segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Justiça, Autoridade, Poder e Liberdade

Termos abstratos e relativos como as palavras-chave do tema ora proposto – justiça/autoridade/poder/liberdade -, são potencialmente vagos e ambíguos, pois se situam num campo de contornos imprecisos, ou seja, cada um pode dar-lhes a extensão ou o sentido que melhor preencham seus propósitos. Portanto, o que lhes confere significação é o uso que delas fizermos.
Da ancestral Lei de Talião até os dias de hoje, o conceito de justiça, por exemplo, viajou no tempo e no espaço, assumindo as mais variadas conotações, ao sabor das ideologias predominantes ou do contexto sócio-político e filosófico-cultural, configurando um controvertido quadro no decurso da história.

Aristóteles, para quem o conhecimento pelo conhecimento não fazia sentido, preocupava-se com as “excelências” ou princípios éticos (arethe), dentre as quais incluía a justiça, que todos temos em potência, a ser transformada em “ato” na busca da felicidade. Essa a razão teórica ou contemplação intelectual, vista pelo filósofo como uma virtude dialética que se caracteriza como “justo meio” (a dourada mediania ascendente), libertação dos extremos (carência e excesso).

Já na função racional da alma humana que se expressa como razão prática, Aristóteles apresenta a prudentia , no sentido de discernimento, como a grande excelência ética, ao passo que a expressão teórica se dá pela via da Sabedoria. Para o jus-filósofo Michel Villey “o homem prudente é aquele que age dentro do ‘justo meio’ usando de uma visão crítica”.

O enfoque de que as partes não são iguais e que fazer justiça é tratar desigualmente os desiguais é uma leitura moderna da concepção de Aristóteles, para quem a equidade tem a função de corrigir lacunas, sendo o equitativo e o justo, a mesma coisa, porém o equitativo “é ainda melhor, pois mesmo sendo justo não é o justo legal, mas uma retificação da justiça legal”.

Essa concepção transcende a conotação de igualdade concebida pelos contratualistas do século XIX que, lastreados nos pressupostos individualistas da Revolução Francesa, alimentaram a utopia da igualdade entre as partes, que teve graves consequências sociais, relegando as minorias ao ostracismo e à hipossuficiência.

Nas palavras de Roberto A.R.de Aguiar, “nos tempos de hoje os oprimidos começam a desconfiar dessa justiça” que lhes aparece como um engodo, pois vende a imagem de uma neutralidade que não existe, baseada numa igualdade que também não existe, mas que respalda o exercício do poder e legitima a dominação.

Aqui, o que emerge como “irmã da justiça” é a segurança, em nome da qual os detentores do poder cometem arbitrariedades, onde tudo é possível. Na verdade o mundo se pauta num grande jogo de poder, exercido sempre por grupos minoritários (em termos numéricos), a quem cabe a possibilidade de escolha e de cobrança, a tomada de decisões e o controle.

Ora, é certo que sempre haverá maior distribuição de justiça quanto maior for a possibilidade de participação das maiorias (numericamente) dominadas, hoje vistas como “minorias” numa flagrante inversão de valores tanto dos macro-poderes (governantes) como pelos micro-poderes (por exemplo os pais de família), característicos das sociedades patriarcais.

Em nível internacional, a questão também emerge, na verdadeira exploração e opressão que os países ditos desenvolvidos exercem sobre seus “primos pobres”, num eterno colonialismo hoje rebatizado de globalização, em evidente violência simbólica: “se não fizerem o que mandamos, cortaremos o auxílio econômico, etc.)”.
Esse recurso autoritário é utilizado também nas relações familiares em que os detentores do poder cultural e econômico ameaçam e castigam, às vezes violentamente, sob a desculpa da “proteção”, mulheres e crianças indefesas.

O que confere legitimidade a esse Poder-Autoridade é a aceitação dessas famílias ou nações pelos “subalternos”, aqueles que se curvam à “Lei do Peixe”. Organização, liderança, disciplina, justificativas, estratégias, táticas (dentre as quais, a meu ver, a violência simbólica), são os “recursos” que compreendem a “família do poder”, para usar a expressão do escritor Charles Merrian.

As relações de poder envolvem questões de extrema complexidade como direito, justiça, força, dominação, violência, autoridade, hegemonia, no mínimo, e se “estamos condenados a ser livres” (Sartre), há que exercitarmos nosso espírito crítico para nos capacitarmos ao exercício da liberdade, lembrando que “o conceito de liberdade pressupõe a existência de alternativas” como diz Eduardo Gianetti da Fonseca .

