quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Espada de Alexandre

Há meses não tenho oportunidade de postar artigos para a série Nó Górdio que fundei no blog, incentivada pelas “provocações” da jornalista Maristela Ajalla. Ontem, relendo trechos de O Livro de Ouro da Mitologia, de Thomas Bulfinck, deparei com o Mito de Midas, rei da Frigia e filho de Górdio, a quem se atribui um nó “a propósito do qual se dizia que, quem fosse capaz de desatá-lo, tornar-se-ia senhor de toda a Ásia”.

Como entender as origens das expressões que usamos, nos auxilia a entender as profundas metáforas tantas vezes nelas contidas, entendi por bem escrevinhar esta crônica reproduzindo a parte do mito que nos interessa, ou seja, no momento em que Górdio, um pobre camponês, chegou com a mulher e o filho numa carroça, à praça pública em que o povo estava exatamente deliberando sobre uma profecia do oráculo, segundo a qual o novo rei chegaria numa carroça.

Escolhido assim para governar a Frigia, Górdio teria dedicado a carroça à divindade do oráculo, atando-a com o famoso nó. Muitos teriam tentado desatá-lo em vão, até a chegada de Alexandre Magno que não se deu por vencido pelo insucesso de sua própria tentativa: impacientou-se, “arrancou da espada e cortou-o”. Com o tempo, Alexandre subjugou toda a Ásia, o que nos dá alento para tentar desfazer os nós górdios (ou os passos dados no passado e no presente, como diria Maristela) que nos atam, vez por outra, a situações aparentemente insolúveis.

E naqueles casos mais renitentes, em que quanto mais tentamos desamarrar, mais fortalecemos os nós, há, sim, que substituir o Jó que em nós subsiste e nos permitir uma dose de impaciência que nos leve a tomar de nossas espadas e cortá-los definitivamente. Só assim, talvez, conseguiremos “cumprir os termos do oráculo em sua verdadeira significação” subjugando nossos apegos.

Na primeira oportunidade, retornarei ao tema em artigo específico (Nó Górdio VI) e ficaria encantada se recebesse sugestões sobre questões que nos amarram inadvertidamente, para que pudéssemos unir nossos esforços para seu desate.

Namastê.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ouviram do Ipiranga...

Procurando um mote para a crônica, resolvo dar uma perambulada pela vizinhança em companhia de Dª Nena, amiga e conselheira de sempre. Com a sabedoria de quem viveu as grandes transformações do século vinte, a sábia senhora me alerta a olhar o bairro com “olhos de ver” e não somente de criticar: - “Nossa tradição histórica é tão importante, que está representada no próprio Hino Nacional. Apesar de seus problemas, há também beleza e grandeza em tudo que nos cerca, portanto, não se atenha apenas às críticas”.

- “Por isso mesmo temos que ter vergonha na cara e procurar, no mínimo, mantê-lo limpo e à altura de suas tradições. Afinal, essa é uma das lições de cidadania que já devíamos ter incorporado”, retruquei. – “Está bem. Então vamos ao trabalho, mas seja mais flexível, observe as pessoas com compaixão, sinta os aromas, os sons....”.

A sirene de uma ambulância que passava em alta velocidade não me permitiu escutar o final da frase. Resolvi me fixar nos aromas, quando um ônibus que se aproximava reengatou a marcha, exalando um bocado de gás carbônico. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, pensei, sorrindo desanimada para mim mesma. Uma senhora que passava levantou meu astral ao retribuir simpática e alegremente o sorriso.

Reanimada, voltei meus olhos para uma bela árvore plantada nas proximidades. Sobre um pequeno canteiro que a rodeava, notei um pacote. Que conteria? Não precisei chegar muito perto...o odor revelou seu conteúdo. Alguém levara seu animal a passear e recolhera devidamente suas fezes em um saquinho, mas, que pena!, esquecera-se de fechá-lo e colocá-lo na lixeira. Apreendera a lição de cidadania pela metade. Com essa Dona Nena não contava. Nem eu.

Distraída, quase tropecei em uma mulher envolta em trapos, sentada no chão com a cabeça apoiada no muro de uma bela mansão tombada. Envergonhada pelo desequilíbrio social e, porque não dizer, pelos palavrões que me foram dirigidos, mal tive tempo de pensar na lição de Dª Nena sobre compaixão, pois logo à frente a potente campainha do palacete, tocada com insistência por um elegante senhor, atingiu meus tímpanos e meu cérebro.

Dª Nena me consolou: - “Irritou-se por que? Não era um mote que você queria? Pois já o tem...”.


*Publ.na "Coluna da Suzete" do Jornal Gazeta do Ipiranga, ed.de 12/11/2010, pág. C-4