terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Navegando

É por meio das impressões captadas pelos sentidos e levadas à região sensória do cérebro, que os seres humanos têm seus primeiros contatos com o mundo. São as sensações. Subjetivadas, essas percepções se transformam em sentimentos. Agitados ou estimulados inesperadamente, os sentimentos entram no campo das emoções.
Assim, prazerosos ou dolorosos, percepções, sentimentos e emoções vão se instalando em nosso cotidiano, embora nem sempre os saibamos distinguir.
As sensações, que compartilhamos com nossos irmãos irracionais, são inevitáveis e necessárias à própria sobrevivência. Já, os sentimentos, como contraponto à frieza da razão, ou seja, quando equilibrados, nos humanizam.
O problema (que nem sempre detectamos) surge quando irrompe a emoção, antecâmara da paixão. Ambas são intensas e dominadoras. Sua diferença está no grau de intensidade e duração.
Infelizmente, alguns dentre nós são reativos a qualquer estímulo emocional, especialmente os que abalam a auto-imagem que criaram, acabando por transformar sentimentos normais em arroubos de paixão que os fazem perder a razão. São passionais.
Alguns dos sentimentos que nos dignificam como seres humanos, como honra, amizade e lealdade, não convivem com paixões egocêntricas como a ambição e a inveja, pela grande porção de irracionalidade que estas abraçam.
Honra e amizade, de alguma forma, pressupõem lealdade. O ambicioso e o invejoso, mais cedo ou mais tarde, acabam por atropelar os sentimentos dignificantes, muito especialmente a lealdade.
Quando nossos desejos são frustrados, se não tivermos a maturidade emocional necessária para manter o equilíbrio, corremos o risco de abrir nossas portas interiores à invasão de paixões, algumas das quais são conhecidas no ocidente como “pecados capitais”, por seu potencial destruidor.
Desestabilizados, perdemos o rumo, comportando-nos como se estivéssemos navegando sem bússola, ao sabor dos ventos e das marés, em mar infestado por tubarões. O perigo é nos acostarmos em ilha deserta, ou pior, habitada por canibais, que nos receberão com a alegria própria de quem atrai a caça e a engorda para o abate no momento propício.

sc/

domingo, 29 de janeiro de 2012

Sociopatia

Um pé atrás
um dedo em riste
cenho carregado
coisa triste
um sociopata
mal-amado.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Orquestra

O quintal arborizado
do sobradão logo ao lado
hospeda u’a maviosa
orquestra passarinheira
que se achega pressurosa
a aurora a celebrar
mas a noite dolorosa
por fantasmas assombrada
não me permitiu saudar
a alvorada alvissareira
e voltei a dormitar
fantasmas a exorcizar.

Publ. hoje em m/facebook

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Palavras ao vento

PALAVRAS AO VENTO

Palavras ao vento
se perdem
em meandros de
egos cegos
labirintos
de incompreensão

Mais apropriado
suponho então
seguir instintos
forçá-las a soprar
noutra direção
quiçá dar de ombros

Buscar outra fonte
em desvio de jornada
escrevinhar ao léu
ao sabor da maré
navegar mar a dentro
esconder-se nas brumas
sumir no horizonte.

Publ. em m/facebook em 16/01/2012

Natal Concreto

Da noite especial
nasce um poema
não sei se para o bem
não sei se para o mal
do dia a dia o espelho
se reflete no Natal
Natal concreto
com mãe, com filha,
cunhado e neto
agregado (in)discreto
que da festa compartilha
noras genros e família
tem chato gato e sapato
tem parente lá do mato
muito doce e salgadinho
sempre chega mais um prato
tem mágoa tem desafeto
tem presente predileto
ganho do amigo secreto
Natal completo
ambivale o sentimento
pois na festa tão feliz
há tormentos bem sutis
mas também há jóia rara
ninguém sabe que é tão cara
amigo oculto tão culto
que tem nome que é de vulto
velho pobre moça nobre
e também algum esnobe
a mamãe que tudo encobre
de repente desaprova
o olhar irreverente
sorriso dissimulado
beijo abraço
pranto aflora
gente alegre comemora
as crianças querem colo
o amor não tem idade
saudade felicidade
‘stá na hora de ir embora
logo logo há bota fora
do casal mais abonado
do namorado atrasado
do velhinho dependente
curadora a tiracolo
fila andando
atrás vem gente
seja parente serpente
seja um novo bem-amado.

Publ. em m/facebook em 26/12/2011.

