Caixa
livre
Suzete Carvalho*
Semana passada, em dúvida entre
dois temas para a crônica, acatei (com um pouco de má-vontade, confesso) a
sugestão de minha sempre atenta conselheira Dª Nena: “Às vezes, uma simples
voltinha no quarteirão pode ser inspiradora”.
Já estava contestando sua sabedoria, pois nada de novo me ocorrera nesse
passeio forçado, quando não resisti ao chamamento de um irresistível aroma... Sim, feliz ou infelizmente, eu moro próximo a
uma dessas incríveis padarias que enriquecem ainda mais nossa região, com suas
cores, aromas e sabores.
Como o local estava lotado, optei
por um pão de cenoura previamente embalado e estava tentando visualizar a data
de vencimento, quando um senhor pegou um dos pacotes mais ao fundo da
prateleira e me ofereceu, dizendo: “Este está bem fresquinho”. Antes que eu
tivesse tempo para agradecer a gentileza, ele acrescentou com um sorriso:
“Conheço você de algum lugar” e me olhou com alguma insistência enquanto nos
dirigíamos à fila do caixa.
“Já sei”, disse ele tão
subitamente que me fez dar um passo atrás, “você tem uma Coluna na Gazeta!
Reconheci por causa da foto”. Refeita do susto, respondi rindo: - “Você acaba
de levantar meu moral, pois a foto que sai na Coluna da Suzete faz parte do
arquivo do Jornal há mais de uma década. Ando até pensando em substituí-la pela
caricatura feita pelo parceiro que tem ilustrado minhas crônicas”, respondi
rindo.
– “Percebi que você se assustou
quando comecei a falar, então, vou tomar a liberdade de sugerir que, em uma de
suas próximas crônicas, você escreva sobre o medo. Talvez seu parceiro...”. – “Danilo Marques”. – “Isso! Lembro de ter lido o nome dele. A
caricatura deve ter ficado ótima, mas o que eu ia dizer é que o Danilo poderia
fazer uma interessante ilustração sobre esse medo que a gente tem até da própria
sombra, não é mesmo?”.
Envolvidos com a conversa, não
nos demos conta de que a ‘mocinha do caixa’ proclamava alto: “Caixa livre!!!”, até sermos alertados um tanto
agressivamente por um empurrão de alguém afobado: - “Fila não é lugar pra bater
papo” e, virando-se para o companheiro: “Esses velhos não têm o que fazer e
ficam atrapalhando o caminho da gente”. Sem maiores despedidas, tratei de pagar a
conta e acenei para o senhor, cujo nome, infelizmente, não fiquei sabendo.
Pretendendo me desculpar por “atrapalhar o caminho”, ainda olhei na direção da
pessoa que nos empurrara, mas recebi um desagradável gesto de enfado.
Meu novo amigo aproveitou a ‘deixa’
para fazer mais uma sugestão, também em alto e muito bom som: - “Aproveite e
escreva também sobre agressividade”.
Voltei para casa agradecendo a oportunidade de, em menos de meia hora, haver
ganhado um amigo, novas experiências, muitas ideias para (re)trabalhar em meus
escritos e até por ter conseguido não me sentir agredida por pessoas
preconceituosas.
*A autora escreve neste espaço
toda segunda sexta-feira do mês.
Publ.in Gazeta do Ipiranga,
11/10/2013, Cad.B-5.