sexta-feira, 15 de outubro de 2010

De Novelas e Novelos

Tenho notado que algumas pessoas que se pretendem intelectualizadas e/ou politicamente corretas, insistem em afirmar, por si ou por suas famílias, uma pretensa aversão às novelas televisivas, tidas como causa de todas as mazelas que afligem a sociedade atual, assunto que a meu ver, merece algumas considerações mais aprofundadas por suas implicações sociológicas.

Toda novela contemporânea – em especial a brasileira, internacionalmente reconhecida não apenas pelo aprimoramento técnico, como especialmente pelo talento de nossos(as) artistas e a “inspiração engajada” de nossos(as) dramaturgos(as) – se caracteriza por ser uma narrativa que busca reunir em seu núcleo de personagens fictícios, importantes questões sociais que de alguma forma nos afetam a todos, ou seja, a novela televisiva, nada mais é que um reflexo da Novela Maior que é a própria vida em sociedade.

O fato é que, queiramos ou não, o substrato da novela é trazer à reflexão dos cidadãos e cidadãs as verdadeiras chagas subjacentes à convivência social, ressaltando os preconceitos arraigados em nossa cultura, o corporativismo dos grupos dominantes, o individualismo exacerbado que torna moucos aos clamores da Natureza e dos grupos populacionais mais vulneráveis, os ouvidos dos privilegiados.

A par de trazer à luz assuntos que relegamos ao esquecimento (como um “confortável” tabu), as questões sociais apresentadas pelas novelas, refletem a realidade dolorosa da convivência humana, constatadas nos chocantes fatos para os quais contribuímos, no mínimo, por omissão - das drogas à miséria, da violência doméstica à subversão de valores em todos os setores da sociedade – haja vista o enredo “abestado” da grande novela eleitoral - e que “assistimos” diariamente nos noticiários, como a um mero filme que nos emociona ou indigna momentaneamente.

Como lembra minha conselheira Dª Nena, em vez de projetarmos nos outros toda a responsabilidade pelo desequilíbrio social, precisamos repensar com autenticidade e ética nossa própria participação nesses complexos meandros, tecendo novamente os fios das necessárias relações de interdependência que nos unem, para que não se percam as novas gerações nesse frio labirinto, como os novelos habilmente desenrolados por pacientes tecelãs, que se transformam em aconchegantes mantas de inverno.

Enfim, é bom lembrar que para a maioria da população, a novela substitui o teatro e o cinema como a mais acessível forma de entretenimento e catarse.

• Publ.no Jornal Gazeta do Ipiranga em 15/10/2010, pág. A-4.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O trabalho juvenil como panaceia: uma desconstrução*

