sábado, 22 de março de 2014

Minha mãe dizia


                               Minha Mãe dizia

 

Hoje acordei com a lembrança insistente de um dos provérbios que ouvi à exaustão quando era jovem: “Quem não se enfeita, por si se enjeita”.  Como sempre faço quando algo se me apresenta à reflexão, fiquei tentando extrair algum sentido, não dos “ensinamentos” que o ditado poderia (ou não) conter, mas do fato de (man)tê-lo como pano de fundo durante parte da manhã - como aquelas músicas que, de repente, se instalam em nossa mente a (nos fazer) cantarolar por horas a fio.

Ditos populares, a meu ver, nem sempre são tão ingênuos ou, se preferirem, simplórios, quanto as pessoas que os repetem a torto e a direito.  Por outro lado, nem sempre contêm a sabedoria apregoada por nossos antepassados.  Em outras palavras, eu diria que provérbios são como os livros de auto-ajuda: uma bengala para aqueles cujos pensamentos capengam por falta de uso, mas que – até por isso mesmo -, não deixam de ter alguma utilidade.

Uma das questões mais perversas desses bordões é que suas receitas, em geral, incluem dentre seus ingredientes ‘generosas’ doses de preconceito adocicadas com algumas colheradas de mel de suspeita qualidade: a ‘pretensa’ sabedoria neles contidas. Não posso imaginar, por exemplo, uma mãe repetindo o provérbio em questão a seu filho adolescente. Ao contrário, provavelmente, como ouvi recentemente de uma mãe “zelosa de seus deveres”, ela diria: “Troca essa bermuda toda amassada, rapaz! Vão pensar que você não tem mãe (pra cuidar de suas roupas)”.

Às meninas é incutida a ideia de que precisam se enfeitar para serem aceitas, até por si mesmas.  Os meninos, ao contrário, são aceitos pelo simples fato pertencerem ao sexo masculino, ou melhor, serem “homens com H maiúsculo”, pois se não o forem, dá-lhe provérbios, piadas e toda sorte de discriminações quiçá mais violentas que as reservadas às mulheres...

O fato é que, feliz ou infelizmente, cresci ao som de ditados, nos quais minha mãe, em sua santa ingenuidade de órfã precoce, sempre foi pródiga. Contestadora, às vezes eu reagia à ‘lição’ e era colocada “de castigo” pelo desrespeito, sentada em um banquinho (até confortável, diga-se de passagem), para pensar “sobre tudo isso”!?.  E eu pensava mesmo!  Pensava tanto que me habituei a refletir a respeito de tudo que ouço-leio-vejo-sinto, embora não seja muito afeita a sentar em banquinhos... Pensava tanto, que não via o tempo passar e, até hoje me entrego com prazer a essa espécie de “solitude criativa”.

Enfim, acredito válido considerar a lembrança da ‘máxima’ em questão, como uma sincronicidade, o que me levou a conceber uma nova série em meus escritos, a que intitularei “Minha mãe dizia”.  Embora meu baú de relíquias da espécie “ditos populares” esteja razoavelmente sortido, as sugestões dos amigos e amigas com certeza mais o enriquecerá.

Namastê!