sábado, 19 de março de 2011

Ora, minha Senhora!

Vez ou outra, pisciana que sou, meu aniversário coincide com os festejos de Carnaval. Este ano, a par dessa coincidência, outra efeméride ocorre no tríduo de Momo: o Dia internacional da Mulher. Essas considerações e uma expressão usada esta semana por famoso apresentador de televisão, me fizeram recordar um fato ocorrido há várias décadas ou, se preferirem, há muitos (muitos mesmo) Carnavais, em que, recém-casados, eu e meu marido nos refugiamos em pacata cidade do interior paulista para uma comemoração mais intimista.

Em lá chegando, ficamos felizes em conhecer um simpático casal de portugueses, também fugitivos de folias e foliões, o que nos pareceu fechar com chave de ouro nosso projeto de celebrar en petit comitê minha entrada na maioridade, em que pese eu haja suspeitado uma ligeira arrogância por parte do bem falante senhor, em flagrante contraste com a, digamos, humilde e silenciosa postura de sua bela esposa.

Conversa vai, conversa vem, acatamos alegremente a proposta para uma partida de “buraco”, inocente jogo de baralho em que – à falta de televisão, ainda incipiente nos lares e pequenos hotéis de classe média -, éramos craques (a “tranca” ainda não estava na moda). Logo percebemos que minha suspeita tinha fundamento, pois, à sugestão feita por meu marido, de sortearmos uma carta para a formação dos pares, o “bem falante” parceiro saiu-se com a seguinte pérola: “Bobagem sortear, vamos jogar casal contra casal, assim fica ‘um forte, uma fraca, um forte uma fraca’.” (!)

Inquirido sobre a razão que o levava a ter tanta certeza de que eu seria necessariamente uma adversária fraca, o ilustre cavalheiro respondeu com evidente tom de desprezo: - “Ora, minha senhora!”. Meu marido, brincando, utilizou um bordão de famoso comediante à época: - “Cuidado, moço”, o que despertou um brilho de inteligência na mulher e de deboche no homem. Bem, resta contar que, após perder várias partidas, nosso companheiro parece também ter perdido o apetite, pois, recolheu-se a reclamar da falta de atenção da esposa (aliás, bem mais atenta do que ele).

Hoje, em que pese a decantada evolução da condição feminina na sociedade e o advento do Dia Internacional da Mulher, ouço do supra-referido âncora da mídia televisiva, um sonoro “Ora, minha senhora”, ao se referir a alguém que incautamente ousou contradizê-lo. Meu marido, cuja memória e senso de humor continuam afiados, pergunta: - “Será que ele joga buraco?”.


* Publ. in Revista do Ypiranga, jan/fev 2011, pág. 16.

sábado, 12 de março de 2011

De Carnavais e outros Ais

Dizem que no Brasil o ano começa realmente depois do Carnaval. Não concordo, “punto e basta”, como dizia o herói da novela, atribuindo a frase aos italianos, como se estes a repetissem a torto e a direito. A fama de indolente dos brasileiros, reporta-se aos primórdios da “Nação-Colônia”, em que se imputava aos índios e negros, talvez como mecanismo de defesa (projeção) - pois, esses eram os únicos que, na verdade, trabalhavam -, a pecha da vadiagem.

O próprio Carnaval requer, para que se concretize como uma das maiores festas populares do mundo, um trabalho insano, braçal e intelectual, que se desenvolve a partir já do dia imediato ao de seu fim (a quarta-feira de cinzas), se é que termina, dizem aqueles que nos atribuem outra pecha: a de festeiros natos e eternos, sem contar a de “terra do jeitinho”, etc, etc.

Ora, pois, pois, diria minha avó portuguesa. Avó postiça, pois segunda esposa de meu avô; portuguesa mesmo, com a coragem e disposição de trabalho que soem ter as nascidas lá na “santa terrinha”, como de resto em outras tantas terras que nos legaram o estofo de que somos revestidas para enfrentar carnavais e muitos, muitos outros “ais”.

Já se vê que tento, aqui, privilegiar pela linguagem o componente feminino dessa nossa inefável população, formada de homens e mulheres (fifity/fifity, digo em inglês pra não perder a onda de ‘americolonização’ que perpetua nossos rótulos). Homens e mulheres, repito, que já têm (pasmem!) os mesmos direitos – e deveres, claro! – embora o senso comum ainda não se tenha conscientizado desse fato social, legal e constitucional.

Enfim, deponho aos pés da comunidade feminina minhas homenagens pela passagem do Dia Internacional da Mulher, cujos “ais” nem sempre são ouvidos – haja vista as recentes pesquisas sobre a violência doméstica –, mas não me furto a cumprimentar também a tantos homens, a quem não foi dedicado um “Dia”, mas que se fazem parceiros de nossos “ais” e carnavais.

*Publ. in Gazeta do Ipiranga, ed. de 11/03/2011, pág. C-8