A propósito, Rollo May nos dá um parâmetro para a sutileza desse termo, ao situar a liberdade no exato instante que medeia o estímulo e a resposta. Esse o momento do livre arbítrio, em que eu “me-dito” com discernimento a resposta a ser apresentada a mim mesma e ao outro, que não será uma reação, mas sim uma ação respaldada tão-somente por minha ética interior, minha liberdade ontológica.

*Resumo de palestra ministrada em curso sobre Introdução ao Pensamento Filosófico, em SP, em 19/11/96.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Consciência Negra

Aproveitando o feriado prolongado que o Dia da Consciência Negra proporciona aos brasileiros, achego-me ao Guarujá como outras milhares de pessoas, em busca de um contato com a natureza e um pouco de relax dos afazeres cotidianos, embora carregue comigo permanentemente um, digamos assim, “certo alerta” para as questões sociais, pois ninguém consegue fugir daquilo que é.
Restaurantes para todos os gostos (e todos os bolsos) são mais um agradável apelo à quebra da rotina e optamos por um self service pelas várias possibilidades gastronômicas que oferece, mas também por ainda dispor de algumas mesas vazias, apesar de, à primeira vista, parecer lotado.
Antes mesmo de nos acomodarmos, um rápido relance pelo ambiente, nos traz a triste constatação: à exceção de um único jovem afro-descendente, a população negra da cidade não se fazia representar no restaurante. Pergunto a meu marido: “Onde estão os negros, nesse dia que lhes é dedicado?”. “Ali”, responde ele, apontando para duas belas jovens de uniforme, “servindo”!
Em sua sensibilidade, meu companheiro já havia notado, pela manhã, que na praia os únicos negros (in)visíveis eram os ambulantes e alguns meninos a serviço dos barraqueiros. Voltando a pé, pelo calçadão, pudemos notar também alguns “guardadores” de carros e uma jovem mulher que, cercada por várias crianças, trocava um bebê, sem maior proteção, sobre um dos frios bancos de cimento. Todos afro-descendentes.
Essa, infelizmente, a realidade social que (ainda) se nos apresenta em toda parte, muito especialmente em localidades turísticas, não obstante, seja dito a bem da verdade, uma legislação igualitária e políticas públicas voltadas à inclusão social, que jamais serão suficientes se não houver, da parte de toda a sociedade, um real envolvimento com essa questão dolorosa, que apresenta meandros histórico-sociológicos, culturais e econômicos a serem transpostos.
Como lembra minha conselheira, Dª Nena, trazer à efetiva participação, em direitos e deveres, mas acima de tudo, em oportunidades, cada uma das pessoas que compõem a população brasileira, independente de seu sexo (ou opções sexuais), sua raça, origem, idade ou quaisquer outras condições específicas, deve ser um compromisso inalienável de todos os seres humanos que têm o privilégio de habitar esta Terra abençoada.

Princesa da Orla II

Antes de ontem, quarta-feira (18/11), tive o prazer de participar das comemorações de aniversário da sede da Delegacia Regional (Santos) da Associação dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP), que congrega servidor@s de toda a Baixada Paulista.
Com mais de duzentos mil associad@s em todo o Estado, a AFPESP conta dentre el@s com figuras das mais expressivas em todos os níveis de governo, inclusive, para nossa alegria, com a digna Prefeita da minha/nossa linda Guarujá, a princesinha da Orla. (cf. postagem de 19/09, sob o título Princesa da Orla I).
Munícipe que sou, de longa data, gostaria de tornar pública minha disposição de me aliar aos demais meios de comunicação, colocando o blog à disposição da Prefeitura, seus cidadãos e cidadãs, para divulgar projetos e assuntos de interesse da cidade, cuja fama transcende os limites do Estado (e do próprio país), por suas incontestes atrações, da riqueza imobiliária às inefáveis belezas naturais.
Há muitos anos, em visita a Palmas de Maiorca, ouvi de uma comerciante local uma frase marcante: - “O que você está fazendo aqui, se tem à mão, praias lindíssimas como as de Guarujá? Aquela cidade é uma princesa de que os brasileiros devem se orgulhar”. Informei-a que, de fato, nos orgulhamos desta Terra abençoada e que nossas eventuais viagens mundo afora visam nada mais que agregar (e trocar) experiências e conhecimentos culturais que nos enriquecem a todos.
Acredito que a maior reverência que podemos prestar à nossa Princesa é colocar essa vivência à disposição de seu engrandecimento, fazendo a nossa parte para o aprimoramento das relações sociais, vale dizer, da vida e da cidadania. O fato é que, a par das questões “normais” de Administração, como Educação, Saúde, Infra-estrutura e Segurança (no mínimo), como todo ponto de alta atração turística, a cidade se vê às voltas com problemas advindos das “ondulações” populacionais.
Estar atentos às maiores necessidades sócio-ambientais que essa mobilidade desencadeia, cuidando para que se mantenha uma relação equilibrada ser humano-natureza, que comporta cuidados especiais como economia de água e luz, limpeza e reciclagem, respeito às diferenças e às disposições legais, são algumas atitudes cidadãs que reverterão em benefício de todos e de cada um.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Há pouco mais de...

