, sugestão de temas, depoimento de experiências vividas é um novo caminho que se abre ao diálogo ou mesmo uma luz no fim de um túnel que alguém pode estar atravessando às apalpadelas, tentando evitar tropeços. Como lembra minha eterna conselheira, Dona Nena: “Às vezes, basta uma palavra”.

6 comentários:

Anônimo disse...

Oi Suzete
Quem escreve sente a tentação de Fausto/Goethe. Ele resolveu seus desejos(ou pelo menos tentou) com um estranho acordo com Mefistófeles. Que por sua vez o mostrou que tudo estava dentro dele mesmo.
Acho que nossa mente é assim mesmo. Um rede complexa, com conexões absurdas, um universo. Cada um de nós, um universo. Não há mesmo barreiras de títulos para o saber. O saber está em cada um de nós. É gratificante conhecer e trocar experiências. Você está corretíssima. São as pessoas que nos inspiram o que, por vezes, já estava em nossa mente. Como se cada gesto ou palavra nos despertasse para achar em nós o que já existia.
Você é mestre em mostrar a nós, seus leitores, que é preciso fazer este movimento. Ou como diz um psicólogo amigo "desenvolver" - que para ele é deixar de envolver, permitir a expansão sem as amarras da nossa mente. Des-envolver. Quem é mãe sabe que isto é um passo difícil quando é preciso que o filho se des-envolva.
Quem sabe este assunto pode ser uma provocação: Como des-envolver e permitir aos mais próximos também este des-envolvimento?
Bjos
Maristela Ajalla

Suzete Carvalho disse...

Olá, jornalista milagreira.
Seus comentários têm o condão de despertar em mim uma tempestade que faz transbordar as águas (ideias) represadas nos lagos da memória, formando cascatas a jorrar pelas encostas escarpadas das montanhas da vivência e da inspiração. Sai debaixo!
Há alguns anos fiz um trabalho sobre Fausto. Vou tentar resgatá-lo para postar no blog.
Não tenho dúvidas de que somos um universo nesse incomensurável multiverso cósmico, mas nos entalamos nos "nós górdios" de suas redes de conexões. Ah, essas moiras!
Enfim, seu amigo psícólogo tem toda razão, pois, se como ensina a filosofia hindu, o mundo é ilusão (maya), há que se des-envolver (livrar-se) das "amarras" do apego (dvesha,em sânscrito) o maior obstáculo à felicidade. Como fazê-lo e permitir aos outros que o façam, requer entre outras coisas, que encaremos Mefistófeles (veja como até as filosofias orientais e ocidentais têm suas conexões).
Tentarei enfrentar esses temas no "Nó Górdio III", a ser postado em breve.
Obrigada por mais essa "deliciosa" provocação. Namastê (a propósito, começarei o artigo contando aos leitores a importância
de adotar esse cumprimento em nossos relacionamentos).

Gabriel disse...

Sentimento de dívida.
No começo do ano, mais precisamente em janeiro, recebi um e-mail da Suzete, que era um convite para visitar seu recém criado blog. O sentimento de culpa nasceu ai, pois respondi dizendo que o faria assim que possível e sinceramente nunca o fiz até agora, quase oito meses depois.
Resolvi visitar o blog, pois nessa semana, lendo uma revista me lembrei do talento da proprietária deste blog. (O motivo pelo qual lembrei, acabo de mandar via e-mail para você, Suzete).
Acabo de ler a apresentação e confesso que me senti muito atraído por essas ricas palavras e com certeza, visitarei mais vezes o link que me foi enviado a muito tempo.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Gabriel, seja bem-vindo. Antes tarde do que nunca, diz o ditado popular. Vou ler (e responder) seu e.mail.
Quanto ao blog, espero que você não demore mais oito meses para voltar. Ao contrário, apareça sempre e não se esqueça de deixar comentários, críticas, depoimentos e sugestões a respeito dos temas que for lendo, pois é desse diálogo que depende a sobrevivência do blog ( e do escritor(a), ha,ha!), mas principalmente é na reflexão conjunta sobre temas que dizem respeito a todos e a cada um de nós, que podemos ajudar uns aos outros, individual ou coletivamente.
Abração e obrigada pelas palavras gentis.
Ah, dê um abraço no Pedro por mim.

Unknown disse...

Ola, Suzete!
Ca estou novamente no seu blog, e ao me deleitar com suas palavras, eis que surge uma dúvida:
- Nova Eleusis, faz menção a cidade de Elêusis, que fica situada na Grécia? Ou estou equivocado e passei bem longe?? (rsrsrs...)
O abraço esta dado, muito obrigado.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Gabriel
Que bom que você está por aqui novamente. Também me deleito com as palavras dos visitantes.
Vamos ao diálogo.
Eleusis foi uma cidade da Grécia antiga, próxima a Atenas, na qual havia um templo dedicado à Deusa-Mãe Demeter e onde os jovens de ambos os sexos eram "iniciados" nos Mistérios Eleusinos, por meio de rituais, que incluiam danças e cânticos. O foco era a Natureza e por isso todos se enfeitavam com flores, mas a simbologia é bem mais profunda, abrangendo a importância dos ciclos, inclusive a vida e a morte.
O acesso aos chamados "mistérios" mais profundos era restrito e sigiloso, pois os conhecimentos transcendentais ali transmitidos, não deveriam cair em mãos erradas. O fato é que todo conhecimento é poder e quando mal exercido, você sabe no que dá.
No fundo, o Templo de Eleusis era uma grande Escola de Sabedoria.
A proposta (metafórica) de uma "nova eleusis" tem o sentido de reunir conhecimentos - sem preconceitos e dogmatismos de qualquer espécie -, por meio do diálogo. Uma espécie de fórum, onde todos - seres e saberes - são bem-vindos. Sem mistério(s), mas aberto(s) aos mistérios da vida.
Afinal, a própria vida é um grande mistério.
Abração.