quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De começos e Recomeços


Crônica 

De Começos e Recomeços

 

                                                                                                         Suzete Carvalho

 

Diz a Filosofia Budista, que a lei da impermanência, ou se preferirem, da transformação, é a única verdade que os seres humanos realmente podem conhecer e à qual estão inexoravelmente atrelados.  O tempo passa (ou nós passamos por ele), com a rapidez de um raio.  Assim, lá vamos nós outra vez encarar um Novo Ano que, acreditamos, terá o condão de, por si só, ser melhor, mais próspero e auspicioso do que o presente.

Esquecidos de que devemos valorizar e dar graças às boas experiências vivenciadas, nos lançamos ao novo tempo com a avidez de um lobo faminto.  Esquecemos que somente somos o que somos ou temos o que temos, porque alguém criou, começou, trabalhou para que as coisas fossem como são, ainda que esse alguém tenhamos sido nós próprios, e que não há como recomeçar sem levar conosco esse lastro de entrega e doação que recebemos como dádiva.

Ainda que Aristóteles não nos houvesse deixado a reflexão, sabemos, instintivamente, que o ser humano é um “animal político”.  Político e gregário, ou seja, queiramos ou não, necessitamos e dependemos de outras pessoas, para que possamos sobreviver com um mínimo de dignidade. E a questão política, como lembra bem a tempo e a propósito, minha Conselheira Dª Nena, nos leva à complexa questão do Poder.

“Poder” que sempre acreditamos saber exercer melhor do que aqueles que o detêm, seja no âmbito familiar, ou institucional, onde se enquadram as organizações de todas as espécies, seja no mundo político propriamente dito, nacional ou internacional.  Parafraseando o antigo ditado popular, hoje “de político e de louco, cada um tem um pouco”, o que nos leva ao tema inicial, já que o próximo ano será pródigo em recomeços políticos, cujo sucesso (ou retrocesso) dependerá de todos(as) e de cada um(a) de nós, independente do envolvimento direto que tenhamos com o poder.

Enfim, espero que as necessárias transformações que todo recomeço comporta, nos encontrem conscientizados de nossas próprias fraquezas e grandezas e, portanto, aptos a fazer a nossa parte,  levando como ponto de partida (do ano que se vai) ou de entrada (de um novo tempo) as sementes plantadas e cultivadas por nossos antecessores, que estejam dando bons frutos.  Feliz Ano Novo à comunidade ypiranguista e à sociedade como um todo, nas quais tenho a felicidade de estar incluída. 

*A autora é pós-graduada em Jusfilosofia e Mestre em Direito pela USP. Ex-Diretora Cultural do CAY é também patrona da Biblioteca-Centro de Estudos.
 
Publ. in Revista do Ypiranga, set/dez/2013, pág. 27 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

De laços e nós


DE LAÇOS E NÓS

                                                                              Suzete Carvalho*

Sempre imagino organizações como a AFPESP – que adotam a nobre missão de “servir” - como um colar trabalhado artesanalmente na mais fina filigrana, onde cada elo se une, delicada, mas firmemente, ao outro.  Mais antiga a joia, maior o valor agregado pelos cuidados em mantê-la íntegra, pelo incansável zelo daqueles a quem compete preservá-la, seja por função de ofício, seja pela opção generosa de doar-se voluntariamente.

Há que convir, entretanto, que toda corrente – sim, é disso que estamos tratando: uma corrente de solidariedade – corre o risco de se enroscar se não a mantivermos aberta (ao diálogo), livre para desempenhar seu precípuo papel (de ligação) e, principalmente, se não nos dispusermos a respeitar e aceitar as sutis diferenças entre as partes que compõem todo trabalho artístico.

Desatar nós e criar laços, essa a verdadeira e difícil arte do relacionar-se.  Não por outro motivo, antigas culturas da polinésia cultivavam um ritual pré-nupcial, no qual as mulheres deviam desfazer nós muito elaborados, como metáfora para os problemas a enfrentar. Já, quanto aos laços, requerem muita ‘coordenação’, haja vista a dificuldade que as crianças têm para aprender a ‘amarrar’ os cordões de seus próprios tênis e sapatos. 

Posta a questão de forma mais objetiva, poder-se-ia dizer que toda organização, em especial aquelas cujos estatutos adotam o sistema de trabalho voluntário para dirigentes e conselheiros, para que possa cumprir com fidelidade suas funções, a par de ser coordenada com competência, necessita solidariedade e desprendimento por parte dos membros que a compõem, vale dizer, apoio mútuo, pois somente dessa forma manterá sua integridade.

