terça-feira, 9 de junho de 2009

O "estar-aqui"

A tendência racional ao reducionismo tem relegado à marginalidade, dentre outros, um dos maiores instrumentos que a alma possui para liberar-se do sofrimento que a confina: a meditação. Estar-aqui, disponível-agora ao conhecimento e à transformação, pronto a entregar-se e integrar-se, é o estado de espírito mais propício ao meditar.
Por estar ligada milenar e tradicionalmente aos ensinamentos místico-religiosos, o fato é que a meditação tem sido sistematicamente psicologizada por aqueles que desconsideram uma investigação mais séria do assunto, por sua subjetividade. São os ideólogos da mente.
Por outro lado, muitos a apreendem racionalmente, como mera reflexão, e acreditam-se entregues à mais profunda meditação ao concentrar seus pensamentos cansativamente sobre cada uma das eventuais possibilidades de solução de um problema, analisando-o à exaustão. Esta meditação reflexiva tem seus méritos, mas é insuficiente, pois, além de estressante, está condicionada viciosamente, como todo pensamento racional, a uma visão individualista, linear e fragmentadora da realidade.
Algumas tradições utilizam a meditação analítica como etapa de seus treinamentos, mas dela se diferenciam ab initio, pelos pré-requisitos exigidos, pelo objeto e pela meta a ser alcançada, pois sabem que se desmontarmos um lotus – e é isto que a análise faz -, beleza, significado e flor não mais existirão.
Psicoterapeutas transpessoais têm prestado, em geral, importante contribuição à desmistificação da meditação, introduzindo-a em seus trabalhos, mas se perdem ao ficar atentos a um eventual "surto psicótico", como declarou uma ex-aluna de Práticas Meditativas, terapeuta e autora de obra sobre transpessoalidade.
Este contributo epistemológico, se por um lado instiga o avanço da pesquisa, por outro pode mantê-la limitada ao consultório, como processo meramente terapêutico, agravado por uma “fundamentação empírica inadequada”, para usar a expressão dos estudiosos Roger N. Walsh e Frances Vaughan.
Há também quem a veja como mera técnica (milagrosa) para alcançar estados alterados de consciência, prescindíveis de disciplina, ética e discernimento, que teriam o condão de libertá-los de todos os sofrimentos humanos, transformando-os interiormente para todo o sempre, “amém”. Muita ingenuidade, pois, feliz ou infelizmente, não é tão simples assim.
Pseudo-conhecedores da(s) arte(s) meditativa(s), às vezes até muito bem intencionados (aliás, de boas intenções, diz-se, o inferno está lotado), se arvoram em instrutores, ditando pessoalmente ou em livros que transbordam das prateleiras esotéricas, modelos e regras rígidas de postura e respiração, que acabam, num extrapolar da intencionalidade, por causar problemas aos aspirantes, afastando-os das práticas, quando não da própria realidade.
Outros, leigos ou religiosos, mal interpretando as orientações simbólicas daqueles que já trilharam o caminho, exigem sadicamente uma rigidez cadavérica dos postulantes, instigando-os a controlar (dominar) corpo e pensamentos, sob férrea disciplina, bipolarizando – controlador/controlado – a energia. A consequência, em geral, é uma submissão mental que leva ao distanciamento da verdadeira entrega e amor, pontos apiciais da meditação.
Enfim, considerando os incontáveis pontos de vista que o "me-ditar" propicia aos estudiosos do tema e dada sua relação direta com a questão da consciência, objeto deste ensaio, tenho a meditação como pano de fundo da pesquisa e, portanto, a ela voltarei nos próximos capítulos.

*Transcrição parcial do Capítulo 2, da Parte I, de meu livro (ainda inédito) "Micro-ensaio sobre a Consciência".
**Sobre o mesmo assunto, cf. o Cap.3 do Livro, postado no blog em 26/03/2009, sob o título "Do Purgatório à Transcendência".

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