segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Há pouco mais de...

Não escolho temas para escrevinhar: eles me escolhem e tramam formas e fórmulas para me envolver, do sonho à sincronicidade, do insight ao fato concreto que instiga à atitude, à indignação, ao grito, com o beneplácito de minha conselheira, Dª Nena, sempre pronta a me “chamar às falas”.

Assim, ontem acordei com a expressão-título (Há pouco mais de...), a me apoquentar enquanto tentava decifrá-la, até que, logo ao abrir o Jornal Folha de S.Paulo (sempre começo pela leitura do Caderno Mais) e deparar com o artigo Mulheres Marcadas, de Eva Blay, entendi a “mensagem cifrada”.

Sim, há pouco mais de meio século o nazismo torturava, violentava e matava milhões de seres humanos sob o olhar impassível das grandes potências e a cooperação de nações “cordiais” que lhes alimentavam prisões e fornos com “Olgas” e “Sabos” insubmissas; há pouco mais de um século, vivíamos (cordialmente?) sob a égide legal da escravatura.

Cordialidade esquecida também, há muito menos tempo, pois, há pouco mais de três décadas, censura e tortura faziam parte de nosso cotidiano e as mulheres casadas eram consideradas semi-capazes para os atos da vida civil, ao lado dos índios e dos “loucos de todo gênero”, e qualquer “cordialidade” de sua parte era considerada suspeita.

É pouco? Pois bem, há pouco mais de uma semana, uma jovem foi assediada, ofendida e quase estuprada por centenas de colegas, sob os auspícios de uma Universidade que “cordialmente” perpetrou à luz da madrugada, sua expulsão do ‘sagrado campus androcêntrico’, pelo crime de usar um vestido curto, que conspurcava a inocência (e os hormônios) de alun@s cordiais, sob os aplausos de parte da platéia alienada.

Sim, há pouco mais de cinco minutos, creiam-me, alguma mulher indefesa foi agredida ou violentada mundo afora, por seus próprios companheiros e parentes; há pouco mais de dez segundos alguma lágrima rolou disfarçada entre burcas, véus ou simples lenços de chita.

Como os meus, neste momento, centenas de milhares de olhos azuis, verdes, negros ou castanhos, de homens, mulheres e crianças, estão marejados pelo sofrimento e impotência ante a violência gratuita, a miséria degradante e o preconceito excludente a que são submetidos pela cegueira prepotente, alienada ou indiferente de privilegiados que se acreditam dignos seres humanos.






2 comentários:

Eugênia Pickina disse...

Oi Suzete. Primeiro, sinto mesmo que aquele que se coloca para escrever termina por ser "escolhido" pela temática ou pela 'sedução' das palavras, desejantes de uma composição. Segundo, quanto ao texto, expressivo, também sinto pela perenidade ainda, nesses nossos tempos, dessa visão polarizada, que (re)inventa formas e hierarquias. Vivam as diferenças e é uma lástima os preconceitos e todo exercício (visível ou invisível) de dominação. Obrigada, querida, pela sua escrita. Ela conta, critica, inspira. Bjs.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Eugênia querida
Obrigada por seus comentários que sempre enriquecem o que pretendo expor em meus escritos.
Felizmente o exercício da dominação, com seu séquito de inveja e preconceito, é contrabalançado pelo exercício do Amor e Compaixão de pessoas especiais como você e seu companheiro estelar.
Abraço carinhoso.