Enfim, considerando que estamos sob o signo do Natal, como lembra minha sábia conselheira Dª Nena, espero que consigamos nos despir de nossas vaidades, oferecendo a todos, associados e companheiros, o melhor que há em cada um(a) de nós, ornamentado com o mais belo e colorido laço (de união) que nossa arte pessoal – embora tão diversificada - nos permita.

*A autora é associada da AFPESP, ex-professora universitária, ex-presidente de Associação de Classe e tem centenas de matérias publicadas. Pós-graduada em Filosofia do Direito e Direito do Trabalho (USP). http://novaeleusis.blogspot.com

**Publ.in Folha do Servidor Público, dez/2013, pág.21.

 

 

 

 

 

sábado, 14 de dezembro de 2013

A Idade Apura a Visão


COLUNA DA SUZETE
                                               A Idade Apura a Visão
                                                                                                                                                   Suzete Carvalho*

Há algumas décadas, ao visitar as Cataratas do Iguaçu, fui tomada de súbita emoção ao imaginá-las como um apelo da Natureza, a jorrar lágrimas torrenciais, premonitórias das (in)consequências da sistemática e desmedida ambição humana que pode levar a verdadeiros cataclismos. Em socorro à tristeza que já me ia invadindo ao escrever essas linhas, literalmente ‘cai em minhas mãos’ o “Poema ao rio Iguaçu” do multifacetado artista Solivan Brugnara (fotógrafo/escultor/poeta) do qual tomo a liberdade de transcrever os dois versos finais: “/mas tua rosa flor branca/abre-se em Foz do Iguaçu”.

Acredito que caiba aqui lembrar que a palavra ‘catarata’ vem do grego katarkaktes (kata, para baixo) e arkattein (golpear forte). Já ‘cataclismo’ vem de kata e klysein, ‘lavar, inundar’, significando grande desastre, convulsão social ou de terreno, inundação.  Minha conselheira Dª Nena, não perde o momento para me chamar às falas: “Pensei que você fosse falar em poesia e você me sai com etimologia? O que, afinal, tudo isso tem a ver com o tema que você elegeu para a crônica?”. 

- “Assim, você me faz perder o encadeamento das ideias”, reclamo, mas por via das dúvidas, vou direto ao ponto, ou seja, tentar entender porque o passar do tempo nos leva a ir perdendo (deixando cair) nossa capacidade de enxergar (‘catarata’, como opacidade da lente do olho). Se o termo ‘queda’ fosse levado ao pé da letra, poderíamos pensar na atração exercida pela Lei da gravidade, mas, claro!, esse não é o caso. Estaria então, nosso corpo (já que não há como separá-lo da mente), tentando ‘não ver’ a dolorosa realidade que, de alguma forma, ajudamos a construir? 

Bom é lembrar, porém, que a catarata (ocular) não somente é reversível, como também que as lentes implantadas nessa cirurgia, ajudam os pacientes a enxergar melhor do que antes da patologia, além de, segundo minha oftalmologista, protegerem contra um eventual avanço de uma outra doença oftalmológica séria: o glaucoma.  Vale dizer que, se ‘encararmos’ o fato de que sempre nos é dada a oportunidade de ‘ver com outros olhos’ a realidade, poderemos utilizar os avanços tecnológicos como alavanca para ‘depurar’ nossa visão de mundo e, como o poeta, vislumbrar a “rosa flor branca” da Paz que se abre à foz desse caudaloso rio que atravessamos.

Enfim, fico pensando que alguns que se acreditam políticos e tentam deformar a realidade que o Brasil atravessa, talvez devessem presentear a si mesmos com uma cirurgia de catarata, aproveitando o período de Natividade para fazer ‘renascer’ (apurar) sua visão e dar Graças por tantas bênçãos recebidas.

*A autora escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês. 

**A ilustração é de Danilo Marques, cujos trabalhos estão disponíveis na pág. ILUSTRADOR DANILO MARQUES do facebook e no site www.danilomarques.com.br

Publ. in Gazeta do Ipiranga, 13/12/2013, Cad. A-4

 

   

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Campanha pelo fim da Violência contra a Mulher


Em apoio à campanha “16 dias de ativismo na luta pelo fim da violência contra a Mulher” – de 25/11 a 10/12 -, encampada por 33 países.
 
 
“Se à agressão física acrescentarmos as injúrias a que as mulheres têm sido sistematicamente submetidas por via de piadas que (ainda!) fazem a ‘delícia’ dos machistas de plantão; os constantes assédios de que são vítimas em vias públicas, transportes coletivos e ambientes de trabalho; o salário geralmente inferior ao dos homens no desempenho de funções iguais; a dupla (ou tripla: emprego, casa e filhos) jornada de trabalho da grande maioria; os estereótipos de 'fofoqueira', 'consumista', 'irracional', 'frágil' e tantos outros que lhe são impingidos; a conclusão será de que absolutamente todas as mulheres, em vários momentos de suas vidas, sofrem alguma espécie de violência.
(...)
Condicionados pelo sistema e ao sistema, nos deixamos aprisionar, inermes, pela lógica do preconceito. Entendendo o processo, devemos estar atentos para o fato de que, ao contrário do que acreditávamos, a opinião pública e, consequentemente, a nossa, não é construída por nós, mas tem sido sutilmente moldada por estratégias de poder.”