Considerações Introdutórias - Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) esteja a comemorar duas décadas, suas disposições não foram suficientes sequer para contornar o escabroso problema da exploração da mão-de-obra infantil, agravada, exatamente nesse período, pelo aumento do contingente de crianças e adolescentes nas ruas, à mercê de indivíduos inescrupulosos (às vezes os próprios pais) que os forçam a oferecer quinquilharias e/ou drogas nos semáforos, quando não lhes impingem a mendicância.
O trabalho infantil no Brasil - A crise econômica do final do século XIX reforçou o antigo argumento do trabalho como panacéia para as questões sociais, oferecendo à sociedade brasileira mais uma “desculpa” para a exploração: a da preocupação com a delinquência infanto-juvenil. Deixava-se perpassar, àqueles a quem o trabalho infantil aproveitava (os detentores do poder econômico e político), a percepção de que a criança era uma mão-de-obra mais passível de ser intimidada e mais barata.
A chegada dos imigrantes para substituir os escravos, ao não acarretar também distinções entre adultos e crianças, igualmente incorporados ao contingente de mão-de-obra, contribuiu para a manutenção do statu quo ante, somente amenizado com a implementação de normas legais de âmbito nacional e internacional, já que a questão do trabalho infantil transcende fronteiras.
O rótulo “trabalho leve”, utilizado para designar qualquer trabalho desempenhado pelas “forças marginais” – crianças, mulheres e idosos – não significa um trabalho que exija pouco esforço ou não seja nocivo à saúde, mas sim aquele que é desvalorizado, considerado fácil, porque pode ser realizado por qualquer pessoa e, por esse motivo, “autoriza” uma baixa remuneração. Assim, essa conotação de “leveza” não é dada ao trabalho infantil (ou feminino) por suas próprias características, “mas pela posição que seus realizadores ocupam na hierarquia familiar”.
A partir da C.F./88, começaram a se organizar movimentos pleiteando uma legislação especial que tratasse crianças e adolescentes abandonados e/ou infratores como cidadãos, tendo sido editado, em julho/1990, o ECA, consagrando a doutrina da proteção integral. Decorridos 20 anos, verifica-se que essa “prioridade absoluta”, não foi objeto de conscientização social e se desvaneceu em meio a mazelas de toda ordem, que se refletem no afastamento do jovem das atividades escolares e no recrudescimento da miséria – consequentemente da ignorância e da violência –, a vitimizar principalmente nossa população infanto-juvenil.
A elevação da faixa etária para permissão do trabalho infantil não tem o condão de conferir cidadania à população infantil. Ao contrário, essa proteção fragmentada, pode ter e teve como corolário, a falta de um investimento maciço em políticas públicas educacionais, a par do aumento de menores abandonados e explorados como fonte de renda por “protetores” inautênticos, ilegítimos e/ou criminosos e a inserção dos jovens em novos e macabros “mercados de trabalho”: o das drogas e da prostituição infantil.
A partir de 15/12/98, foi elevada a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, passando a ser proibido qualquer trabalho a menor de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. As demais vedações foram mantidas.
As concepções de criança/menor no Estado Novo (criança merece proteção e cuidado; menor merece repressão; criança é rica e tem que estudar, menor é pobre e tem que trabalhar; criança será o futuro do país, menor não terá futuro) ainda pairam sobre a cabeça de grande parte dos donos do poder político-econômico e/ou midiático.
Alegações de que o trabalho aprendiz é importante para a sociabilidade da criança, sua autoestima ou para prepará-la para a vida profissional futura carecem de fundamento, pois esse trabalho não raro a afasta da escola ou é a razão do seu desinteresse pelas atividades escolares, que são as únicas capazes de garantir-lhe qualificação futura para o mercado de trabalho.
A proteção ao trabalho infantil no Brasil de hoje - Apesar da legislação proibir, dados do I.B.G.E. indicavam em 2008 a existência de 4,5 milhões de trabalhadores entre 5 e 17 anos, sem falar no setor informal, em trabalhos sazonais e intermitentes e no âmbito doméstico, ou mesmo nas piores formas de trabalho infantil. Não obstante, em termos de garantir o acesso das crianças à escola, houve significativos avanços nessas quase duas décadas, os quais, entretanto, não afastam os persistentes problemas e desigualdades.
Costuma-se identificar a pobreza como o principal determinante do trabalho infantil, mas há outros aspectos, como a composição familiar (quando há vários irmãos, alguns costumam trabalhar para que outros estudem). ou nas famílias chefiadas por mulheres, o que certamente denuncia seu grau de vulnerabilidade. Também, quanto mais cedo os pais começaram a trabalhar, mais inclinados estarão em colocar seus filhos para trabalhar.
Enfim, apesar dos programas voltados a tirar as crianças brasileiras das ruas como PETI e o Bolsa Escola, é necessário que haja à disposição desses jovens uma escola pública de qualidade, que os mobilize e lhes ofereça uma formação capaz de lhes garantir uma ocupação futura digna, e que eles não se sintam “perdendo tempo” em uma escola precária e defasada, quando poderiam estar contribuindo para o sustento da família – e trabalhando para poder adquirir os bens de consumo veiculados pela mídia, em sua maior parte inacessíveis.
Questão a ser enfrentada pelas políticas públicas é a de que a escola profissionalizante é destinada aos jovens de camadas pobres, enquanto aos filhos das famílias abastadas é oferecida uma escola particular, moderna e atraente, garantidora de qualificação futura, o que alimenta a reprodução de uma estrutura social injusta, dificilmente superável. Deve-se levar também em conta, dentre outros aspectos, o fato de que o retardamento do ingresso no mercado de trabalho é um importante fator para o aumento de empregos para os adultos.
Conclusões - A crença indiscriminada no trabalho como valor dignificante em si mesmo, tem contribuído para perenizar a distinção social entre as classes privilegiadas – a quem cabe o trabalho intelectual – e as consideradas aptas somente para as atividades braçais, pelo simples fato de serem desfavorecidas economicamente. O trabalho infantil jamais será erradicado se não houver, a par de uma legislação e fiscalização realmente eficazes, uma conscientização social de que essa distinção também se exterioriza nas diferenças conceituais entre menor e criança, caracterizando uma discriminação a priori que se reflete, entre outras, nas “(...)propostas diferenciadas como a profissionalização e a repressão, para os primeiros, e os serviços essenciais como educação e saúde, para as crianças.”

