quarta-feira, 29 de julho de 2009

O feminino - uma condição


Envolvida com um trabalho acadêmico sobre a Mulher na Filosofia, confesso que meu ânimo (pra não dizer minha moral) anda meio em baixa, com reflexos em minha inspiração e criatividade. Isso porque o trabalho me levou necessariamente a pesquisar a condição feminina na História e a reler obras de referência sobre o tema, dentre as quais O Cálice e a Espada, de Riane Eisler e O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.
Fundamentadas numa bibliografia fidedigna, que inclui grandes clássicos de todos os tempos, dos Evangelhos – Bílblia, Corão e Torah - aos compêndios históricos, dos “comentários desairosos” sobre a mulher, emitidos por filósofos consagrados ou mesmo santificados (Agostinho e Tomás, entre outros) a toda uma legislação do Oriente e Ocidente, as autoras nos fazem refletir profundamente sobre o papel que tem sido relegado à mulher pelo patriarcado – laico ou religioso - nos últimos milênios.
Não obstante as conquistas obtidas nessa árdua trajetória, o fato é que ainda hoje o feminino continua a ser uma condição, um não-lugar, numa sociedade em que cabem à maioria dos homens os postos de maior remuneração, maior projeção e, especialmente, de direção, em todas as áreas públicas ou privadas.
Oprimida pelo peso da tradição milenar – cultural e religiosa – a mulher (e, a bem da verdade, a sociedade como um todo) ainda acredita que lhe cabe “por natureza” o papel primordial de dona de casa, responsável inconteste pela educação e criação dos filhos, incluído aqui o preparo da alimentação, afora a conservação e limpeza de roupas e das dependências do lar, do qual, afinal, foi eleita “rainha”.
Fora de seu reino, e desde que este esteja sob o mais absoluto controle, hoje a luta – não os resultados, claro! – é de igual para igual e, desde que comprovada sua “absoluta competência e disponibilidade” seu acesso ao mercado de trabalho como um todo já lhe é permitido. Pois não é que a mulher tem até o “privilégio” de ser a maioria no exercício das funções que lhe são mais “compatíveis”, como as de professora primária, secretária, vendedora ou empregada doméstica?
Ironias à parte, é bem verdade que, não obstante o fato de obter, como regra, menor remuneração e de ser ainda objeto de piadas discriminatórias, uma minoria de mulheres já chega a se destacar em todas as profissões e até mesmo na política, redutos exclusivos dos homens até há poucas décadas. Isso para falar apenas das nações mais desenvolvidas ou emergentes do Ocidente, já que no Oriente a questão feminina é “ligeiramente” mais complicada.
Quanto à Filosofia, bem, homens cuja sabedoria é até hoje decantada – como Pitágoras, Platão, Aristóteles, Demóstenes, Sólon e, mais “modernamente” Comte e Rousseau, dentre incontáveis outros “sábios” de todos os tempos - sempre as tomaram como mote e procuraram colocá-las em seu devido “(não)-lugar”, alertando para os malefícios que qualquer liberdade feminina poderia trazer, no mínimo, à moral da família e da sociedade.
Enfim, graças à evolução do feminismo, da legislação e, principalmente, da tecnologia, sua voz já pode ser ouvida para além das “quatro paredes” em que esteve confinada desde sempre, a ponto de ser esquecida pela História, em que pese a verdadeira “guerra milenar” deflagrada por algumas ousadas desbravadoras – cortesãs, filósofas, rainhas, escritoras - que, mesmo vilipendiadas e até martirizadas, lograram sair do anonimato.
Mas, esta é outra história, o “pulo do gato” que devo guardar para o trabalho acadêmico a que me referi acima, para o qual, como de resto a respeito de todos os outros assuntos, as sugestões dos leitores e leitoras é e será sempre bem-vinda.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

