segunda-feira, 8 de junho de 2009

Um ato de coragem

O poeta Diniz Gonçalvez Júnior, que desliza com maestria entre a concretude e a metáfora, aborda em uma de suas recentes poesias o “respirar” como “um ato de coragem”[1]. Embora tenha sido utilizada com conotação específica, já que se referia à poluição do ar que ronda a Avenida Paulista e seus arredores, a expressão me soou na plenitude de suas possibilidades metafóricas.
Viver é respirar e é também um ato de coragem em incontáveis circunstâncias. Ambientes há em que, se nos fosse dada a Graça de nos abstrairmos da vida, ainda que pelo tempo necessário à reconstituição do “ar” que nos circunda, com suas pegajosas formas-pensamento, maus-olhares e linguajares, nos entregaríamos de bom grado ao não-lugar, à não-vida, ao não-ser. Continuar a respirar nesses momentos, passa a ser, sim, um ato de coragem.
Também há momentos de dor extrema, física ou moral, em que nos perguntamos o porquê do respirar a que estamos indefectivelmente condenados neste caminhar rumo ao desconhecido. Estamos condenados a ser livres, diz Sartre. Mas, o que é a liberdade? E para usar uma das expressões emblemáticas do Mundo de Mercado, qual seu custo-benefício?
As Filosofias orientais, especialmente a budista, nos ensinam que libertar-se é transcender o sofrimento e que este é decorrente de nossa ignorância e de nossos apegos. Ignoramos que tudo é ilusão (maya) e nos deixamos algemar ao nosso próprio ego, aos bens materiais e às paixões, sem perceber a inconsistência de seus elos. Somos nossos próprios algozes, a inspirar sofrimentos desnecessários.
O estudioso Rollo May conceitua a liberdade (ou o silêncio) como o instante que medeia o estímulo e a resposta, ou, dizendo de outra forma, como o exato momento que se situa entre a inspiração e a expiração. Se ao inspirarmos (estímulo) pudermos nos entregar por alguns segundos à Voz do Silêncio (meditação), expiraremos (resposta) sabedoria, despoluindo o “ar” de nosso entorno.
Respirar, então, além de um ato de coragem (agir com o coração), passará a ser também um ato de consciência, de liberdade.

[1] Publ. em 25/05/2009, no blog www.desmemorias.zip.net

3 comentários:

Anônimo disse...

belas ligações que vc fez , gostei bastante


um abraço

diniz

Anônimo disse...

e o poeta é alguém muito à margem do mundo mercantil e individualista , sempre ao ler classificados de emprego percebia que nada se encaixava comigo

diniz

Suzete Carvalho disse...

Olá, Diniz, que bom que você gostou. Se o poeta se encaixasse nos meandros do Poder Econômico, onde o "ar" é rarefeito, perderia a inspiração, deixaria de ser poeta e de ouvir a voz do silêncio, uma dádiva que a poucos é concedida. Abração.