 

Excertos da II Parte de m/livro “O Olhar da Caprichosa – Inveja, Preconceito e Fenômenos Afins” (no prelo)

 

domingo, 24 de novembro de 2013

Reciclagem


R e c i c l a g e m 

 

“Manhã cinzenta e preguiçosa 

águas poluídas da lembrança 

se aproveitam e tentam 

inundar-me a mente  

reajo instantaneamente: 

Vade retro, Satanaz, 

abordagem desastrosa, 

da reciclagem sou az! 

Preparo um tiro certeiro 

me atiro de corpo inteiro  

a competente chuveiro 

e sob a água corrente 

lanço-me à aventura 

brincadeira que me apraz 

de empreender releitura 

dessa malfadada história: 

transformo em literatura 

a lembrança impertinente

que agora, sob o ralo, jaz.” 

 

sc/24/11/2013.

 

 

 

 

 

E cheia de esperança 

 

domingo, 17 de novembro de 2013

T é d i o


T é d i o 

“Entediada 

na ausência   

de inspiração 

pela janela 

espio e sorrio 

ante a visão  

engraçada 

de uma cadela 

apressada 

e uma dona  

que inocente 

tenta segurar 

a corrente 

toda crente   

de que é ela 

quem a leva  

a passear.” 

 

sc/ 17/11/2013.

 

 

 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Sobre máscaras e más caras


                                               Sobre máscaras e más caras

 

                                                                                                                   Suzete Carvalho*

 

Há mais de uma década, escrevi uma crônica sob o título “Máscaras de Si”, publicada em outro periódico, na qual eu dizia que “as pessoas são interessantíssimas. Máscaras, de fato, de si e para si mesmas.” Hoje, assistindo a um vídeo sobre a violência de alguns mascarados infiltrados em manifestações legítimas para tentar desestabilizar a ordem democrática, retomo o tema.  

Preocupada com o rumo que a crônica vai tomando, minha conselheira Dª Nena trata de me alertar: “Não diga que você vai enveredar pela política. Não é do seu feitio.” – “Agora te peguei, minha cara: “O ser humano é um animal político e, aliás, é basicamente isso que o diferencia dos irracionais. Mas o assunto que me move hoje são as máscaras de que, queiramos ou não, cada um(a) de nós se utiliza no dia a dia como mecanismo de defesa ou, principalmente, de ataque.” 

Por uma dessas “coincidências significativas” que Jung denominou sincronicidades, nesta altura da crônica recebo via facebook o poema “Striptease”, de autoria da inspiradíssima Zélia Guardiano: “Desnudar a alma/ Deixá-la nua/ Em pelo/ Em pleno palco/ No meio do mundo/ Onde/ Qualquer nobre/ Ou/ Qualquer vagabundo/ Pudesse vê-la// Mostrar as vergonhas:/  Excessos/ Faltas/ Rugas/ Asperezas// Quem será tão artista?”.

Sim, poeta, é por isso que usamos máscaras quando nos apresentamos no teatro da vida! Artistas medíocres que somos, não ousamos desnudar nossas “vergonhas” ante a plateia – seja ela externa ou interna -, por medo de não sermos aceitos, já que não nos aceitamos a nós próprios(as). Adotamos uma máscara que a todos confunde e a incorporamos de tal forma que passamos, qual Narciso(s), a acreditar na imagem refletida no lago de nossas emoções. 

Já que o “espetáculo” não pode parar, nossa arte maior consiste em camuflar a realidade e apresentá-la de forma a preencher nossos interesses ou, se preferirem, nossos egos. Esse o lado perverso da vida de alguns políticos ultrapassados, que fazem de suas tribunas – inclusive a midiática - um palco de projeções de suas próprias mal-dissimuladas “ru(s)gas” e mazelas, sua cobiça e inveja, seu medo de perder o status e ser lançado ao ostracismo.

 

*Suzete Carvalho escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês. Alguns de seus escritos em prosa e verso podem ser acessados e comentados no facebook e no blog www.novaeleusis.blogspot.com

**Publicado no Jornal “Gazeta do Ipiranga”, 08/11/2013, pág. A-3.

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Justa homenagem


Não poderia deixar de compartilhar a justa homenagem que será prestada pela OAB à m/grande amiga e parceira Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin, por seu empenho na luta pela igualdade de gênero e combate às injustiças sociais.  O prêmio “Maria Immaculada Xavier da Silveira” será entregue no IX Encontro Estadual da Mulher Advogada”, a ser realizado em 30/11/2013 no auditório Ruy Barbosa da Faculdade Mackenzie.