Família

Tão simples e tão complexo
Reunir toda a família
Num mundo tão desconexo
Em que pese a maravilha
Das dações e doações
Entre as várias gerações

Experiências diversas
São trocadas nas conversas
Onde o coração fervilha
Ante tantas emoções

Da netinha pressurosa
À bisavó vagarosa
Do cunhado refinado
Que se revela carente
Ao neto que adolescente
É um tanto irreverente

Do marido abençoado
Perdoem a imodéstia
Mas é muito bem casado
Ao genro benevolente
E outra neta formosa

Uma filha carinhosa
Uma irmã dadivosa
Sobrinhos advogados
Sem contar os agregados
A fechar o contingente
Dessa gente tão querida
Que me deixa toda prosa

Disfarçada de poeta
Escrevinho atrevimentos
e nem lembro dos momentos
Em que me sinto perdida
Como sói acontecer
Ao menos eu quero crer
Com toda gente na vida.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O caráter do facebook

Ética, tod@s nós sabemos, vem de éthos (a morada interior). Tem, portanto, tudo a ver com casa, lar, aquilo que está entre (nossos) muros e que revela nossa verdadeira face, pois nosso lar sempre é (ou deveria ser) a nossa cara.
Esse, a meu ver, o caráter do facebook: um espaço (ainda que virtual) que ocupamos ou, se preferirem, um livro com a nossa cara, que abrimos a amig@s, como um locus em que a possibilidade de trocar comentários - e (não tão) eventuais curtições – foi a fórmula encontrada para que possamos visitar e ser visitados por aquel@s a quem prezamos e respeitamos.
O Mural, a meu ver, representa(ria) as paredes da sala de visitas, na qual penduramos “nossos” quadros ou, se virmos o facebook como um livro autobiográfico, o lugar reservado às ilustrações que escolhemos com carinho, de acordo com nosso senso estético, que muitas vezes difere em número e grau daquele de noss@s amig@s que, não obstante, continuamos a estimar.
O que quero dizer, com humildade – e espero ser compreendida por aquel@s que inadvertidamente aborreci – é que às vezes não penduramos em nossas paredes as telas que recebemos de presente, pois nem sempre combinam com nosso estilo, o que não desmerece o presente que ficará guardado em lugar seguro (nosso coração) para uso oportuno.
Enfim, quer consideremos as redes sociais em seu sentido original de serviços comunitários (engajadas), quer como uma troca de conhecimentos (um livro), um mero lócus virtual de relacionamentos ou recreação, ou, enfim, como a nossa casa/cara, devemos sempre lembrar que toda rede é formada por nós górdios...
Namastê.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

G r a t i d ã o

E lá se foi mais um ano cheio de Graça. O Ano da Graça de 2011. Da Graça Divina que nos permitiu sobreviver às intempéries e intemperanças sociais, num mundo em (r)evolução e que ainda, de graça, nos ofereceu privilégios a todos e a cada um dos seres humanos que habitam esta Terra abençoada.
Privilégios que em geral nos passam despercebidos porque nos envolvemos nas agruras do cotidiano sem perceber a aura de poesia e beleza, de amor e alegria que nos circunda e que mantemos etérea, sem permitir que se exteriorize.
Pensando nisso, lembro que uma das gratas surpresas que 2011 me reservou aconteceu em dezembro num Encontro Poético cujo tema é exatamente “Um Pouco de Poesia nas Agruras do Dia a Dia” e que se realiza mensalmente na Associação dos Funcionários Públicos do Estado.
Preparada para homenagear o educador Hosaná Dantas, responsável pelos eventos literários da Associação, percebi que as associadas Ivone e Mary Cecília confabulavam, distribuindo disfarçadamente uma folha de papel que imaginei conter a poesia a ser lida na reunião.
Pois bem, os papéis distribuídos eram Xerox da publicação de novembro desta Coluna e somente me dei conta da homenagem quando a voz pausada e firme de Mary ressoou no recinto anunciando que leria a crônica “As Redes Sociais”, publicada pela Gazeta do Ipiranga naquela edição.
A leitura competente valorizou sobremaneira o que eu havia escrito, emocionando as pessoas presentes, que aplaudiram generosamente. Fui laureada ainda com uma via da publicação, à qual foi aposta uma expressiva mensagem assinada por todos os participantes.
Deixo o registro não apenas como forma de gratidão, mas como evidência de que publicações que se supõe serem simplesmente regionais repercutem muito além da proposta original, pois o mundo nada mais é do que uma grande aldeia. Haja responsabilidade!

Publ. na “Coluna da Suzete”, Gazeta do Ipiranga, 11/01/2012, caderno D, pág. 4.