Nos últimos tempos, tenho tido a
felicidade de contar, em quase todas as minhas crônicas para a Gazeta do
Ipiranga, com a importante parceria do ilustrador/caricaturista Danilo Marques.
Eu escrevo e ele, generosamente, ilustra.
Hoje, celebramos um novo desafio, invertendo a situação: ele mandou a
imagem e eu tentei (re)desenhar sua arte em palavras. Espero haver conseguido.
O fato é que as imagens, assim
como os aromas, têm o condão de ativar nossa memória, trazendo ao novo contexto
antigas experiências que nos marcaram, algumas alegres e até engraçadas, outras
mais tristes ou até mesmo dolorosas. Neste caso, a visão de alguém indignado
“gritando” ao celular (imagem tão atual) me fez viajar a um tempo em que, dar
um simples telefonema era uma verdadeira epopeia.
Acredito que muitos homens e
mulheres do Ipiranga estarão lembrados de que até 1955 poucas pessoas da região
tinham o privilégio de possuir um telefone residencial. Quando, naquele ano, a Telefônica finalmente
estendeu novas linhas à Região, desencadeou verdadeira euforia, inclusive por
parte dos jovens de ambos os sexos, até então relegados à comunicação oral.
Numa época em que “ficar” – em
especial para as adolescentes - significava “ficar em casa” sob os olhares zelosos
das mães, sujeitas ainda a uma legislação que as considerava “semi-capazes”
para os atos da vida civil e, portanto, sempre preocupadas com o que os outros
iriam pensar, o acesso à telefonia soava como uma espécie de libertação das
amarras (ou, se preferirem, “correntes”) que as atavam a uma cultura
tradicional e androcêntrica. Ledo engano...
Antes que minha conselheira Dª
Nena intervenha, dizendo que eu estou divagando, passo aos fatos objeto da
crônica. Pois bem, foi exatamente
naquele ano que eu, que acabara de completar quinze anos e aquele que veio a
ser marido (então com vinte), começamos a “namorar escondido”, com encontros
ocasionais à saída da escola e uma ou outra “escapadela” para uma rápida
conversa numa esquina próxima.
Por uma dessas coincidências que
dão mais sabor à vida, nossas linhas telefônicas foram instaladas no mesmo dia
e, de imediato, decoramos os números respectivos, prometendo que a primeira
ligação seria “nossa”. No auge do
entusiasmo com a novidade, corri para a casa de minha - até hoje - amiga Clara,
que também havia sido contemplada com uma linha telefônica e disquei (sim, a
gente “discava” os números, comprometendo a vitalidade das unhas) o número que
primeiro havia decorado.
- “Por gentileza, o João
está?”. Uma voz que me soou conhecida,
retrucou: “Ah, então o nome dele é João!”.
– “Desculpe, foi engano”, foi a única coisa que me ocorreu dizer, antes
de desligar com o coração aos pulos, pois a voz era, como já devem ter
percebido... de minha mãe! Sim, eu ligara para a minha própria casa e,
literalmente, entregara nossa cabeça numa bandeja, a minha e a de João
Baptista.