Não poderia deixar de lembrar, ainda, que em 2010, tive a honra de publicar três Ensaios em livros jurídicos, em co-autoria com a Professora Patrícia: “A segregação ocupacional da mulher: será a igualdade jurídica suficiente para superá-la?”, in “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”, Sp:Rideel, 833 pág.;  “Consumismo: Uma Questão de Poder”, in “Código de Defesa do Consumidor -20 Anos”, SP:LTr, 461 pág.  e  “O Trabalho Juvenil como Panaceia: uma Desconstrução”, in “Estatuto da Criança e do Adolescente – 20 Anos”, SP;LTr, 496 páginas. 

Motivos suficientes para me sentir feliz... não acham?

 

domingo, 3 de novembro de 2013

O elevador


“A secretária, precisando dar um recado urgente, chamou o elevador “privativo” do Tribunal.  Quando as portas se abriram, só teve tempo de ver o olhar “superior” da autoridade e ouvir: “Fecha!”.  Mais um olhar, agora angustiado, da ascensorista obediente, e um quase inaudível “Cuidado!”. Não teve tempo de desviar, nem de dar o recado a tempo. Só sentiu a intensidade da dor, quando o chefe imediato desferiu o golpe final: “Incompetente”.”

 

sc/03/11/2013

Da série “microcontos macrorrealistas”.

sábado, 26 de outubro de 2013

A lógica de Madame


A Madame: “Despedi mesmo e só não dei parte à polícia porque tenho bom coração.” A amiga: “Mas como você pode ter certeza de que foi ela quem roubou seu colar?”  - “Ora, quem mais poderia ter feito isso?” – “Não sei... não entrou nenhum estranho ultimamente na sua casa? Ou será que você não guardou em algum lugar diferente?”   - “Claro que não, sou muito ordeira e na minha casa não entra qualquer um!” – “Desculpe, é que seu filho, por exemplo, tem tantos amigos, nunca se sabe...” – “Os amigos de meu filho são de confiança, rapazes ‘de bem’, filhos de boas famílias.”  - “Acredito, mas é que você disse que sua empregada trabalhava com vocês há dezessete anos. Ela roubou alguma coisa durante todos esses anos?”  - “Não. Nunca percebi nada... é nisso que dá confiar nessa gente.”

 

sc/26/10/2013. 

Da série “Microcontos macrorrealistas”.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Fica a dica


Fica a dica 

“Um hábito (ou, se preferirem, um “microrritual”) que cultivo há décadas e me traz muita paz: antes de iniciar as refeições, envio discretamente uma vibração de Gratidão à Mãe Terra e a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para que aqueles alimentos fossem postos à minha disposição (quem plantou, colheu, pescou, comercializou, preparou...).  É rápido, indolor e, creiam, os aromas e sabores se apuram e acrescentam magia ao simples ato de comer.”

sc/11/09/2013.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Inverno


I n v e r n o  
 
Minha vida já se faz inverno 

Em que pesem os tons primaveris  

E os resquícios de verões acalorados 

Em que dancei labaredas no inferno 

Mas também flanei em céus iluminados 

Por entre estrelas e arcanjos bem sutis 

Que tantas lutas gentilmente (de)cantaram 

Desta longa e tortuosa caminhada 

E foram tantos, oh quantos! 

Tantos foram meus perfis  

Que os ventos  outonais arrebataram...  

Quiçá não veja a próxima florada. 

 

sc/21/10/2013. 

 

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Caixa livre


                                                               Caixa livre 

 

                                                                                                                                                      Suzete Carvalho*

                                                              

Semana passada, em dúvida entre dois temas para a crônica, acatei (com um pouco de má-vontade, confesso) a sugestão de minha sempre atenta conselheira Dª Nena: “Às vezes, uma simples voltinha no quarteirão pode ser inspiradora”.  Já estava contestando sua sabedoria, pois nada de novo me ocorrera nesse passeio forçado, quando não resisti ao chamamento de um irresistível aroma...  Sim, feliz ou infelizmente, eu moro próximo a uma dessas incríveis padarias que enriquecem ainda mais nossa região, com suas cores, aromas e sabores. 

