domingo, 8 de novembro de 2009

Fundamentalistas Pífios da Moral

Tomada pela indignação, custei a encontrar um título para esta crônica. Entre outros, pensei em “O AFEGANISTÃO É AQUI”, “ESTRATÉGIA SIMPLÓRIA”, “VERGONHA”, “IMORAL É A EXPULSÃO”, “JUSTIÇA MEDIEVAL” ou, como lembra Hélio Schwartzman no artigo “Culpar a Vítima: essa foi a estratégia”, DEFAECATIO MAXIMA.[1]
A opção pelo título é uma referência ao excelente artigo[2] do filósofo esloveno Slavoj Zizek, escrito há praticamente uma década, mas sempre atual e no qual o autor contrapõe o fundamentalismo autêntico ao fundamentalismo de uma maioria moral que evidencia a hipocrisia dos puritanos, o jogo invejoso com que temos sido impregnad@s pela cultura, que faz com que projetemos agressivamente sobre tod@s aquel@s que ousam ser diferentes (pecador@s), nosso incomensurável e reprimido desejo de assumir as nossas próprias (pecaminosas) diferenças..
A esta altura da crônica, acredito que tod@s @s leitor@s já tenham identificado o tema: a expulsão da Universidade, de uma aluna que foi vítima de hostilização injuriosa de colegas, por estar usando um traje considerado muito curto pela “maioria moral”. Na dúvida, pro stereothypo! E viva a justiça dos homens e (pasmem!) de algumas mulheres vestibulandas, fadadas a cumprir o papel que o androcentrismo lhes reservou. Santa (ou invejosa) ingenuidade. Esperamos que jamais tenham acesso ao poder.
Enfim, instigados por auto-intitulados educadores e juristas, vigilantes de plantão da pífia moral, os dirigentes da Universidade tomaram a atitude mais conveniente à manutenção do status quo androcêntrico: a vítima é mulher? Expulsemo-la. A propósito, cabe lembrar o depoimento em vídeo, logo após o incidente (com direito a chamada na home da uol), do já famoso Içami Tiba que, como sempre, lembrou a importância dos hormônios masculinos, afetados pela “provocação” feminina.
A grande “pérola” do ilustre psiquiatra, desta vez, foi uma comparação desastrosa, mais ou menos nos seguintes termos: “O que aconteceria se nós fôssemos sem roupa a um Shopping Center?” (!!!). A seguir, percebendo o absurdo da proposição, tentou consertar: “Claro que não é a mesma coisa, mas antes de sair de casa as mulheres devem observar suas roupas e ver se estão “adequadas” ao ambiente, para não serem provocadoras”.
Para completar meu desconsolo, ao levar a questão a debate esta tarde em uma reunião, ouvi de alguns dos homens e mulheres presentes, de várias idades, frases do tipo: “Estão certos, mulher e filha minha não sairiam de saia tão curta” , “Ela estava querendo”, “É complicado, não sei não” ou, usando da mesma “lógica” acima citada: “Eu não vou à Igreja de mini-saia” (!).
É, a coragem daquele que ‘se assume como realmente é’, é um pecado imperdoável ao olhar d@ invejos@, vale dizer, da maioria moral, pois, como lembra Zizek “o fundamentalista da Maioria Moral é sempre assaltado pela atitude ambígua de horror e inveja em relação aos indizíveis prazeres a que se entregam os pecadores” ... “fundamentalistas autênticos não invejam os diferentes prazeres de seus vizinhos”.
Assim é que, premida pela moral, a transgressão aos preceitos incutidos pela tradição patriarcal se nos apresenta como inconcebível e, dessa forma, perdemos a oportunidade de nos individualizar. Sem coragem de enfrentar “nosso desejo de pecar”, somos lançados à vala comum da Maioria Moral que se deixa corroer pela inveja.


[1] Folha de SPaulo, domingo, 8/11/09,Especial C1.
[2] Budismo Ocidental? Não, Obrigado.In Folha de S.Paulo,Caderno Mais, 03/12/2000.

9 comentários:

Daniela disse...