* Síntese de artigo escrito por Patrícia T.M. Bertolin e Suzete Carvalho, in ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ESTUDOS EM COMEMORAÇÃO AOS 20 ANOS, org. Andréa B. Caraciola, Ana Cláudia P.T. Andreucci e Aline Silva Freitas, SP:LTr, pág. 264/277.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

MULHER E FILOSOFIA – Uma Visão Transdisciplinar

Introdução - A História e a Filosofia, substantivos femininos, são questões masculinas. Escritas por homens, para homens, a respeito de homens e de suas realizações, onde a mulher é vista como “fator secundário da sua espécie”, em um mundo androcentrado.
Gilles Deleuze afirma que “A história da filosofia deve não redizer o que disse um filósofo, mas dizer o que ele subentendia necessariamente, o que ele não disse e, no entanto, estava presente no que ele disse”. Qual o sentido de se “subentender necessariamente” proposições filosóficas que excluem ou tornam indigna a participação da mulher na história? Ora, se quando tratam das mulheres, os filósofos sempre mantiveram um monólogo, expresso ou não, deixando um legado de chauvinismo misógino, isto já não está entendido e subentendido?
O fato é que o ser humano é dicotomizado, o feminino sendo tratado como descartável (ao menos) da vida pública e intelectual, nada mais que uma condição imposta pelos deuses (e seus auto-intitulados representantes na Terra) à perpetuação da espécie, razão pela qual seu destino sempre esteve adstrito ao âmbito do privado, mas esse discurso não conseguiu apagar a presença de algumas heroínas que lograram deixar marcas de expressão como seres humanos pensantes, nos interstícios do silêncio que lhes foi patriarcalmente imposto.
Os tempos da Deusa -A história do ser humano como ser social não se resume aos registros escritos. Desde a pré-história, sua vocação gregária é inconteste e está documentada numa forma de comunicação simbólica, que poderia retratar a realidade isenta do dualismo forçado que se consubstancia em informações técnicas, porém, desvirtuadas pela linguagem excludente.
A filosofia nasceu entre os séculos VII e VIII a.C. como contra-ponto da razão às puras crenças mitológicas. Não obstante a sobreposição do saber epistêmico ao mítico, o arquétipo da deusa sobreviveu ao tempo, convivendo ainda durante séculos com o pensamento filosófico, até ser banido com a instauração definitiva do patriarcado.A argamassa social, sem o amálgama do feminino, desequilibrou os relacionamentos e degradou a participação da mulher na vida pública e intelectual. Aos filósofos coube a justificação da nova ordem, cujos pressupostos éticos foram consolidados com o triunfo do Cristianismo.
Se por um lado a imagem de Maria como a Virgem Santa traz alguns aspectos reverenciados na Deusa cultuada nas sociedades pré-históricas - generosidade, amor maternal, compaixão e paz –, por outro, dela se distancia por expressar uma visão de mundo hierarquizada, onde a mulher gera e o homem gere, sendo a submissão a característica feminina mais reforçada culturalmente.
Assim, a História e a própria Ciência acabam por distorcer evidências, como as “cenas de intimidade feminina” encontradas em escavações em Creta, interpretada como “tagarelice” feminina dos “escândalos da sociedade”. Somente com o avanço da arqueologia, os(as) estudiosos(as) passaram a reavaliar esses valiosos achados, atribuindo-lhes uma significação mais isenta dos preconceitos culturais que levaram a História a cometer erros crassos.
Não bastasse o legado tormentoso da Queda sobre a condição humana, o homem tomou a seu cargo o controle do Saber e a função de algoz de todas as “Evas Pecadoras”, impondo-lhes o recolhimento a um “papel feminino” pré-determinado, que tem como corolário a manutenção na ignorância. A clausura e o silêncio funcionaram como um castigo adicional.
O declínio da deusa - Dessacralizada a Deusa, o homem passa a ser o eixo em torno do qual orbitam astros desprovidos de luz própria: as mulheres. Ao princípio matrilinear da alteridade, sobrepõe-se o ensimesmamento patriarcal, que não aceita o diferente, o outro, principalmente quando esse outro é feminino. Mas “esta espécie ainda envergonhada” não se deixa abater e, deusa ou humana, vai deixando as marcas de sua passagem por esta Terra que é de todos. Assim, as qualidades femininas foram resguardadas no tempo, pois são imprescindíveis ao equilíbrio da humanidade.