Como o local estava lotado, optei por um pão de cenoura previamente embalado e estava tentando visualizar a data de vencimento, quando um senhor pegou um dos pacotes mais ao fundo da prateleira e me ofereceu, dizendo: “Este está bem fresquinho”. Antes que eu tivesse tempo para agradecer a gentileza, ele acrescentou com um sorriso: “Conheço você de algum lugar” e me olhou com alguma insistência enquanto nos dirigíamos à fila do caixa. 

“Já sei”, disse ele tão subitamente que me fez dar um passo atrás, “você tem uma Coluna na Gazeta! Reconheci por causa da foto”. Refeita do susto, respondi rindo: - “Você acaba de levantar meu moral, pois a foto que sai na Coluna da Suzete faz parte do arquivo do Jornal há mais de uma década. Ando até pensando em substituí-la pela caricatura feita pelo parceiro que tem ilustrado minhas crônicas”, respondi rindo. 

– “Percebi que você se assustou quando comecei a falar, então, vou tomar a liberdade de sugerir que, em uma de suas próximas crônicas, você escreva sobre o medo. Talvez seu parceiro...”.  – “Danilo Marques”. –  “Isso! Lembro de ter lido o nome dele. A caricatura deve ter ficado ótima, mas o que eu ia dizer é que o Danilo poderia fazer uma interessante ilustração sobre esse medo que a gente tem até da própria sombra, não é mesmo?”.

Envolvidos com a conversa, não nos demos conta de que a ‘mocinha do caixa’ proclamava alto:   “Caixa livre!!!”, até sermos alertados um tanto agressivamente por um empurrão de alguém afobado: - “Fila não é lugar pra bater papo” e, virando-se para o companheiro: “Esses velhos não têm o que fazer e ficam atrapalhando o caminho da gente”.  Sem maiores despedidas, tratei de pagar a conta e acenei para o senhor, cujo nome, infelizmente, não fiquei sabendo. Pretendendo me desculpar por “atrapalhar o caminho”, ainda olhei na direção da pessoa que nos empurrara, mas recebi um desagradável gesto de enfado.

Meu novo amigo aproveitou a ‘deixa’ para fazer mais uma sugestão, também em alto e muito bom som: - “Aproveite e escreva também sobre agressividade”.  Voltei para casa agradecendo a oportunidade de, em menos de meia hora, haver ganhado um amigo, novas experiências, muitas ideias para (re)trabalhar em meus escritos e até por ter conseguido não me sentir agredida por pessoas preconceituosas.  

 

*A autora escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês.       

Publ.in Gazeta do Ipiranga, 11/10/2013, Cad.B-5.

 

 

 

    

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Salomé e os ruídos de comunicação

Nos últimos tempos, tenho tido a felicidade de contar, em quase todas as minhas crônicas para a Gazeta do Ipiranga, com a importante parceria do ilustrador/caricaturista Danilo Marques. Eu escrevo e ele, generosamente, ilustra.  Hoje, celebramos um novo desafio, invertendo a situação: ele mandou a imagem e eu tentei (re)desenhar sua arte em palavras.  Espero haver conseguido.
O fato é que as imagens, assim como os aromas, têm o condão de ativar nossa memória, trazendo ao novo contexto antigas experiências que nos marcaram, algumas alegres e até engraçadas, outras mais tristes ou até mesmo dolorosas. Neste caso, a visão de alguém indignado “gritando” ao celular (imagem tão atual) me fez viajar a um tempo em que, dar um simples telefonema era uma verdadeira epopeia.
Acredito que muitos homens e mulheres do Ipiranga estarão lembrados de que até 1955 poucas pessoas da região tinham o privilégio de possuir um telefone residencial.  Quando, naquele ano, a Telefônica finalmente estendeu novas linhas à Região, desencadeou verdadeira euforia, inclusive por parte dos jovens de ambos os sexos, até então relegados à comunicação oral.
Numa época em que “ficar” – em especial para as adolescentes - significava “ficar em casa” sob os olhares zelosos das mães, sujeitas ainda a uma legislação que as considerava “semi-capazes” para os atos da vida civil e, portanto, sempre preocupadas com o que os outros iriam pensar, o acesso à telefonia soava como uma espécie de libertação das amarras (ou, se preferirem, “correntes”) que as atavam a uma cultura tradicional e androcêntrica. Ledo engano...
Antes que minha conselheira Dª Nena intervenha, dizendo que eu estou divagando, passo aos fatos objeto da crônica.  Pois bem, foi exatamente naquele ano que eu, que acabara de completar quinze anos e aquele que veio a ser marido (então com vinte), começamos a “namorar escondido”, com encontros ocasionais à saída da escola e uma ou outra “escapadela” para uma rápida conversa numa esquina próxima.
Por uma dessas coincidências que dão mais sabor à vida, nossas linhas telefônicas foram instaladas no mesmo dia e, de imediato, decoramos os números respectivos, prometendo que a primeira ligação seria “nossa”.  No auge do entusiasmo com a novidade, corri para a casa de minha - até hoje - amiga Clara, que também havia sido contemplada com uma linha telefônica e disquei (sim, a gente “discava” os números, comprometendo a vitalidade das unhas) o número que primeiro havia decorado.

