domingo, 15 de agosto de 2010

Troços e Traças

Movidas pela euforia das comemorações – Dia das Mães, Dia dos Namorados, Copa do Mundo e férias – e também pela redução do IPI sobre automóveis, eletrodomésticos e móveis, muitas pessoas perderam o controle de seus gastos nos últimos meses, comprometendo o orçamento familiar e voltando a elevar os índices de inadimplência dos consumidores.
Essa constatação me fez lembrar um fato ocorrido há muitos anos, quando cursava o primeiro ano do Ginásio (que hoje corresponde à 5ª série do primeiro grau). Reclamando para meu pai que me sentia “jogada às traças”, pois as meninas eram obrigadas a ter lições de Economia Doméstica - enquanto os meninos podiam optar por aulas de seu interesse -, ouvi, surpresa: “Economia Doméstica é uma questão de família. Tem que haver o envolvimento de todos. Quanto às traças, só aparecem quando acumulamos troços”.
Hoje percebo que (já) àquele tempo, minha visão era mais sociológica, pois me preocupava o tratamento diferente dispensado às meninas e aos meninos, enquanto o enfoque de meu pai era mais voltado a outra questão prática: a da sobrevivência econômica das famílias de classe média, mesmo em uma época em que as pessoas não eram “abduzidas” pela mídia, com seus massacrantes apelos consumistas.
Percebo mais o quanto nossas preocupações de então se interconectam e fazem sentido ainda hoje em todos os aspectos da vida, porquanto é somente nas relações equilibradas entre as experiências do passado e do presente, entre masculino e feminino e entre receita e despesa, que as famílias e a sociedade como um todo conseguirão superar os desafios de um cotidiano cada vez mais complexo, em busca de um futuro melhor.
Embora as políticas públicas educacionais da atualidade estejam voltadas para os temas transversais, com a inclusão nos currículos escolares do primeiro e segundo grau, de matérias abrangentes do tema, como Economia Financeira e Ambiental, esses esforços de nada valerão se não forem levados à prática diária de todos os membros da família hábitos de reciclagem dos materiais não degradáveis e de consumo consciente de água, luz, gás, alimentação e vestuário e de toda energia não renovável.
Enfim, resta lembrar que a questão diz respeito não apenas ao orçamento familiar, como à preservação da Natureza e à própria sobrevivência humana, sem contar que há ainda muitos outros “troços” importantes a erradicar – como o preconceito, a miséria e a violência doméstica, entre outros – para que nossas crianças não fiquem jogadas às traças, vale dizer, à própria sorte.


Publ. no Jornal Gazeta do Ipiranga, em 13/08/2010, pág. B-2, "Coluna da Suzete".

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