COLUNA DA SUZETE
CARNAVAL
Suzete
Carvalho*
Ao lado das inefáveis belezas
naturais com que nosso país foi abençoado e de nossa cultura multifacetada, o
Carnaval, sem sombra de dúvida, é uma das principais atrações que alavancam o
turismo. Tradicionalmente centrado em Salvador, Olinda e Rio de Janeiro, hoje o
reinado de Momo se dissemina Brasil a fora, com seu séquito de seguidores
apaixonados, abrindo espaço para a alegria, a arte, a beleza e o sonho.
Sim, é bem verdade que muitas
pessoas extrapolam e se aproveitam do Carnaval como desculpa para atos
desajuizados e até mesmo ilegais, mas também é verdade – e é bom que se lembre
aos saudosistas -, que hoje, em que pese o aumento da violência explícita e
explicitada minuciosamente pela mídia televisiva, há uma maior conscientização
da sociedade como um todo, que dispõe de proteção legal e jurídica, sequer
imagináveis nos chamados “bons tempos”, em que também ocorriam fatos e atos
escabrosos e violentos.
A propósito, lembro de um causo
ocorrido comigo há décadas: Muito jovem ainda, numa segunda-feira de Carnaval,
estava subindo a Rua Labatut, próxima à Agostinho Gomes, quando senti uma
ligeira indisposição e me apoiei na parede de uma casa. Subitamente, sem que
tivesse tempo de me aperceber do que estava acontecendo, fui cercada por um
bando de meninos que hoje chamaríamos de pré-adolescentes, moradores das
proximidades (bom que se saiba que não se tratava de “menores infratores”),
todos munidos com frascos do hoje proscrito lança-perfume.
Quase sufocando e com os olhos
ardendo, disse a eles que estava passando mal, pedi que parassem de esguichar
aquele líquido porque estavam me ferindo e tentei gritar por socorro, sem ser
atendida, até que consegui dar alguns passos e bater à porta da casa com as
forças de que ainda dispunha. Por uma dessas gratas coincidências, na casa
havia alguns homens que, rapidamente, “puseram os moleques para correr”,
ufanando-se, qual mosqueteiros ou príncipes salvando frágil e incauta mocinha.
“Coisas sem importância”, assim
eram vistas as agressões que não levassem a óbito ou não contivessem ataques ao
patrimônio. Banalizava-se a violência contra a mulher e se alimentava a
agressividade infanto-juvenil masculina, tida como “inocentes brincadeiras”,
tão corriqueiras quanto matar passarinho a estilingadas ou amarrar o rabo do
gato da vizinha. Anos (não tão) “dourados”, em que se gestava a violência
urbana e a Economia de Mercado ou, para usar a expressão de Mino Carta em
recente crônica à Revista Carta Capital , a “religião do deus mercado ainda não
vingara”.
Para encerrar, volto ao tema de
fundo, lembrando que o período carnavalesco em geral coincide com o tempo das
águas que fecham o verão, como dizia o poeta, e que suor e lágrimas (de alegria
e tristeza) são as águas que lavam corpos cansados e inebriados, tomados pela
apoteose. Alegria que, por se saber momentânea, fugaz, ilusória, contém em si a
tristeza do retorno ao descompasso com que a realidade ainda se apresenta, pois
as mazelas do ser humano e da sociedade são as mesmas, apenas se sofisticam e
crescem na razão do crescimento populacional.
*A autora escreve neste espaço
toda segunda sexta-feira do mês. Seus
demais escritos, em prosa e verso, podem ser parcialmente acessados e
comentados na Página NOVA ELEUSIS que mantém no facebook, bem como no blog www.novaeleusis.blogspot.com
**A ilustração é de Danilo
Marques, cujos trabalhos podem ser vistos na Pág. ILUSTRADOR DANILO MARQUES, no
facebook, bem como no site www.danilomarques.com.br
Publ. in “Gazeta do Ipiranga”, 08/02/2013,
pág. B-8.