- “Por gentileza, o João está?”.  Uma voz que me soou conhecida, retrucou: “Ah, então o nome dele é João!”.  – “Desculpe, foi engano”, foi a única coisa que me ocorreu dizer, antes de desligar com o coração aos pulos, pois a voz era, como já devem ter percebido... de minha mãe! Sim, eu ligara para a minha própria casa e, literalmente, entregara nossa cabeça numa bandeja, a minha e a de João Baptista.

Opressão pela linguagem

“A muitas pessoas pode passar despercebido, dado nosso condicionamento cultural, mas a mim me incomoda ver repetidas à exaustão, entre outras, frases como “Um país se faz com homens e livros”, escritas num contexto social fortemente androcêntrico e racista, em que às mulheres – ainda que alçadas a “importantes” personagens de romances e histórias infantis -   cabia o papel exclusivo de cuidarem da casa, de seu “senhor” e suas crianças. Às Anastácias, duplamente discriminadas, competia meramente servir às famílias de “bem”, ou, se preferirem, de “bens”.
Nada contra nosso grande escritor, muito ao contrário – até porque minha infância foi marcada pelas deliciosas reinações que o mais famoso Sítio literário do Brasil nos oferecia -, mas há que considerar que hoje vivemos um novo contexto social que, (re)tirando as mulheres do âmbito privado e do papel exclusivo de cuidadoras, santas ou prostitutas, começa a alçá-las, como às demais “ditas” minorias, a co-partícipes de fato e de direito de seus próprios destinos e, por consequência, dos destinos do país.  Hoje sabemos, pois, que a sociedade é bem mais complexa do que uma linguagem ultrapassada pode comportar.
Assim, acredito que, se nos propusermos a substituir a palavra “homem” pela palavra “pessoa”, toda vez que nos referirmos aos seres humanos em geral, conseguiremos paulatinamente amenizar uma das injustiças sócio-culturais mais potentes dos últimos milênios: a opressão pela linguagem.  Por outro lado, livros são, sim, necessários à nossa formação – eu mesma me considero um bicho-de-livro desde sempre - , mas conhecimento teórico já não é suficiente para dar conta das profundas desigualdades sociais que a cultura excludente gerou.
Já não nos basta repetir mântrica e aleatoriamente frases de pressuposta sabedoria das “autoridades” eleitas pelos donos do Poder, seja ele político, econômico ou literário.  Ler, sim, sempre, mas procurar agir conscientemente em prol de uma efetiva cidadania para todas as pessoas, participando na medida do possível de movimentos sociais, usando uma linguagem inclusiva e, portanto, menos androcêntrica, seria um passo importante para combater o analfabetismo funcional, midiático e ideológico, colaborando efetivamente para a implantação da Cultura de Paz que tanto almejamos.”


sc/ 26/08/2013

domingo, 18 de agosto de 2013


VIDA BURLESCA

 

“Escrevo de corpo e alma 

tanto em prosa quanto em verso 

não sei se é minha a alma 

ou se é do Universo 

escrevo no dia a dia 

e também na noite adentro 

em busca do epicentro 

que deflagra a inspiração 

mas por vezes confusão 

perco a calma a alma a palma

afundo em melancolia 

elucubro e tergiverso 

busco nova melodia 

mudo o tom e desconverso 

finjo estar em euforia 

novos rumos nova vida 

em altos brados proclamo 

tentando me convencer 

de que há como escapar 

das tramas que as moiras tecem 

embora no fundo eu saiba 

que não passa de utopia.

 

Resultado adverso 

por fim me dou por vencida 

faço a volta e recomeço 

sigo em frente 

enfrento a mente 

e torno ao que mais eu amo 

plantando nova semente    

escrevendo dia a dia 

escrevendo noite a dentro 

mente, alma e corpo acalmo   

linha a linha palmo a palmo 

linhas retas linhas tortas 

nas ondas do meu viver    

pois são muitas as questões 

que espero resolver 

são dores e são mazelas 

tristezas e esparrelas 

são dúvidas e ideais 

caminhos a percorrer. 

 

Será que fazem sentido  

tantas considerações 

poético-filosóficas 

ou simplesmente serão 

palavras desavisadas 

e meramente utópicas 

embora as tenha vivido 

na alma e no coração 

ah! quem sabe busco em vão 

 entender qual a razão 

de estarmos a girar 

nessa nave gigantesca 

no Cosmos a penetrar 

tendo uma visão dantesca 

do espaço sideral 

sem sequer poder saber

quem somos pra onde vamos...

ah! a condição humana 

sempre paradoxal 

por vezes angelical 

por vezes animalesca...    

que situação burlesca!”

