sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De cabeças e Cabeçadas

Às vezes, uma simples palavra, frase ou situação, nos faz viajar no tempo e reviver acontecimentos que acreditávamos definitivamente sepultados. Uma das características de quem se dedica a escrever é aproveitar esses momentos para “fotografar” as experiências vividas e apresentá-las aos leitores e leitoras como “recordações de viagem”.
Essa forma de compartilhar vivências nos permite a todos, quero crer, repensar o cotidiano acrescentando-lhe novos pontos de vista. São viagens da alma, a exorcizar más lembranças e redimensionar alegrias, dando-lhes uma conotação mais realista. Essa a principal função da literatura.
Mas, como uma simples crônica não é o local nem a hora para viagens filosóficas mais profundas, como me alerta a bom tempo minha conselheira Dª Nena, vamos direto à frase que me inspirou estas ponderações: “A cabeça do velho está focada na doença”.
No contexto em que me foi dita, a expressão faz sentido, mas, nem sempre (graças a Deus) corresponde à realidade. Atualmente, boa parte das pessoas idosas, ainda que profissionalmente aposentadas, já não se limita aos próprios aposentos, como era o caso de minha avó sexagenária, sempre descansando em sua cadeira de balanço.
Ao contrário, libertos da subserviência que o ganha-pão e os compromissos familiares exigiam, a presença de idosos agora se faz sentir nos mais diversos campos de atuação, acrescentando qualidade à sua própria e às vidas de quem com elas convivem.
Assim, é com prazer que hoje vejo minha mãe nonagenária trocando e.mails com amigas de várias idades (ainda que às vezes tenha que nos pedir ajuda) ou se programando para assistir a uma palestra, cantar no Coral de uma instituição próxima à sua casa ou participar das várias reuniões e festinhas para as quais é convidada.
O fato é que não podemos mais conviver exclusivamente em ‘guetos’ (grupos de idosos, de homens, de jovens, etc), o que nos levaria a ‘focar a cabeça’ apenas em nossas próprias dores/interesses/desejos (dar as mesmas cabeçadas), perdendo a oportunidade de ‘abrir nossas cabeças’ a outras experiências e a novas visões de mundo.

Publ. in Coluna da Suzete,Gazeta do Ipiranga, 09/09/2011, pág. D-4.

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