Não escolho temas para escrevinhar: eles me escolhem e tramam formas e fórmulas para me envolver, do sonho à sincronicidade, do insight ao fato concreto que instiga à atitude, à indignação, ao grito, com o beneplácito de minha conselheira, Dª Nena, sempre pronta a me “chamar às falas”.

Assim, ontem acordei com a expressão-título (Há pouco mais de...), a me apoquentar enquanto tentava decifrá-la, até que, logo ao abrir o Jornal Folha de S.Paulo (sempre começo pela leitura do Caderno Mais) e deparar com o artigo Mulheres Marcadas, de Eva Blay, entendi a “mensagem cifrada”.

Sim, há pouco mais de meio século o nazismo torturava, violentava e matava milhões de seres humanos sob o olhar impassível das grandes potências e a cooperação de nações “cordiais” que lhes alimentavam prisões e fornos com “Olgas” e “Sabos” insubmissas; há pouco mais de um século, vivíamos (cordialmente?) sob a égide legal da escravatura.

Cordialidade esquecida também, há muito menos tempo, pois, há pouco mais de três décadas, censura e tortura faziam parte de nosso cotidiano e as mulheres casadas eram consideradas semi-capazes para os atos da vida civil, ao lado dos índios e dos “loucos de todo gênero”, e qualquer “cordialidade” de sua parte era considerada suspeita.

É pouco? Pois bem, há pouco mais de uma semana, uma jovem foi assediada, ofendida e quase estuprada por centenas de colegas, sob os auspícios de uma Universidade que “cordialmente” perpetrou à luz da madrugada, sua expulsão do ‘sagrado campus androcêntrico’, pelo crime de usar um vestido curto, que conspurcava a inocência (e os hormônios) de alun@s cordiais, sob os aplausos de parte da platéia alienada.

Sim, há pouco mais de cinco minutos, creiam-me, alguma mulher indefesa foi agredida ou violentada mundo afora, por seus próprios companheiros e parentes; há pouco mais de dez segundos alguma lágrima rolou disfarçada entre burcas, véus ou simples lenços de chita.

Como os meus, neste momento, centenas de milhares de olhos azuis, verdes, negros ou castanhos, de homens, mulheres e crianças, estão marejados pelo sofrimento e impotência ante a violência gratuita, a miséria degradante e o preconceito excludente a que são submetidos pela cegueira prepotente, alienada ou indiferente de privilegiados que se acreditam dignos seres humanos.






DEVER DE GRATIDÃO II

Graças à competência do cirurgião César Lípener e equipe do Hospital Santa Cruz; à Homeopatia da Dra. Lia Romano; aos Reikis, vibrações e orações de amigas especiais como Patrícia Bertolin (que se desdobrou em cuidados), Eugênia Pickina e Aline de Freitas, companheiras de trabalho na Coletânea Mulher – Um Diálogo Iinterdisciplinar (no prelo); ao apoio cromoterápico de Silvia Fávero, querida amiga há décadas, que tem um “pacto” com os Anjos (cf. link ao lado).


Graças ainda aos e.mails animadores de Maristela Ajalla e Catarina Moraes, jornalistas “irmãs” com quem tive o prazer de trabalhar nos últimos anos; aos telefonemas de Clara Schwartz e Darcy de Oliveira, amigas de infância sempre presentes nos momentos de alegria e tristeza e de meus sempre atentos sobrinho Agni Borragini Jr. e primo Marco Aurélio Cattony.