Mulheres Filósofas – Na antiguidade, cabe lembrar inicialmente Hipácia “astrônoma, matemática, física, filósofa e historiadora, última diretora da Biblioteca de Alexandria, assassinada cruelmente pelos fanáticos do Patriarca Cirilo, pouco antes do incêndio que destruiu uma das maiores realizações da humanidade. Hipácia foi relegada ao esquecimento, seu nome banido dos registros, sua obra destruída. Cirilo foi canonizado”(Beto Hoisel).
Antes dela, raras foram as mulheres que se destacaram, portanto, não há como deixar de admirar a coragem de Safo de Lesbos, poetisa proclamada por Platão como “a décima musa”; de Aspásia, a cortesã nascida em 470 a.C, admirada por Sócrates por sua “rara sabedoria política” ou das mulheres que influenciaram Pitágoras, como a sacerdotisa Temistocléia e a filósofa Teano, a quem alguns atribuem ao menos parte de seus escritos e teoremas.
Ao acender (ou apagar) das luzes do Medievo, nova força patriarcal se (des)une ao cristianismo: O Islã. Filósofos como Avicena (980-1037) e Averrois (1126-1198), contribuíram para o desenvolvimento da filosofia tomista, solidificando a teologia cristã. Assim, se a Idade Média não foi um período de trevas, o foi com certeza para as mulheres, obscurecidas durante os séculos que se seguiram ao assassinato de Hipácia. Algumas, iluminadas, conseguiram distinguir-se por entre as trevas, principalmente quando conectadas ao misticismo cristão, entre elas a monja-filósofa Hilda de Whitby (614 a 680 d.C.); a mística alemã Hildegarda de Bingen (1098-1179), filósofa mística Beatrice de Nazareth (1200-1268) e Santa Gertrude (1256-1302), que brilharam por si e em si mesmas.
Nenhuma, porém, conseguiu, como Teresa de Jesus (1515-1582), canonizada em 1622, receber o título de Doutora da Igreja, provavelmente por haver fortalecido em seus escritos os dogmas do catolicismo, então ameaçado pela Reforma. Um último nome relevante (laico) a ser destacado já ao “apagar” da Idade Média é o da filósofa Cristina de Pisan, comparada por seus contemporâneos a Cícero e Catão, por sua eloquência e sabedoria.
A Idade moderna não é mais pródiga em revelar nomes femininos, exceção feita a duas pensadoras pré-feministas, Olympe de Gouges (1745/93), e Mary Wollstonecraft (1759/97).
Jornalista e dramaturga, democrata por convicção, Olympe se distinguiu por ser anti-escravagista e por sua luta pela igualdade de direitos, tendo contraposto à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (setembro de 1791) e escrito um (novo) Contrato Social propondo relações igualitárias entre os cônjuges. Sua decapitação pelo “Terror”, cabe como uma “luva metafórica”: a mulher, no androcentrismo, é corpo, não cabeça. Qual na celebrada democracia grega, dois milênios antes, os ideais que inspiraram a Revolução Francesa e a Declaração de Direitos do Homem, não se aplicavam aos excluídos de sempre (mulheres e escravos).
Mary Wollstonecraft entendia o feminismo como luta pelos direitos de toda a humanidade e não se deixou anular pela formação num lar sob a violência de um pai perturbado, transformando o sofrimento em alavanca para desenvolver as polêmicas “Reivindicações” que a levaram à cena dos debates políticos no contexto das primeiras Declarações de Direitos.
No século XIX, o surgimento de novas correntes filosófico-literárias, científicas e políticas, desfocou os interesses e a mulher, minoria solitária, se desdobrou. Ativistas em várias frentes, suas armas foram vestir-se de homens e usar pseudônimos masculinos, como George Sand e Flora Tristan. Filósofas, escritoras, abolicionistas, educadoras, sufragistas, socialistas militantes, não receberam o reconhecimento dispensado a seus pares, como aconteceu, entre outras, com a escritora Nísia Floresta (1810-1885), precursora do feminismo no Brasil.
A mulher na filosofia contemporânea - Na primeira metade do século XX várias mulheres conseguiram ser, pela primeira vez na História, respeitadas pelo mérito de seu próprio trabalho e ideias, independente do rumo que imprimiram a suas vidas privadas, como Margareth Mead (1901/78), Hannah Arendt (1906/75) Simone de Beauvoir (1908/86); Simone Weil (1909/43), Íris Murdoch (1919/99), Riane Eisler e Betty Williams, ganhadora do Nobel da Paz de 1976.
