sexta-feira, 13 de maio de 2011

Trabalho, trabalho, trabalho

Maio é pródigo em comemorações ligadas direta ou indiretamente ao trabalho, uma das questões mais complexas dentre as experiências humanas. Intelectual ou braçal, autônomo ou subordinado, prazeroso ou estressante, trabalho é investimento em qualidade de vida, quando não uma questão ainda maior, a da própria sobrevivência.

Construir uma vida, uma família, uma carreira, uma empresa, requer dedicação, coragem e sobretudo trabalho perseverante, às vezes diuturno, exaustivo, pleno de suor e paixão. Trabalho cansa, mas não estressa. O que estressa é nosso interior não trabalhado, que se deixa oprimir por dores outras – não do corpo, mas da alma -, como a inveja e o ressentimento, o medo e o preconceito, a culpa e a desesperança.

Consciente das questões político-econômicas que envolvem as comemorações como o “Dia do Trabalho”, “das Mães”, “da Libertação da Escravatura”, sempre que se aproxima esta época relembro Maria Amélia, Melzinha para as colegas a quem cativava com seu imenso sorriso e, verdade seja dita, com as fartas e deliciosas fatias de bolo com que na hora do cafezinho colocava doçura em nossas agruras cotidianas.

Afrodescendente cujos cabelos trançados faziam lembrar alguma princesa ou deusa africana perdida nos labirintos de meu subconsciente, Melzinha tinha uma beleza inata, interior e exterior que atraía sentimentos contraditórios, em especial nos machistas e preconceituosos de plantão. Altaneira, não se deixava abalar seja pelo assédio moral e sexual (questão sequer cogitada àquela época), seja pela tripla jornada, dona de casa, mãe e funcionária exemplar que era.

Costumávamos dizer que Amélia inspirara Mário Lago - que ironicamente expôs a exploração e o androcentrismo social, com a sutileza própria dos poetas, numa feliz parceria com Ataulfo Alves. Hoje, me permito relembrá-la como um símbolo de “mulher desdobrável” (para usar a expressão da poetiza Adélia Prado): trabalhadora, mãe e descendente de escravos. Pobre, mulher e negra. Triplamente discriminada. Triplamente heroína.

Publ. in Gazeta do Ipiranga, Coluna da Suzete, pág. D-4.

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