A universidade justifica que não foi pelo tamanho da roupa, mas sim por gestos e atitudes (?!?!?!) da menina. O conhecido Doutor sequer comenta sobre a insanidade cometida pelos universitários(as!),a não ser é claro sobre os hormônios "afetados". MEDA!!!

Suzete Carvalho disse...

Pois é, minha filha, esse é o mundo patriarcal que ainda temos que enfrentar: os hormônios masculinos não podem ser "provocados", ou a culpa será das mulheres se eles cometerem atos de insanidade. E se alegam plenos de "racionalidade". Depois, dizem que as mulheres são "descontroladas" devido a seus hormônios e lhes alegam irracionalidade. Essa a lógica androcêntrica.
Dois pesos, duas medidas.
Uma uni-versidade que des-une, fragmenta, expulsa, DISCRIMINA O SEXO FEMININO e ACATA A INJÚRIA, e só nisso já percebo dois crimes. Por outro lado, há o DANO MORAL à vítima, que é irreversível. Sem contar a exposição do Brasil, pois o caso está nos principais jornais do mundo.
Tento fazer a minha parte, esperando que isso não acabe em pizza. Se não houver JUSTIÇA, cabe uma denúncia à ONU e temos ONGs muito competentes (feministas, claro), que o farão.
Beijos.

Eugênia Pickina disse...

Querida Suzete, seu texto vem contrapor as ideias nefastas de uma cultura androcêntrica, que justifica o horror a partir da infâmia cometida contra a vítima. Mais grave, a atitude do Içami em querer fundamentar o injustificável e o horror por meio da "provocação feminina"... Para enojar mais ainda, essa lógica androcêntrica propagada também por muitas mulheres, machistas... Elas, também colonizadas e mascaradas pela falsa moral... Uma lástima. Sua indignação é justa e afeta toda aquele que aspira a um mundo no qual as diferenças sejam respeitadas e os gostos também... Civilização retrógrada. Já lhe disse uma vez e repito: "saudade do futuro". Obrigada pelo texto, que nos alerta sobre a inveja camuflada de "costumética". Bjs. Eugênia.

VGitana disse...

Bem sobre esse "Epsódio" o que tenho a comentar é que eu acho que a Universidade fez bem em expulsar, pois não teria mais clima a garota Geisy continuar frequentando a Universidade, até mesmo pela segurança da própia Geisy, pois os alunos não iriam deixa-la em paz, até mesmo podendo ser vítima de um estrupo ou coisa pior e se isso viesse acontecer com certeza iria cair sobre a Universidade toda responsabilidade do acontecido!
Não sei se existem dois lados nessa situação pois como Geisy mesmo disse em entrevista que os alunos estavam acostumados ver ela a se vestitir assim, então eu acho que nesse dia ela com certeza deve ter feito algo que provocou essa confussão e esse assédio, pois uma Universidade inteira não ia se manifestar por um simples vestido mais sensual, já que estavam acostumados com o seu estilo e o jeito Geisy de ser.
Se ela fez isso para ter alguns minutos de fama, dou lhe os parabéns pois ela conseguiu , pois não falam em outra coisa na Midia Braiselira e em outros Países, se ela tivesse indignada com a situação, não iria dar corda para a midia continuar o assunto aparecendo em entrevistas com roupas mais decotada e sensuais do que o "vestido pivô" da confussão, simplismente iria querer abafar o caso o quando antes e não falar mais no assunto , pois o que nos incomoda queremos que fique no esquecimento o mais rápido possivel, mas vai saber vai ver ela está esperando um convite para posar na Playboy ou participar de algum programa de TV, pois é o mundo é dos loucos, hoje em dia para subir na vida tão rápido tem que ter um momento de insanidade e ver no que dá, fico feliz pela coragem dessas pessoas de se expor e expor a familia....
Como foi dito , não se vamos a uma igreja vestida do jeito que bem queremos, e uma Universidade também é um lugar de respeito, como não é adequado ir a uma praia de salto alto e vestido de festa ou de terno,vai de cada um ter o bom senso e saber como se vestir e se comportar em lugares apropriados, pois quem quer ser respeitada antes tem que se dar o respeito!
Desculpem quem a defende porém essa é a minha opinião, não ha vejo como vítima!!
Amei seu Blog!! Parabéns! Besos!!