De Justiça e Origamis

Em resposta ao comentário postado em 15/07 pela jornalista Maristela Ajalla, informei que estaria ‘fora do ar’ por uns dias e que voltaria “com tudo” nesta semana, pois estava pressentindo que haveria algo a celebrar. Logo ao chegar, descobri que a realidade transcendeu minhas expectativas.
Duas notícias quase me levaram ao êxtase, resgatando minha fé na Justiça humana, já que da providência divina eu jamais duvidei. O que quero dizer, de fato, é que, embora muitas vezes a desesperança tente se apossar da minha alma, no fundo eu sempre soube que a vida nos retribui de alguma forma e no momento oportuno, toda a nossa dedicação e perseverança no aprimoramento da vida, na busca do conhecimento, na concretização de nossas potencialidades (que todos as temos em profusão).
Maior a gratuidade de nossa entrega, mais efetivo o retorno. Maior a abrangência do trabalho, maior a reverberação social. Maior a humildade e aceitação dos tropeços intercorrentes, maior a superação de nossos próprios limites e a fluidez dos resultados.
Pois bem, a primeira notícia desta semana que me enlevou, foi a nomeação pelo presidente Lula, do meu competentíssimo amigo Dr. Ricardo Tadeu da Fonseca, para o cargo de desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, em Curitiba.
Na década de 90, tive a honra e o prazer de ser colega de pós-graduação desse homem inteligente, corajoso e profundamente estudioso, que jamais se deixou abater, mesmo tendo perdido totalmente a visão física quando cursava a Faculdade, aos 23 anos de idade. Sua nomeação como magistrado resgata a profunda injustiça de sua desclassificação em 1990 para o cargo de juiz do trabalho, sob a preconceituosa alegação de “deficiência visual” como impedimento para o exercício do cargo, não obstante houvesse sido aprovado na fase escrita do concurso respectivo.
Sua brilhante carreira no Ministério Público do Trabalho, em cujo concurso público de títulos e provas em 1991, eliminou milhares de candidatos, revelou que meras dificuldades físicas não são absolutamente impeditivas para o exercício de funções técnicas e intelectuais ou que exijam juízos de valor. Ao contrário, os obstáculos podem ser um plus a mais para a competente realização profissional, dada a extraordinária capacidade de adaptação, o domínio da tecnologia e o indefectível desenvolvimento de todos os sentidos, alcançados por tantos homens e mulheres com alguma deficiência, dentre os quais Dr. Ricardo se destaca por essas e muitas outras qualidades.
Outra notícia alvissareira, agora no campo da arte, é a de que as exposições KIMONOS e SAMURAIS em ORIGAMI, da artista Alzira Cattony, passaram a pertencer ao acervo do Pavilhão Japonês-Ibirapuera e estão sendo catalogadas para serem preservadas. Em princípio, poder-se-ia dizer que eu sou suspeita para falar sobre esse trabalho, já que Alzira é minha prima-irmã (“mais irmã do que prima”, segundo suas palavras), mas o fato é que conheço as dificuldades da trajetória desse trabalho belíssimo, cuidadoso e delicado, cuja maestria deleita os olhos de todos quantos têm o privilégio de visitar suas exposições.
De parabéns a sensibilidade, a arte e a justiça brasileiras, em que pesem ainda tantas mazelas. De parabéns Alzira e Ricardo, símbolos de dedicação ao trabalho, a reencantar o mundo. Possamos nós comemorar outras conquistas em todos os campos, que pessoas dedicadas e competentes existem às mancheias, Brasil afora. Celebremos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Tarde

Tarde dolorosa
sofrida dolorida
qual ferida
aberta.

Coração insatisfeito
oprimindo o peito
num espasmo

que aperta.

Mãos encarquilhadas
nodosas e cansadas
postas em prece

alerta.

Só a mente destoava desperta
daquele corpo que seguia

a tarde que morria
deserta.




