sexta-feira, 10 de setembro de 2010

De Poços e Fossas

Consternada com a luta pela sobrevivência - amplamente divulgada nos noticiários das últimas semanas -, de um grupo de trabalhadores soterrados pelo deslizamento de uma mina chilena de cobre e ouro, passei a filosofar sobre o comportamento humano em situações de estresse. Sempre atento, meu companheiro questionou: -“Acho que esse soterramento te deixou na fossa”. – “Não exatamente, mas fico pensando: eles no fundo do poço, tanta gente na fossa...”.

Como sempre acontece quando algo me preocupa, minha conselheira Dª Nena interferiu: - “Eis aí um bom tema de reflexão. Porque não escrevinha algo a respeito?”. Sugestão aceita, mãos à obra! Uma simples consulta ao dicionário, mostrou que entre “poço” e “fossa” há uma diferença essencial, embora ambos os termos se refiram a “buracos” mais ou menos profundos. Um poço sempre sugere a viabilidade de extração de algo valioso, como água, petróleo, etc., já, uma fossa pressupõe sempre o acúmulo de dejetos.

Embora ambos os casos tenham a ver com uma experiência de queda, cair não é decair. Caímos em algo, ou sobre algo, o que induz sempre a possibilidade de um retorno ao patamar inicial, seja por esforço pessoal, seja pela solidariedade humana. Decair é cair de algo a que nos havíamos alçado, daí a expressão “cair do galho”, tem a ver com depressão moral, uma angústia que inibe os esforços pessoais, requerendo, digamos assim, uma “faxina” com ajuda mais técnica.

Na verdade, a questão é muito complexa para ser dissecada numa mera crônica. O que me parece é que, no caso específico dos soterrados do Chile, estamos diante de uma situação-limite, a requerer fé, esforço próprio, união entre as vítimas, solidariedade externa e ajuda técnica, diversamente do que acontece quando dificuldades momentâneas nos levam a acreditar que estamos “no fundo do poço”.

Nestas, a dificuldade reside em nós próprios, em nossa incapacidade de fazer emergir nossas potencialidades - confiando na centelha divina com que todo ser humano é agraciado ao nascer -, de olhar nosso entorno com mais compreensão e perceber que estamos todos no mesmo barco (ou no mesmo poço), vale dizer, de que somos – queiramos ou não – necessariamente interdependentes.

Como alerta Dª Nena, se não nos unirmos e nos aceitarmos mutuamente, corremos o risco de transformar o poço em fossa.


* Publ. no Jornal "Gazeta do Ipiranga", ed.de 10/09/2009, pág. B-2.