Anônimo disse...

Oi Suzete
Fiz questão de enviar um e-mail a tal Universidade - o universo das ciências - avisando que eles são favoráveis a queimar índios em pontos de ônibus, espancar prostitutas ou chutar homossexuais. E pelo jeito não fui a única a alertá-los.
O que se pode esperar de um País, de uma cidade que se diz a maior da América Latina, onde seus estudantes não são convidados a um debate com especialistas das áreas de antropologia, psicologia, filosofia e também moda.
Imagina se todos os "diferentes" fossem apedrejados?
Você aborda na crônica o questionamento de como as pessoas estão reprimidas. É uma coisa além do que se imagina, especialmente há poucos dias 2010. 2010, uma Odisséia no espaço! A cena do macaco batendo no aparelho de TV. É tudo isto, agora.
E muito mais.
A tecnologia transformou o cotidiano. Sim para melhor. Mas alguém pensou em estudas as "neuras" que poderiam surgir?
A web, os celulares, as câmeras digitais nos vigiam. A casca do ovo da serpente quebrou, a caixa de pandora foi aberta, o homem volta ao seu estágio mais primitivo.
Vamos iniciar um movimento pelo Dia da Mini-Saia.
Bjos
Maristela Ajalla

Suzete Carvalho disse...

Ímpossibilitada de responder ontem, pelo cansaço e pelo adiantado da hora, aos instigantes comentários acima, passo a fazê-lo, agora, pela ordem em que foram postados.

Suzete Carvalho disse...

Olá, sempre bem-vinda Eugênia.
Você tem razão, é uma "lástima" em todos os sentidos pelos quais se tenta abordar a questão. Lástima pelo comportamento injurioso da turba, por haver ocorrido nas dependências de uma Universidade - local que se pretende formativo das novas gerações de profissionais - , pela absurda tentativa de "fundamentar o injustificável", pela "colonização" androcêntrica de nossas jovens que não se percebem, elas próprias, como instrumentos a serviço da perpetuação do status quo patriarcal.
Lástima, sobretudo, pela hipocrisia mascarada de moral.
Enoja, sim, perceber que tudo isso vem entremeado de nefasto preconceito, apoiado pela "inveja camuflada de costumética".
Obrigada pelo comentário, que amplia e enriquece o diálogo.
Abraço carinhoso.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Gitana. Que bom que você "amou meu blog".
Como não a conhecia, entrei em seu blog e, estava admirando sua "boa-forma" quando meu computador travou. Tive que desligá-lo e, receosa de uma nova pane, não voltei a acessar o VGitana.
Quanto ao incidente da Uniban, realmente algumas pessoas fazem coisas incríveis "para ter alguns minutos de fama", enquanto outras, até mais "bem dotadas", ficam no ostracismo a vida inteira, não é mesmo? Indignadas por se verem proteladas, acabam projetando sua insegurança sobre a pessoa que se expõe, como, entre outr@s, aqueles que participaram diretamente da "confusão".
O fato é que em toda situação, sempre existem "dois lados" e às vezes é difícil abarcar os meandros sócio-psicológicos que extrapolam nossa racionalidade.
"Besos" también.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Maristela, jornalista milagreira. Meu blog estava sentindo falta de seus desafios.
Adoraria conhecer os termos do e.mail de alerta que você enviou à "tal Universidade".
A ideia de um movimento para instituir o "Dia da Mini-Saia" é muito instigante e talvez devêssemos propô-lo para blogueir@s com acesso à home da Uol, Terra e outros provedores importantes, cujas postagens são alvo de inúmeros visitantes.
Insight(!): Que tal o Tas?
De qualquer forma, fica lançada a ideia desde já, esperando que @s leitor@s descubram o novaeleusis nesse emaranhado de matérias críticas e acríticas, engajadas e alienadas que deságuam ininterruptamente no mundo virtual.
Quantos aos seus demais questionamentos, serão objeto de uma postagem específica, assim como a proposta de um movimento pelo Dia da Mini-Saia, ou, como sugere JB, "Dia do Vestido Curto".
Me aguarde (rsrs). A propósito, não fique sumida por tanto tempo, está bem?
Beijos.