segunda-feira, 6 de julho de 2009

Transparência

Dentre as manifestações a respeito da publicação via internet dos vencimentos dos servidores, autorizada pelo Senhor Prefeito da Capital, chamou minha atenção uma crônica publicada semana passada em um dos jornais da região onde resido, assinada por ilustre empresário – cujo currículo transcrito ao pé da matéria compete em dimensões com o espaço dispensado ao assunto -.
Também na mesma semana, outro dos nossos jornais semanários, indicava o nome completo, o local de trabalho e os vencimentos dos funcionários municipais mais ilustres do bairro, muitos dos quais envolvidos também em trabalhos voluntários destinados aos vários setores da comunidade.
Preocupada com a exposição a que se submeteram esses servidores em tempos de seqüestros relâmpagos e outras violências, tratei de consultar minha também ilustre conselheira, Dona Nena, cujas orientações aprendi a seguir, sob pena de me “dar mal”, não obstante às vezes ainda ouse questioná-la. Imediatamente, como sempre, a sábia senhora adotou como suas as minhas preocupações: -“Você tem razão minha filha, mas há outras questões em jogo”.
Arguta observadora, Dona Nena tem ainda uma grande qualidade (ou defeito) que, a meu ver, torna seus conselhos dignos de atenção: emite suas opiniões somente quando convocada a fazê-lo, porém, instada a falar, esmerilha o tema à exaustão. Qualidade, porque não é enxerida, fica “na dela”, especialmente quando as questões são de foro íntimo, já que preza a liberdade de vida e de expressão de cada um. Defeito, porque quando convidada a se pronunciar sobre questões que a fazem sentir-se indignada, como a hipocrisia social – que a seu ver é uma violência, ainda que simbólica - , dentre tantas outras, corre o risco de tornar-se cansativa.
Por esses (e outros) motivos, limito-me neste momento a elencar algumas questões “pinçadas” de seu discurso sobre o tema proposto: “servidor não paga taxas e impostos?”, “a quem aproveita essa exposição pública?”, “operários conhecem a “renda” de seus empregadores?”, “como separar o ‘denuncismo’ invejoso e vingativo da corrupção comprovada?”, “qual a diferença entre os marajás das organizações públicas e privadas?”, “qual a proporção de servidores mal pagos em relações aos ditos marajás?”, “a Administração publicou também os currículos daqueles que recebem altos salários?”.
Minha conclusão é de que essa, como todas as outras questões sociais, é muito mais complexa do que se nos apresenta à primeira vista e que, talvez, a primeira transparência pela qual devemos nos empenhar seja aquela que diz respeito à nossa própria vida em sociedade, nossa ética nos relacionamentos e no cumprimento de nossos deveres, em que pese a necessidade óbvia de moralização nos serviços públicos e privados.

Poluição virtual

Todos nós temos alguns conhecidos bem intencionados, porém, sem muito discernimento crítico, que entopem (literalmente) nossas caixas postais com mensagens repetitivas, às quais acrescentam, à guisa de título, suas observações pessoais: “belíssimo”, “não perca”, “esta é demais”, ou, o que é pior, “repasso porque concordo”.
São incontáveis paisagens, animais, crianças, castelos etc, envelopados em frases de autoria e saber questionáveis, com um fundo musical, este sim, geralmente agradável. Mas a grande e atávica questão que ora ressurge e nos bombardeia dissimulada em cores e sons é a do preconceito, do qual as mulheres, em regra, são as “vítimas” priorizadas, embora nenhuma das outras chamadas minorias esteja livre de ataques eventuais.
Geralmente deleto “em bloco” essa ingênua poluição virtual, salvo quando algum título atrai minha atenção por se relacionar com algum tema objeto de meus estudos e interesses. É o caso de um e.mail recém-recebido de um de meus mais fiéis “fornecedores” dessa cultura virtual alienada e alienante, que ostentava (em vermelho) o título: “REPASSO PORQUE CONCORDO: Cristãos contra a Lei da Ditadura Gay”.
Pois bem, dentre as “pérolas” do extenso teor do e.mail, destaco uma das várias frases de “alerta” aos riscos do “implante gayzista” (sic), que, sob a ótica dita “cristã”, o projeto de lei 6.418/2005 - que inclui o preconceito contra a orientação sexual entre os crimes de discriminação -, em tramitação no Senado, traria: “Pais precisarão de autorização estatal antes de levar seus filhos a reuniões que critiquem o homossexualismo”(!!!!!).
Após declarar haver recebido “informações confidenciais” de uma Assessora Jurídica da Frente Parlamentar Evangélica sobre a “articulação do governo para apoiar a glorificação do homossexualismo e a criminalização de cristãos anti-sodomia”, passam os autores a tecer considerações altamente discriminatórias também às religiões afro-brasileiras, chamadas por eles “bruxarias vindas da África”, para ao final sugerir em letras vermelhas garrafais, que se repasse a nota em nome da “liberdade de expressão”(?), encerrando triunfalmente: “Que Brasil você vai querer para os seus filhos?”.
Aproveito a pergunta para propor algumas reflexões aos leitores: Que Brasil podemos querer para nossos filhos, se continuarmos a criá-los sob a ótica de um preconceito ancorado em pressupostos ensinamentos cristãos? Que Brasil podemos querer para nossos filhos se continuarmos a projetar nossos recalques naqueles que têm a coragem de assumir suas próprias propensões naturais? Que Brasil podemos querer para nossos filhos se continuarmos a disseminar informações discriminatórias, fomentando a ignorância (da realidade) e a exclusão (de todos que não se adequem aos nossos próprios interesses)?