sábado, 26 de outubro de 2013

A lógica de Madame


A Madame: “Despedi mesmo e só não dei parte à polícia porque tenho bom coração.” A amiga: “Mas como você pode ter certeza de que foi ela quem roubou seu colar?”  - “Ora, quem mais poderia ter feito isso?” – “Não sei... não entrou nenhum estranho ultimamente na sua casa? Ou será que você não guardou em algum lugar diferente?”   - “Claro que não, sou muito ordeira e na minha casa não entra qualquer um!” – “Desculpe, é que seu filho, por exemplo, tem tantos amigos, nunca se sabe...” – “Os amigos de meu filho são de confiança, rapazes ‘de bem’, filhos de boas famílias.”  - “Acredito, mas é que você disse que sua empregada trabalhava com vocês há dezessete anos. Ela roubou alguma coisa durante todos esses anos?”  - “Não. Nunca percebi nada... é nisso que dá confiar nessa gente.”

 

sc/26/10/2013. 

Da série “Microcontos macrorrealistas”.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Fica a dica


Fica a dica 

“Um hábito (ou, se preferirem, um “microrritual”) que cultivo há décadas e me traz muita paz: antes de iniciar as refeições, envio discretamente uma vibração de Gratidão à Mãe Terra e a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para que aqueles alimentos fossem postos à minha disposição (quem plantou, colheu, pescou, comercializou, preparou...).  É rápido, indolor e, creiam, os aromas e sabores se apuram e acrescentam magia ao simples ato de comer.”

sc/11/09/2013.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Inverno


I n v e r n o  
 
Minha vida já se faz inverno 

Em que pesem os tons primaveris  

E os resquícios de verões acalorados 

Em que dancei labaredas no inferno 

Mas também flanei em céus iluminados 

Por entre estrelas e arcanjos bem sutis 

Que tantas lutas gentilmente (de)cantaram 

Desta longa e tortuosa caminhada 

E foram tantos, oh quantos! 

Tantos foram meus perfis  

Que os ventos  outonais arrebataram...  

Quiçá não veja a próxima florada. 

 

sc/21/10/2013. 

 

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Caixa livre


                                                               Caixa livre 

 

                                                                                                                                                      Suzete Carvalho*

                                                              

Semana passada, em dúvida entre dois temas para a crônica, acatei (com um pouco de má-vontade, confesso) a sugestão de minha sempre atenta conselheira Dª Nena: “Às vezes, uma simples voltinha no quarteirão pode ser inspiradora”.  Já estava contestando sua sabedoria, pois nada de novo me ocorrera nesse passeio forçado, quando não resisti ao chamamento de um irresistível aroma...  Sim, feliz ou infelizmente, eu moro próximo a uma dessas incríveis padarias que enriquecem ainda mais nossa região, com suas cores, aromas e sabores. 

Como o local estava lotado, optei por um pão de cenoura previamente embalado e estava tentando visualizar a data de vencimento, quando um senhor pegou um dos pacotes mais ao fundo da prateleira e me ofereceu, dizendo: “Este está bem fresquinho”. Antes que eu tivesse tempo para agradecer a gentileza, ele acrescentou com um sorriso: “Conheço você de algum lugar” e me olhou com alguma insistência enquanto nos dirigíamos à fila do caixa. 

“Já sei”, disse ele tão subitamente que me fez dar um passo atrás, “você tem uma Coluna na Gazeta! Reconheci por causa da foto”. Refeita do susto, respondi rindo: - “Você acaba de levantar meu moral, pois a foto que sai na Coluna da Suzete faz parte do arquivo do Jornal há mais de uma década. Ando até pensando em substituí-la pela caricatura feita pelo parceiro que tem ilustrado minhas crônicas”, respondi rindo. 

– “Percebi que você se assustou quando comecei a falar, então, vou tomar a liberdade de sugerir que, em uma de suas próximas crônicas, você escreva sobre o medo. Talvez seu parceiro...”.  – “Danilo Marques”. –  “Isso! Lembro de ter lido o nome dele. A caricatura deve ter ficado ótima, mas o que eu ia dizer é que o Danilo poderia fazer uma interessante ilustração sobre esse medo que a gente tem até da própria sombra, não é mesmo?”.

Envolvidos com a conversa, não nos demos conta de que a ‘mocinha do caixa’ proclamava alto:   “Caixa livre!!!”, até sermos alertados um tanto agressivamente por um empurrão de alguém afobado: - “Fila não é lugar pra bater papo” e, virando-se para o companheiro: “Esses velhos não têm o que fazer e ficam atrapalhando o caminho da gente”.  Sem maiores despedidas, tratei de pagar a conta e acenei para o senhor, cujo nome, infelizmente, não fiquei sabendo. Pretendendo me desculpar por “atrapalhar o caminho”, ainda olhei na direção da pessoa que nos empurrara, mas recebi um desagradável gesto de enfado.

Meu novo amigo aproveitou a ‘deixa’ para fazer mais uma sugestão, também em alto e muito bom som: - “Aproveite e escreva também sobre agressividade”.  Voltei para casa agradecendo a oportunidade de, em menos de meia hora, haver ganhado um amigo, novas experiências, muitas ideias para (re)trabalhar em meus escritos e até por ter conseguido não me sentir agredida por pessoas preconceituosas.  

 

*A autora escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês.       

Publ.in Gazeta do Ipiranga, 11/10/2013, Cad.B-5.