Graças, enfim (ou em princípio) ao paciente e amoroso monitoramento de João Baptista, meu companheiro de todas as horas e à “torcida” de toda a família, capitaneada por minha filha Daniela, bem como de “super amigas” como Thais Helena Costa, entre outr@s, volto a ver o mundo em todo seu esplendor colorido.


Essas as bênçãos que o Divino contrapõe ao desgaste do corpo, esse o poder do Amor que nos torna a tod@s instrumentos de cura e superação em busca da possível felicidade neste nosso insipiente caminhar pela dimensão do tempo.


Namastê.

sábado, 14 de novembro de 2009

Dver de Gratidão

Em geral, todos nós conhecemos os nossos direitos, seja de ir-e-vir, votar, expressar nossa indignação, receber salário justo como contraprestação de nosso trabalho, ter acesso à saúde e à justiça, não ser discriminados, ter privacidade, amigos, lazer, enfim, de viver nossa própria vida com liberdade e dignidade.

Também conhecemos, verdade seja dita, muitos de nossos deveres, como o de cumprir a lei, pagar nossos impostos, proteger nossos filhos e, nos últimos tempos, até encampamos nossos deveres para com a Natureza, que se ressente da exploração milenar. Também é verdade, sejamos honestos, que em geral nos esquecemos de alguns deveres éticos para com aqueles com quem convivemos.

O fato é que, embasados em nosso recém adquirido “direito de crítica”, focamos, em geral, os eventuais erros e omissões dos outros, especialmente de pessoas que se doam generosamente a trabalhos voluntários, como é o caso daquelas que tomam a si a responsabilidade de gerir organizações não governamentais, em benefício de alguma das tantas comunidades que compõem a sociedade.

Clubes desportivos, associações de classe, instituições beneficentes e educacionais são alguns desses núcleos em que as pessoas se reúnem (ou deveriam reunir-se) em torno de um ideal comum – o bem de toda a comunidade. Feliz ou infelizmente – reflexos que somos da sociedade como um todo – apenas alguns dos componentes dessas “famílias” se dispõem ao difícil trabalho de organizar e manter a Casa em funcionamento, entregando-se de corpo e alma a equacionar interesses e divergências.

Como em toda democracia que se preza, o olhar crítico dos cidadãos – “vigilantes de plantão” que somos todos – busca acentuar aquilo que não foi feito ou que o foi, a nosso ver, de maneira incompleta. Em suma, nosso mote é um velho e conhecido ditado: “Hay gobierno, soy contra”. Mas nosso trânsito pela cidadania e plena liberdade de expressão é recente e, na ânsia de recuperar o tempo perdido, embaralhamos direitos e deveres, privilegiando a crítica em detrimento da participação e da gratidão.

Passam-nos despercebidos os intrincados meandros políticos que envolvem a realização dos projetos de toda gestão, vale dizer, não vemos a complexa rede de pessoas e de áreas a serem equacionadas, em seus diferentes e tantas vezes divergentes interesses e modos de ser e compreender as questões. Esquecidos de uma dos mais elementares deveres éticos – o Dever de Gratidão -, projetamos naqueles que fazem, tudo aquilo que faríamos “melhor”, ainda que nada façamos.

*Publ. in Revista do Ypiranga nº 148, set/nov/2009, pág. 5.

**Coerente com a proposta da crônica, cumpro o grato dever de agradecer de público a carinhosa homenagem que me foi prestada nessa mesma edição, pela Redação da Revista e Diretoria Administrativa do Clube Atlético Ypiranga.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Poder da mini-saia