A antropóloga-cultural Margareth Mead não se limitou a teorizar, mas saiu a campo para estudar sociedades atuais cuja cultura é considerada “primitiva” e foi membro da “escola da cultura e personalidade” cujo expoente máximo foi Ruth Benedict (1887-1948). Hannah Arendt é outra demonstração do ecletismo feminino. Seus estudos sobre o totalitarismo revelam o perigo da condescendência como forma de banalização do mal, induzindo a uma ética de “não-violência vigilante e crítica”, a ser adotada por governantes e governados.
Já Simone Weil, asceta e mística, acreditava na meditação e na sabedoria dos ensinamentos contidos nos Livros Sagrados, como fonte de transcendência e, no jejum, como arma potente contra a injustiça. Iris Murdoch, também se insere no contexto filosófico do pós- guerra, ao unir seu misticismo à filosofia existencialista, tornando-se polêmica pela abordagem de temas sexuais.
Na última metade do século vinte, novas evidências científicas deslocaram o enfoque filosófico sobre a realidade bio-psico-física, social e cosmológica, ao abalar “verdades” milenarmente assentadas. É nesse hiato androcêntrico-filosófico, visto por alguns como a “morte da filosofia”, que a mulher se insere, conferindo-lhe novas perspectivas, na profusão de livros, teses e artigos de estudiosas(os) que passa a ser divulgada, numa reconquista feminina da liberdade de expressão. Infelizmente, este trabalho não permite um justo levantamento nominal.
Resta lembrar que a busca feminina por um mundo melhor, hoje transpõe inclusive barreiras religiosas dentro de seu próprio habitat, insurgindo-se contra orientações da Igreja, ao repensar o mundo atenta aos clamores ecológico-feministas e consequentemente social-filosóficos. Refiro-me à participação nos debates da monja e teóloga brasileira Ivone Gebara, cuja importante contribuição filosófica chega a incluir questões sobre a sexualidade, vista como uma questão política em sua surpreendente “teologia ecofeminista”.
Considerações Finais - A mulher já conseguiu atravessar o “umbral sagrado” que a separava do espaço a que sempre fez jus, mas não nos iludamos, o patriarcado, assim como a história ou a própria filosofia, como advogam vozes antifeministas, não acabou. A estrada é longa e pedregosa, em defesa do bom senso da humanidade.
Minha tese é a de que as mulheres não devem mais “redizer” o que disseram os filósofos a seu respeito, nem tentar mais subentendê-los, pois, ao fazê-lo, reforçam as considerações pejorativas que eles lhes dirigiram. Significa dizer que, aplicado o entendimento à Filosofia Feminista, sob o prisma da hermenêutica jurídica, a última ratio de uma solução justa à questão das mulheres é a própria realidade (a ultrajante condição feminina). Se a filosofia, como lembra Olgária Matos, sempre teve (ou deveria ter tido) a atribuição de consolar a alma sofredora, cabe-nos agora resgatar sua vocação curativa, fazendo cicatrizar as chagas decorrentes do esquecimento a que ela própria nos relegou, violentando nosso corpo e nossa alma.
Necessário se faz ressignificar eventos e redimensionar a História, enfrentando a fria razão patriarcal em suas bases lineares e utilizando todas as perspectivas que o saber humano nos oferece, sejam científicas, fenomenológicas, intuitivas, sincronísticas ou mitológicas. Acredito que a Filosofia precisa ser retomada e também redimensionada, reassumir sua vocação metafísica, num “repensar o pensamento” filosófico propondo novas respostas às indagações universais, fundada na relevância da experiência humana – feminina e masculina –, pois o feminismo já exorcizou a opressão.
Parece-me que, ao monopólio androcêntrico e à violência-simbólica de um dualismo ancorado no poder, disfarçado de saber filosófico, dever-se-ia contrapor agora uma filosofia inclusiva e eticamente fundada que, levando em consideração a experiência humana como um todo, poderia, quiçá, encontrar caminhos para enfrentar a mais profunda indagação da alma humana: Quem Sou Eu?.