 

sc/ 2013

Publ. in “Palavras Desavisadas de Tudo – Antologia Scortecci de Poesias, Contos e Crônicas 2013” vol.I, 1.ed., SP:Scortecci, 2013, pág.232/233.

 

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Convite

Participo aos amigos e amigas, o lançamento de m/ sétima participação em livros nos três últimos anos, três das quais (inclusive esta) na Categoria "Poesia". As demais foram publicadas como ensaios em Antologias Jurídicas (três) e , para variar, ano passado fiz minha iniciação na Categoria "Conto".
 
 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013


                                               A hora é agora

 

Há milênios o ser humano se reconhece como animal gregário por excelência (Aristóteles dizia “animal político”), mas o espaço público nem sempre pertenceu a todas as pessoas, ou melhor, até recentemente, os espaços públicos eram privilegiados, já que seu acesso era negado – e o é, ainda, em várias partes do mundo - a grande parte da população: as chamadas minorias que, se somadas, totalizam a maioria arrasadora dos seres humanos.

Hoje, em que pesem as conhecidas exclusões, homens e mulheres “ganharam” as ruas em várias partes do mundo, como locais apropriados a toda forma de expressão política. Assim, a  cidadania vem ganhando progressivamente um status nunca visto, apoiada agora por caminhos jamais sonhados ou, como dizia o poeta, por “mares nunca dantes navegados” - os espaços virtuais, com suas Redes que acatam todos os clamores e ideologias, sem exceção, acabando por estabelecer um debate.

É bem verdade que todas as pessoas que se dignarem ler esta crônica, sabem que esses espaços são vigiados – oh, a premonição de George Orwell que, com seu “1984” antecipou o Grande Irmão (Big Brother)! -, mas, a inteligência coletiva sempre encontrará formas de driblar o “Olho que (acredita) tudo vê” e se expandir a ponto de transformar o debate em diálogo, pressuposto necessário da liberdade. 

O que quero dizer é que, ainda que à revelia de fanáticos e manipuladores, a tendência mundial é a de uma democratização (e uso essa expressão à falta de uma melhor, que com certeza surgirá) sem precedentes de todos os espaços públicos, inclusive os da grande mídia que, atordoada ante a força das vozes sociais, se vê forçada a mudar o tom, inclinando-se ainda que com certa timidez por ora, a esse novo Poder que, se bem usado, terá o condão de reverter valores distorcidos pelos sempiternos donos do Poder, seja androcêntrico ou político-ideológico, seja religioso, seja a mais perversa das dominações porque mantém a fome no mundo: o Poder de Mercado.

Sim, minha experiência de mais de seis décadas de observação, me faz crer que esta é a hora e a vez dos grupos excluídos, sejam as mulheres antes confinadas ao espaço privado ou os idosos a seus aposentos (daí o nome “aposentados); sejam as pessoas cujo nível de pobreza as levaram a serem contempladas com a chamada bolsa-família – como um primeiro passo para a inclusão social – como é o caso também das cotas para indígenas e afro-descendentes; sejam, enfim, todos os homens e mulheres que não se “enquadram” nas arcaicas e pré-determinadas concepções comportamentais que lhe têm sido impostas desde sempre.

Algumas pessoas, mais místicas, dirão que essa é a consciência da Nova Era. Outras,mais racionais, que isso é pura utopia, mas, como o Educador Paulo Freire, acredito que toda utopia é uma “esperança revolucionária”, aquela esperança que nos faz ir pacífica e persistentemente à luta (ou às ruas e às redes sociais), na certeza de que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.  Enfim, nas palavras de mestre Eckhart Tolle: “A hora é agora. O que mais existe?”.

*Publ. na “Coluna da Suzete” do JornalGazeta do Ipiranga”, hoje (09/08/2013), Cad. A-5.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A vida num sonho


A VIDA NUM SONHO

 

“Embora o prazo de validade já 

se aproxime de seu termo 

e as páginas  amarelecidas 

mal suportem novos carimbos 

tento honrar  o passaporte 

que me foi  concedido 

para atravessar  a dimensão 

do tempo  mera passagem 

de formas  a projetar 

incompletudes entre si. 

Foto já um tanto obscurecida 

minhas vistas obnubiladas 

não mais a reconhecem 

pouco importa porquanto 

sei que restam  apenas 

poucas  fronteiras a cruzar    

muitas doações entretanto 

ainda serão necessárias 

até que eu consiga  

me desfazer  das tantas 

quinquilharias  acumuladas 

lembranças arraigadas

na volúpia do apego 

dolorosas penas. 