Quando eu cursava a Faculdade, as mulheres eram proibidas de adentrar o “sagrado recinto” do Fórum trajando calças compridas, consideradas inapropriadas e incompatíveis com a “posição da mulher”, vale dizer, valia o ditado “Cada macaco no seu galho”, ou seja, calças eram vistas como coisa de “homem”. Aliás, nas camadas menos cultas da sociedade, era comum ver os homens se vangloriarem: “Lá em casa, quem usa calças sou EU”.
Na moda, imperavam Mary Quant (inventora da mini-saia) e as revolucionárias hippies, com suas magníficas batas coloridas cujo comprimento equivaleria hoje a um mini-vestido e que eram usadas sobre imensas saias indianas (um tanto deselegantes para as doutoras) ou sobre calças compridas, mais práticas, porque não lhes tolhia a liberdade de movimentos.
Nossas maravilhosas mulheres advogadas, com o inefável “jogo de cintura” que Deus lhes deu como mecanismo de defesa às violências do patriarcado, usando de inteligência e savoir-faire, não tiveram dúvidas: passaram a dirigir-se ao Fórum de batas e calças compridas. Em lá chegando, retiravam as calças e entravam tranquilamente com seus micro-vestidos para as audiências.
Rapidamente suas excelências revogaram a proibição do uso de calças para as mulheres, em nome da “moral”. O fato é que, acostumados à excessiva formalidade e pompa que valorizavam a função jurisdicional, “balançaram” diante da circunstância de as mulheres (com ou sem calças compridas) se terem “alçado” a uma posição de “igualdade” num espaço até então total e absolutamente sob o domínio masculino.
Claro que não me refiro à posição na Magistratura, àquela altura ainda inimaginável para a “condição feminina”, cujos hormônios tornavam-na “incapaz de um julgamento justo e equilibrado”, como ouvi de um desembargador (mui) amigo. Com garra, perseverança, dedicação profunda ao estudo e a paciência de quem sabe que o dia da colheita sempre chega, as mulheres foram se achegando e abrindo seu próprio espaço num campo minado, pronto a implodí-las a qualquer deslize. Hoje, embora ainda sejamos poucas representantes na maioria dos Tribunais, chegamos ao Supremo Tribunal Federal.
De alguma forma, embora jamais tenha exercido a advocacia, fui beneficiada com o “direito ao uso de calças compridas” sem necessidade de apelar ao mesmo estratagema, porquanto, funcionária à época de um Gabinete do Tribunal de Contas - cujo “Chefe” (que Deus o tenha) era fiel ao modelo Superior do patriarcado -, nos “privilegiou” com a mesma deferência concedida às doutoras da ativa e, assim, fui brindada com o direito de adentrar minha própria sala de trabalho usando trajes mais cômodos, antes prerrogativa exclusivamente masculina.
Hoje, passadas várias décadas, a situação se inverte e as calças compridas voltam a ser o traje mais apropriado às mulheres pela (falsa) moral, enquanto os hormônios masculinos são exacerbados em relação à decantada racionalidade dos homens. Mas a corda ainda arrebenta do lado (considerado) mais fraco.

domingo, 8 de novembro de 2009

Fundamentalistas Pífios da Moral

Tomada pela indignação, custei a encontrar um título para esta crônica. Entre outros, pensei em “O AFEGANISTÃO É AQUI”, “ESTRATÉGIA SIMPLÓRIA”, “VERGONHA”, “IMORAL É A EXPULSÃO”, “JUSTIÇA MEDIEVAL” ou, como lembra Hélio Schwartzman no artigo “Culpar a Vítima: essa foi a estratégia”, DEFAECATIO MAXIMA.[1]
A opção pelo título é uma referência ao excelente artigo[2] do filósofo esloveno Slavoj Zizek, escrito há praticamente uma década, mas sempre atual e no qual o autor contrapõe o fundamentalismo autêntico ao fundamentalismo de uma maioria moral que evidencia a hipocrisia dos puritanos, o jogo invejoso com que temos sido impregnad@s pela cultura, que faz com que projetemos agressivamente sobre tod@s aquel@s que ousam ser diferentes (pecador@s), nosso incomensurável e reprimido desejo de assumir as nossas próprias (pecaminosas) diferenças..
A esta altura da crônica, acredito que tod@s @s leitor@s já tenham identificado o tema: a expulsão da Universidade, de uma aluna que foi vítima de hostilização injuriosa de colegas, por estar usando um traje considerado muito curto pela “maioria moral”. Na dúvida, pro stereothypo! E viva a justiça dos homens e (pasmem!) de algumas mulheres vestibulandas, fadadas a cumprir o papel que o androcentrismo lhes reservou. Santa (ou invejosa) ingenuidade. Esperamos que jamais tenham acesso ao poder.
Enfim, instigados por auto-intitulados educadores e juristas, vigilantes de plantão da pífia moral, os dirigentes da Universidade tomaram a atitude mais conveniente à manutenção do status quo androcêntrico: a vítima é mulher? Expulsemo-la. A propósito, cabe lembrar o depoimento em vídeo, logo após o incidente (com direito a chamada na home da uol), do já famoso Içami Tiba que, como sempre, lembrou a importância dos hormônios masculinos, afetados pela “provocação” feminina.
A grande “pérola” do ilustre psiquiatra, desta vez, foi uma comparação desastrosa, mais ou menos nos seguintes termos: “O que aconteceria se nós fôssemos sem roupa a um Shopping Center?” (!!!). A seguir, percebendo o absurdo da proposição, tentou consertar: “Claro que não é a mesma coisa, mas antes de sair de casa as mulheres devem observar suas roupas e ver se estão “adequadas” ao ambiente, para não serem provocadoras”.
Para completar meu desconsolo, ao levar a questão a debate esta tarde em uma reunião, ouvi de alguns dos homens e mulheres presentes, de várias idades, frases do tipo: “Estão certos, mulher e filha minha não sairiam de saia tão curta” , “Ela estava querendo”, “É complicado, não sei não” ou, usando da mesma “lógica” acima citada: “Eu não vou à Igreja de mini-saia” (!).
É, a coragem daquele que ‘se assume como realmente é’, é um pecado imperdoável ao olhar d@ invejos@, vale dizer, da maioria moral, pois, como lembra Zizek “o fundamentalista da Maioria Moral é sempre assaltado pela atitude ambígua de horror e inveja em relação aos indizíveis prazeres a que se entregam os pecadores” ... “fundamentalistas autênticos não invejam os diferentes prazeres de seus vizinhos”.
Assim é que, premida pela moral, a transgressão aos preceitos incutidos pela tradição patriarcal se nos apresenta como inconcebível e, dessa forma, perdemos a oportunidade de nos individualizar. Sem coragem de enfrentar “nosso desejo de pecar”, somos lançados à vala comum da Maioria Moral que se deixa corroer pela inveja.