(Resumo de Ensaio escrito por Suzete Carvalho, in Mulher, Sociedade e Direitos Humanos, org. Patrícia T.M.Bertolin e Ana Cláudia P.T. Andreucci, SP:Rideel, 2010, pág. 804/833)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

OUTUBRO

O mês de outubro é inspirador, pois desde sua primeira semana é rico em exemplos de trabalho e amor: dia primeiro é a data comemorativa da angelical Santa Terezinha do Menino Jesus; dia dois celebramos a data do nascimento de Gandhi, que coincide com o dia dedicado a todos os anjos; dia quatro é o dia dedicado a São Francisco de Assis e no dia oito reverenciamos Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil.
Meditar sobre o que representam, com seus legados de esperança para o futuro da humanidade, é uma forma de criar condições propícias ao aprimoramento das relações do ser humano consigo mesmo, com o outro e com o divino. A propósito, as mensagens e o exemplo de grandes homens e mulheres de todos as épocas, que marcaram a história da humanidade, são uma forma de re-encantamento do mundo, caminhos a serem seguidos especialmente em tempos de violência como o atual.
Para reverter o processo de violência e exclusão de que estamos saturados, temos que nos reconhecer como co-partícipes de um todo social e planetário que, se tem muitas fraquezas, tem na diversidade uma das demonstrações de sua grande riqueza e na união uma manifestação de sua força criadora, haja vista os movimentos sociais, com forte participação estudantil, que culminaram em outubro de 1988 com a promulgação da Constituição Cidadã, precursora de novos tempos de liberdade.
Mas, as comemorações de outubro não param por aí: dia doze celebramos o Dia da Criança, com seu papel preponderante no encantamento da vida; e dia quinze é dedicado aos professores, classe abnegada cuja vocação missionária é imprescindível ao desenvolvimento da criança, do jovem e conseqüentemente do país, como bem lembra Dona Nena, minha sábia conselheira.
Enfim, o dia vinte e oito é dedicado ao Servidor Público, em homenagem abrangente que compreende desde os chamados ‘barnabés’, que respondem pela maior parte dos serviços; o magistério e a magistratura sem cuja existência não haveria educação nem justiça; os policiais e militares de todas as categorias, sem os quais estaríamos à inteira mercê da violência; a classe médica – com sua missão curadora; passando por incontáveis outros trabalhadores até alcançar a classe Política, a quem cabe(ria) gerenciar esse universo.