Firmei propósito no entanto 

de atravessar  com leveza  

e humildade a última aduana 

que me levará  de volta ao lar 

qual filha pródiga carregarei  

tão somente as peças necessárias 

ao último lance  do jogo 

de uma vida atrevida

que se acreditou bem vivida 

realizada e soberana 

mas que na verdade

transcorreu insana 

sofrida e manipulada.

Acordo sobressaltada 

teria  eu viajado 

ou meramente sonhado?”

 

sc/janeiro/2013 

*Publ. na Antologia “A Vida num Sonho”, Lisboa, Portugal:Lua de Marfim Editora, 2013, p.88/80. 

domingo, 30 de junho de 2013


                                                   Brioches
A amiga (há quatro décadas): “Mariazinha, já que você é tão inteligente, lê tanto, escreve tão bem, por quê você não diz o que pensa sobre o governo militar?”. Mariazinha: “Porque eu sou covarde e preciso do meu emprego. Simples assim.”    A “amiga” (há quatro dias): “Maria, já que você é tão inteligente, lê tanto, escreve tão bem, por quê você apoia esse governo que usa o “nosso” dinheiro pra distribuir ‘bolsa família’ e incentivar a vagabundagem?”.   Maria: “Porque sou grata à vida, que nos dá oportunidade de nos redimirmos de nossa covardia”.  A amiga: “Não entendi...  Maria, acorda(!), eu estou falando com você!”.   Maria, ‘acordando’: “Desculpe, eu me distraí olhando a sua bolsa.  Linda, né?”.  A “amiga”, com ar importante: “É Vuitton. Comprei em Paris.”   Maria: “Ah! Agora vamos à sua pergunta...”.    A amiga, interrompendo: “Deixa esse papo pra lá e vamos ao lanche. Advinha o que eu mandei a cozinheira preparar!”.   Maria: “Brioches?”...”

 

sc/25/06/2013.  Da série “Microcontos macrorrealistas”. Postada hoje, tb em m/Mural no Facebook.     

terça-feira, 25 de junho de 2013


Acredito que os conceitos abaixo, sobre os quais venho trabalhando há mais de uma década, podem ser objeto de reflexão neste complexo momento pelo qual a sociedade está passando.

 

VIOLÊNCIA  E  CIDADANIA - UM  DIÁLOGO  IMPOSSÍVEL

 

 

Violência é o uso da força - física ou não - para constranger ou para coagir alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.  É agressão, conduta destrutiva que, em princípio, não se confunde com a agressividade, entendida esta como força ou dinamismo necessário até mesmo à sobrevivência. Assim, a agressividade geralmente é positiva, enquanto a violência é sempre negativa.  Violência ou agressão era a forma de solução de conflitos pré-jurídica, em que se utilizavam as vias de fato, às quais mais tarde vieram a sobrepor-se as vias de direito.  Toda violação de direito é, portanto, uma espécie de violência.

 

(...)

 

Violência simbólica - Por outro lado, um pequeno número de privilegiados que detêm o poder sócio-político, midiático ou econômico, alia-se na criação de formas hábeis de manutenção de seu status, agindo em geral subrepticiamente, com receio de perder a hegemonia.

         Não sendo física, essa invisível “violência doce da razão”, geralmente passa despercebida inclusive por aqueles contra quem se destina, cuja ingênua cumplicidade acaba por legitimar a imposição, ajudando a neutralizar as possíveis reações, pela consensualidade.

 

(...)

 

Alguns, mais conscientizados, movimentam-se no sentido de uma participação efetiva em busca de melhores paradigmas, esquivando-se das torrentes manipulatórias e procurando apreender o verdadeiro significado dos acontecimentos, sem se deixar levar pela visão estereotipada com que lhes são apresentados.  Reconhecem, assim, a premência de uma participação ativa de todos os atores sociais para que se efetive a necessária mudança de comportamento mental, que deve preceder as transformações sócio-político-econômicas.

 

(...)

 

Ser cidadão, portanto, é aplicar e fazer aplicar concreta e indiscriminadamente os direitos (e deveres) humanos, tirando-os de sua condição de mera abstração e desvirtuamento; é reconhecer os pontos de fragilidade do sistema e envidar esforços para sua superação, participando efetivamente da busca de soluções que nos beneficiarão a todos. Assim, o alcance da cidadania plena não se coaduna com a violência sob qualquer de suas formas.

 

 

sc/ Extratos de palestra ministrada no Espaço “Creche da Cidadania”, na Livraria Ícone, em S.Paulo, no dia 23/04/2001, publ. na íntegra, sob o título acima, in Thot 76/2001, pág.37/42.