segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Loucura ou (in)coerência?

Talvez as águas do rio Léthe – que me perdõe Mnemosina, por quem (e por cujas filhas) tenho um dever de gratidão –, a par da conhecida característica de induzir ao esquecimento aqueles que inadvertidamente as ingerem, contivessem também alguma propriedade alucinógena e, ao atravessá-lo, tenhamos tod@s sido fatalmente afetad@s pela droga.


Conta-nos Platão na sua indefectível República (Mito de Er ou da Reminiscência) que, no reino dos mortos, permite-se à alma escolher o modo de vida que pretende viver ao reencarnar e nos informa que aqueles que pretendem viver uma vida de poder (lato senso), ingerem uma grande quantidade de água durante a “travessia”.


Ora, sabido que o poder enlouquece e que o poder absoluto “enlouquece absolutamente” como diz Morin; sabido mais que a imaginação não deixa de ser uma espécie de “loucura”; sabido, enfim, que a história humana não passa de uma Grande Insanidade – haja vista a barbárie (surtos generalizados?) que a domina ciclicamente -, quiçá estejamos tod@s vivendo um grande “sonho coletivo”.


Por outro lado, se como diz Platão, as almas daqueles que optaram por viver uma vida de sabedoria quase não bebem daquelas águas e, portanto, podem lembrar-se das ideias que contemplaram (Alethéia), estariam os homens e mulheres de saber, menos sujeitos ao efeito da droga - e, portanto, em plena lucidez -, nos alertando para a ilusão (Maya) da matéria ou para o Grande Vazio (wu wei) que a tudo con-forma?


Teriam generosamente essas almas puras optado por "atravessar o rio" para nos ajudar (qual Bodhisatvas) a escapar desta “viagem” sem rumo e encontrar o caminho de volta? Se o espaço-tempo é convencional e relativo, qual a dimensão a que pertencemos ou que nos pertence realmente?


Àquel@s cuja lógica inspira um sorriso condescendente a esse pensar "irracional", proponho a teoria mais “coerente” de nossa tradição: a ideia de um Pai vingativo que, a uma desobediência de seu único casal de filhos, expulsa-os implacavelmente de Casa, condenando-os e a todos os seus descendentes a viver per ominia seculum no sofrimento (parindo na dor e obtendo alimento com o suor de seus rostos), sob os olhares atentos de Satanás e seu séquito demoníaco.

2 comentários:

Eugênia Pickina disse...

Querida Suzete, este texto nos faz pensar... até mesmo para revisar os mitos da tradição judaico-cristã. Essa infeliz ideia de um Pai Vingativo, que "acoberta" o séquito de Lúcifer. O mais grave é que essas irracionalidades permeiam nossas tramas desde o nascimento... Por isso, reitero: Saudade do futuro e de um re-ligamento com a nossa Luz, a mesma que acende todo Universo. Ah! Os tons amorosos da Clara Luz. Obrigada pelo instigante post... Bjs e abraços. Eugênia.

Suzete Carvalho disse...

Olá, querida Eugênia.
Você tem o dom de ir ao âmago das questões. Dito de outra forma, você extrai (ou coloca) quintessências nos escritos.
De fato, no fundo, a proposta é trazer uma reflexão sobre as "loucuras" do ser humano, as "viagens estratosféricas" que empreende na ânsia pelo poder que, no fundo nada mais são do que a busca por si mesmo.
Repensar os mitos da tradição judaico-cristã é repensar nossos padrões mentais eivados de "certezas" e ... preconceitos...tão "racionais".
Obrigada pelo diálogo que se reabre a novos insights.
Abraço fraterno.