[1] Folha de SPaulo, domingo, 8/11/09,Especial C1.
[2] Budismo Ocidental? Não, Obrigado.In Folha de S.Paulo,Caderno Mais, 03/12/2000.

domingo, 1 de novembro de 2009

DEVER DE GRATIDÃO - I

Fazendo uma pesquisa na Internet, deparei com uma das entrevistas que concedi logo após a contrução do Blog e que foi publicada na Revista do Ypiranga Nº 146, fev/abril/09, pág.7.

Considerando que acabo de encaminhar à Revista, que é editada pelo Clube Atlético Ypiranga e com a qual venho colaborando há vários anos, uma Crônica intitulada Dever de Gratidão, na qual abordo a gratidão de forma abrangente, sem citar nomes, ocorreu-me agradecer de público à Jornalista Catarina Moraes, ao então estagiário de jornalismo Guilherme Giuntini, bem como ao diagramador José B.Lopes de Moraes pelo interesse e empenho em divulgar meu trabalho.

Assim, e por acreditar que a Revista retratou com bastante fidelidade os objetivos do Blog, posto abaixo seu inteiro teor.

Suzete Carvalho no Universo On-line


Do passado ao presente, da máquina de escrever direto
para o computador, é com essas características que a advogada
e escritora Suzete Carvalho, além de publicar seus artigos,
contos, crônicas, ensaios e poemas em revistas e jornais,
abre mais um espaço, agora no mundo on-line para apresentar
seus escritos: o blog www.novaeleusis.blogspot.com
Apaixonada por livros desde criança, a nova blogueira
acredita que a Internet jamais poderá substituí-los como
fonte concreta de cultura, porém, quando se trata de textos
menos longos, a Internet traz uma nova magia à leitura,
que é a possibilidade do diálogo direto com o leitor,
a troca de idéias que enriquece o texto.
Assim, Suzete criou o blog não somente para divulgar
seu trabalho literário, mas visando principalmente
a possibilidade de manter um diálogo permanente com
os leitores sobre temas abrangentes da cultura e da experiência
humana, que vão dos problemas do dia-a-dia –
relações humanas, meio-ambiente, cidadania - a assuntos
filosóficos mais complexos que, de alguma forma dizem
respeito a todos e a cada um de nós.
Por isso, incentiva a todos que visitam seu blog a
deixar comentários, críticas, sugestões e depoimentos
sobre suas próprias vivências a respeito dos temas desenvolvidos,
ou mesmo propostas de novos assuntos de
interesse geral.
Parcerias também são bem-vindas, pois o objetivo
final desse trabalho é ir construindo dentro do blog um
verdadeiro espaço comunitário sócio-cultural e educativo,
voltado a questionar e buscar soluções tanto para
nossas angústias interiores (dores da alma) como para
problemas comunitários.