Nas tramas do tempo

“Parece que foi ontem” é uma afirmação das mais constantes em nossas conversações. Aliás, é consenso geral que o tempo está passando cada vez mais rápido e muito se tem especulado a respeito do tema, seja sob um prisma filosófico-existencial (que o digam @s idos@s), seja sob as “antagônicas”(?) explicações místicas e científicas.

Á guisa de lembrete, acredito oportuno dizer que o uso mais ou menos frequente de aspas, interrogações e parêntesis quando escrevinho, nada mais é do que uma (forma de) provocação intencional a uma reflexão mais profunda, que lanço a mim mesma e, consequentemente, aos leitores e leitoras afeit@s ao pensar. Aliás, parece-me, é principalmente nessas insinuações “entrelinhas” ou subliminares – que se apresentam inclusive nas imagens, cores e situações vividas ou vislumbradas na arte -, que se nutrem nossas potencialidades criativas, numa “tradução/reconstrução cerebral” como diria o filósofo da complexidade Edgar Morin.

A propósito, aceitando o desafio que a divagação propôs e por ser um tema que me atormenta (ou deleita?) nas lucubrações filosóficas a que me entrego desde sempre, retorno à questão do tempo (embora não fosse esse o objetivo inicial desta postagem), apenas para lembrar ainda que a grande “sacada” sobre a verdadeira natureza do tempo cabe a Einstein, cujas pesquisas sobre a relatividade levaram à conclusão de que o tempo/espaço nada mais é do que uma dimensão que se deforma (encurva) ante a presença de corpos (massa) e/ou energia.

Neste momento em que me empolgo a divagar sobre um assunto sobre o qual minhas pesquisas são acanhadas e, portanto, quando corro o risco de me perder em minha “leiguice”, sou salva (como sempre) por minha conselheira Dª Nena: - “Afinal, sua proposta ao começar a “maltraçar” essas linhas, não era apenas pedir desculpas aos leitores e leitoras pela demora em voltar ao blog? Cai na real, mulher”.

De fato, minha única e humilde pretensão ao iniciar esta matéria era – e ainda é – informar aos(às) leitor@s que, apesar das várias interrupções temporais das postagens, o blog continua sendo a menina dos meus olhos e cada visita é recebida com o mais profundo respeito, haja vista que jamais deixei de responder aos comentários. Assim, os afastamentos eventuais (ou, se preferirem, a falta de periodicidade nas postagens) se deveram ao fato de que nos últimos meses os acontecimentos literalmente se (ou me) atropelaram, a ponto de fazer com que eu perdesse a noção do tempo.

Mais objetivamente: há nove meses, enquanto gestava co-participações em livros que recém vieram à luz, vi-me envolvida com inúmeros eventos culturais decorrentes de uma função que aceitei a pedido de amigos e à qual me atirei de corpo e alma (como aliás, é de minha índole, em tudo que faço). Eis senão quando, missão “mais alta se alevanta” e cuidados familiares e pessoais, necessários e urgentes, me forçaram a percorrer a dimensão do tempo por caminhos outros.

Mea culpa consignada, espero me redimir aos olhos d@s interlocutor@s e amig@s, oferecendo o melhor de mim nestes escritos e nos debates/palestras e Mostras cujos convites me acenam como corolário de um parto cultural feliz.

Namastê.